quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

A Leste do Paraíso (1952) de John Steinbeck – Crítica

 



“O espírito do homem não se pode contentar em viver com o seu tempo, como faz com o corpo.”

Já há algum tempo que tenho visto, lido e ouvido a expressão que fulano tal ou equipa tal está/estão “a Leste do Paraíso”, mas confesso que nunca soube a origem da expressão. O Paraíso é algo que tentamos no nosso modo construir: lembro de tempos de medievais da Respublica Christiana que a Igreja tentou construir; mas também me lembro do século XIX e XX das experiências totalitárias que prometiam uma sociedade nova e um mundo novo. Novo, até muito recentemente, tínhamos como melhor. E de certa forma, ainda o temos.

O título deste magnifico livro surge da referência bíblica dos irmãos Abel e Caim, cuja história do primeiro homicídio ficou marcada na humanidade, tendo Caim, sido expulso do Éden (o Paraíso) para um país a leste. Estar a Leste do Paraíso significa por isso estar fora do Paraíso. Esta história bíblica é alvo de diversas interpretações que, sendo crentes ou não, nenhuma pessoa escapa. Será que devemos alcançar o Paraíso? Será que o Paraíso está fora das nossas possibilidades e estamos condenados? Ou será (como sugere o autor) que podemos alcançar o Paraíso?

O que entendemos por Paraíso? Aquele jardim maravilhoso? O luxo incalculável? Um local e uma vida perfeita, sem preocupações? Estas são as pertinentes questões que Steinbeck nos convida a refletir.

O livro marca duas gerações diferentes de duas famílias: os Hamilton, que têm como figura principal Sam, o irlandês que emigrou para a Califórnia em busca de uma vida melhor; e os Task, centrado na figura de Adam e os seus filhos, marcados pelos traumas de guerra, conflitos familiares, sofrimento e terror, que procuram também na Califórnia (primeiro rural e mais tarde urbana) construir o seu Éden.

O período temporal da história é vasto, compreende desde períodos da Guerra Civil Americana até ao final da Primeira Guerra Mundial. Acompanha um período de aceleração do mundo, de modernização, de progresso, mas também de destruição. Recordo em particular o narrador quando observa a transição do século XIX para o XX, sentindo o que nós sentimos da passagem do século XX para o XXI: uma História acelerada, com esqueletos, traumas, medos e incertezas sobre o futuro. Pelo meio, imensas temáticas foram abordadas: o que dizer da condição social dos primeiros asiáticos que foram para os EUA em condições absolutamente desumanas? O que dizer dos soldados que combateram a Guerra Civil e os Índios, temas esses que ainda hoje geram controvérsia no mundo, mas mais em particular entre os americanos. Mas é na natureza humana que a génese da questão surge: será que merecemos o Éden? Será que o homem é genuinamente bom ou tem uma natural tentação mais forte para a maldade? Ao longo do livro, ao acompanharmos as ações e falas dos personagens (tanto nos idosos como em adultos e crianças) e vamos tendo visões muito diferentes sobre esta questão, ao sentirmos uma sociedade que luta entre os valores conservadores, o trabalho honesto e a procura do seu pequeno espaço, enquanto lida com o desejo íntimo, o desespero, o crime, a prostituição, e a crueldade. É no meio de todo este contexto político, social, religioso, científico e bélico que surgiram os Estados Unidos da América como os conhecemos hoje, cuja principal diferença se calhar da Europa é a de não terem tidos os séculos de história para cimentar todas estas questões, como refere Steinbeck.

“Não sei o que nos reservam os anos que estão para vir. Preparam-se monstruosas transformações, forças extraordinárias que desenham um futuro cujo rosto desconhecemos. Algumas delas parecem-nos perigosas, porque tendem a eliminar o que consideramos bom.”

O que mais retirei da história foi a possibilidade de poder alcançar o Paraíso: diferente do “dever” imposto pelos mais conservadores, e o “abandono” defendido pelos menos crentes. Independentemente da situação em que estamos, a humanidade nunca desistiu de tentar aperfeiçoar-se, por muito mal que as coisas estejam. Certo, aqui e agora quem escreve (eu) e quem lê não consegue responder definitivamente se o humano é bom ou mau, até porque a maioria de nós já vivenciou ambas as faces, tanto o coração derretido como o horror. Eu não estou em posição de responder a estas questões, se o Paraíso se alcança ou se constrói. Mas tal como Steinbeck, acredito que cada um de nós é movido por uma força que se tenta auto aperfeiçoar do nosso modo, e talvez (quem sabe) seja possível caminhar mais para Oeste, em direção ao Éden. Era essa a mensagem que queria terminar esta crítica, recomendado vivamente este magnifico livro.

“No meio de tanta incerteza há uma coisa de que tenho a certeza: sob as mais espessas camadas da sua fragilidade, os homens desejam ser bons e querem ser amados. Se enveredam pelo vício é porque julgam ter tomado por um atalho que os levaria ao amor.”

Antes de terminar o artigo, um pouco na linha do que escrevi no artigo dos Miseráveis e agora que está a terminar 2023, fazer uma retrospetiva sobre o que foi este ano. O A Leste do Paraíso foi o meu décimo quinto livro lido este ano, e talvez por ironia ou destino, sinto que o li na altura e no momento certo. Este foi um ano duro para mim, quem me é mais próximo sabe disso, mas no meio de tanta coisa má que aconteceu, coisas boas vieram: o lançamento do meu primeiro livro, as férias que quis fazer desde pequeno, e o crescimento deste blog. Este ano teve mais artigos e de pessoas diferentes, por isso deixo aqui o meu particular agradecimento à Ana e ao Marco por terem aceite o meu convite de escrever aqui, trazendo gente nova ao blog, conteúdo novo e escrevendo textos que verdadeiramente deram que pensar no final do dia. Escrever e ler é maravilhoso, e espero continuar nesta página com mais artigos, mais pessoas, mais temas e mais conteúdo, criando (se permitirem) o meu pequeno Éden digital. Obrigado.


segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Colorful, (2010) – crítica

 

 



 

Já tenho feito aqui e ali no blog críticas a filmes, o que não é de todo o meu forte. Revi este filme muito recentemente, e ao início partilhei num grupo de Whatsup uma crítica escrita em inglês sobre o Colorful, em substituição de um hipotético artigo meu. Mas após refletir e rever de novo este magnifico filme, as ideias vieram, e como aspirante a escritor que sou, em momentos como este é sempre boa política pegar no lápis ou no computador e escrever o que nos ocorre.

Começo por dizer que a animação japonesa é atirada para um certo “gueto”, muitas vezes injustamente. Houve uma fase da minha vida que consumia imenso, pois tem gêneros e conteúdo para todas as idades, desde as famosas histórias de heróis e sobrenatural até aos chamados “slice of life”, que é a categoria onde Colorful se integra.

 

O filme é focado no adolescente Kobayashi Makoto, que tentou suicidar-se com uma overdose de comprimidos. O primeiro impacto do filme é marcante, quando observamos a cama do hospital ao ver o jovem Makoto acamado, os pais desolados a pensar que perderam o filho, e o irmão mais velho, virado para a parede a dar lhe um soco. Makoto, a quem é dada uma segunda chance na vida, sobrevive e aos poucos vamos aprendendo com o adolescente o contexto da sua vida – ao inicio, retrata uma família feliz, uma casa confortável, uma mãe atenciosa, um pai de bom coração e o irmão academicamente evoluído, mas pouco a pouco vamos acompanhando o que se passou: o pai ausente, focado em demasia o trabalho, a mãe que Makoto viu a trair o pai com o instrutor de flamengo e o irmão mais velho a quem Makoto parece-lhe indiferente, não fazendo esforço de criar relação com ele.

O filme torna-se neste momento pesado: descobrimos que Makoto não tem amigos, é vítima de bullying na escola, tem dificuldades nas aulas e o seu único e grande talento é para o desenho. Neste ponto é interessante constatar a visão de adolescente e a sua relação com a saúde mental: Makoto, como é característico dos adolescentes (e de muitos adultos) tem uma visão estrita e altamente moralista do mundo, e as premissas que se apresentam na sua vida são desoladoras, e aos poucos começamos a sentir o desconforto que Makoto sente consigo mesmo; ao mesmo tempo, sentimos o desconforto que Makoto causa à sua família, cujos esforços de criar uma nova relação com ele parecem ser sempre boicotados pelo adolescente intransigente, chegando até a sentir pena da família, particularmente da mãe.

À medida que o filme vai avançando, a seu ritmo vamos tendo novas cenas da vida escolar e familiar de Makoto que lhe vão possibilitar um enorme crescimento pessoal. Duas cenas são particularmente marcantes: a cena do jantar, onde o irmão se revela uma pessoa extremamente preocupada com Makoto e disposta a fazer sacrifícios pessoais em prol da felicidade do jovem adolescente; e a cena no clube de arte, que mostra uma redenção de Makoto, tanto perante a jovem que tem um fraquinho como pela colega de turma esquisita que o admira ao longe. Este é um ponto que quero dedicar atenção em particular. Como Makoto bem descreve, as pessoas não são de uma só cor, somos compostos por várias tonalidades e não há nada de errado com isso. Isso é uma bonita lição, mas como tudo na vida, ao admitir isso temos de chegar ao passo seguinte e admitir que as pessoas e a realidade não se reconduzem a uma ou poucas premissas. A família de Makoto, os colegas de escola, o amigo que, entretanto, o jovem conseguiu fazer, tudo isto vão ser decisivos para o desfecho final do filme. Mas mais que isso, nós não sabemos o impacto que temos nas outras pessoas, não necessariamente nas pessoas da família e de amigos próximos, mas de pessoas que conhecemos por alto ou só de vista, ou até só das redes sociais. Makoto aprende que toda a sua vida foi alvo de admiração, pela forma como lidou com o bullying mantendo a postura, pela família que se preocupa com ele e quer o seu bem apesar dos seus erros, pela jovem sobre a qual tem um fraquinho. Nós muitas vezes pelo que dizemos, fazemos, transpomos ou somos, transmitimos uma mensagem à sociedade, que por vezes é mais profunda e impactante do que pensamos. Mas ao mesmo tempo, e começo por falar por mim, temos dificuldades tremendas na comunicação. Esse aliás é um dos motivos pelos quais criei este blog. Comunicar é um ato complicado e complexo. É mais fácil dito que feito, e Makoto sente isso, até finalmente conseguir na cena do jantar que falei acima falar claro à família e deixar a mensagem que lhe vai servir de força para avançar com a sua vida. Será que nós conseguimos transmitir sempre a mensagem que pretendemos? Aos nossos pais, avós, irmãos, familiares, amigos, colegas de trabalho, chefias? Provavelmente não, exatamente porque cada pessoa tem uma tonalidade diferente e temos dificuldades em compreender uns aos outros. Por esse motivo tinha de falar do filme no blog.



Deixando de parte os aspetos formais da realização, para os quais outros blogs estão melhor habilitados que eu para discutir, o filme tem uma mensagem forte, sendo um filme focado na visão de adolescente que é uma fase da vida difícil, na qual os problemas de adulto começam aos poucos a surgir (para uns mais depressa que para outros), embora seja um filme que mais facilmente um adulto entende a mensagem. No início deste artigo disse que revi o filme há pouco tempo. É verdade. A primeira vez que o vi foi há uns anos, e tal como disse no artigo da Cartuxa de Parma, na altura não senti a mensagem de Colorful como senti agora. Na altura que vi, achei até um filme desconfortável e em larga medida desagradável. Hoje penso o oposto. Por tocar em temas tão essenciais para a nossa sociedade, desde a saúde mental, a comunicação com os outros, a aceitação do próximo, o crescimento pessoal, são tudo coisas que atingem todas as idades. Por isso não posso deixar de recomendar o filme.

 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Corporate Governance, a mão invisível ! (Marco Garcia)

 



Prólogo: Recentemente, no contexto do Mundial de futebol no Qatar um canal no Youtube lançou uma pequena série de documentários sobre aquela que foi uma das mais polémicas competições desportivas de sempre. Para a compreender, era necessário entender a nova ordem económica internacional que se começou a formar a partir dos anos 70 e sobretudo 80, criando um mundo económico com novas regras. Só muito recentemente a OMC e outras entidades transnacionais tem introduzido temáticas na gestão como a sustentabilidade, o bem estar social e o ambiente: sinais esses ousados para uns e demasiado tímidos para outros, em todo o caso são sinais que se impõe um repensar da realidade económica. Neste contexto, em boa hora o Marco regressa ao blog num artigo que apesar da sua maioria ser desanimador e triste, termina simbolicamente com uma mensagem de esperança. Esperança, aliás, foi o que sempre moveu a humanidade. Sem mais demoras, o artigo (Luís Araújo)

 

 

A supremacia do acionista, foi uma ideia introduzida na literatura económica nos anos 70 pelo prémio Nobel da Economia Milton Friedman. Friedman escreveu um artigo a dizer que a responsabilidade social de uma companhia é maximizar o lucro e que o objetivo de uma companhia era o benefício para o acionista, não os benefícios sociais, e ele inclusive foi mais longe, afirmando que se as companhias gastassem dinheiro em coisas sociais isso seria uma má utilização dos recursos das companhias. A partir daí, algumas pessoas, levaram isto muito a sério. Nas Universidades Norte Americanas nos anos 70, costumava-se fazer uma pergunta aos seus alunos, que era tipo um dilema: Quem é que vinha primeiro? Os empregados, os clientes ou os acionistas? A resposta esperada era “os acionistas”, e isto também era ensinado nas escolas de Direito, muitos professores de Direito das empresas pregavam que os acionistas deviam ser a única preocupação dos CEOs. Friedman alegava que os acionistas eram donos das corporações, e desde os anos 80 que esta ideia criou raízes na mente das pessoas, quase todas as pessoas do meio académico em todo o mundo, acreditavam nisto, e esta tem sido a visão dominante do mundo corporativo ocidental até aos dias de hoje, e quando me refiro a empresas, refiro-me a grandes empresas, seguradoras, bancos, empresas de comunicação, transformação, automação, empresas públicas, entre outras. Todas as grandes empresas de todos os setores de atividade nos últimos 20-30 anos andaram a enganar-nos. Eu não quero dizer que elas nos tenham enganado por pagarem aos CEO’s, 20, 60 vezes ou 351 vezes mais do que o trabalhador normal, não é isso que está aqui em causa, o que está aqui em causa é o próprio sistema, é a cultura que foi instituída. As pessoas que criaram esse sistema têm estado alinhadas com uma determinada ideia, uma ideologia, que tem funcionado como uma espécie de mantra, é quase como uma religião. A ideia de que os acionistas são donos das empresas e que o único propósito de uma companhia é maximizar o lucro para o acionista ou associado. Contudo, se entendermos o que é uma ação de uma empresa, percebemos que essa ideia está errada. O que é uma ação? Uma ação é um contrato entre o acionista e a corporação que dá aos acionistas direitos muito limitados, assim como os obrigacionistas tem um contrato com a corporação que lhes dá direitos muito limitados e assim como os empregados tem um contrato com a corporação que lhes dá direitos muito limitados, portanto, do ponto de vista legal, o que o Milton Friedman alegava - “que os acionistas são donos das empresas”, está errado logo no início. Por incrível que pareça, esta ideia encontrou apoiantes em todos os setores da sociedade e tem sido pregada em todos os púlpitos do mundo ocidental nas últimas três décadas, esta ideia foi amplamente aceite e tem sido promovida por Professores Universitários, Jornalistas, Juristas, Constitucionalistas, Economistas, Gestores, Órgãos Governamentais e Judiciais. Esta noção tornou-se muito apelativa para os Economistas, porque deu-lhes uma forma simples de explicar o propósito de uma corporação, e também uma métrica para medir o desempenho de uma empresa. Se pensarem que os acionistas são os donos, ou como alguns economistas mais sofisticados lhe chamam de reclamantes residuais, então têm um objetivo corporativo muito fácil de medir. A ideia é que, enquanto tu maximizares o valor da ação da empresa, tu maximizas as contribuições sociais que a firma faz. Porque, todos, de acordo com a teoria económica, obtêm aquilo que está nos seus contratos, os obrigacionistas recebem os juros, os empregados recebem os seus salários, e os acionistas como donos devem ter todos os centavos de proveitos que sobrarem depois da firma pagar os custos fixos dos outros participantes, e se tu fores um economista dizes, isto é brilhante, tudo aquilo que temos de fazer em termos das melhores recomendações para gerirmos empresas é perceber o que é que podes fazer para aumentar o valor da ação, e temos um pequenos negócio para os consultores económicos e financeiros. Então os Economistas e os Consultores adoram esta ideia, até os Jornalistas de Negócios e Professores adoram esta ideia, porque tornam as empresas como entidades muito fáceis de entender. E podes explicá-la num parágrafo se fores um Jornalista, ou aos teus alunos se fores um Professor numa escola de negócios.

Agora, isto teve implicações graves  na sociedade, porque não são apenas os CEO’s e os Administradores que estavam alinhados com esta ideia: todas as chefias intermédias, todos os quadros de direção estavam alinhados com esta ideia, e os seus trabalhadores, se queriam subir na carreira tinham de fazer o que as chefias intermédias mandavam, daí a célebre frase, “quem pode manda e quem deve obedece”, e as pessoas começaram a ser tratadas como partes de um todo em que o todo tinha um propósito próprio, que era maximizar o valor do acionista, mas as sua partes não tinham propósito próprio, o propósito delas era servirem o propósito da corporação, e enquanto os trabalhadores eram pouco instruídos, isto resultou, agora, a partir do momento em que os trabalhadores começaram a ser mais instruídos, tudo mudou, porque, agora tu tinhas uma classe trabalhadora instruída, que investiu dinheiro, tempo e energia, para poderem levar uma vida digna e com sentido, e aquilo que encontraram quando entraram no mercado de trabalho foi, frases do tipo, “ tu não estás aqui para pensar, tu estás aqui para trabalhar e fazer o que eu te mando, porque eu é que sou o chefe, se não gostas, podes ir-te embora” ou melhor ainda “ não queres fazer o que eu te mando, não concordas comigo, então, amanhã escusas de vir trabalhar, porque nós não te queremos aqui, existem muitos lá fora a querer este trabalho” e quando queriam explicar algo, diziam frases do tipo “ olha, vou explicar-te como se fosses uma criança de 5 anos” , começaram a micro gerenciar os trabalhadores ao segundo, e o medo instalou-se, as pessoas começaram a ir para o trabalho motivadas pelo medo, medo de perder o emprego, medo de falar com o colega do lado, medo de serem elas próprias, porque, a partir do momento que decidiam ficar, sabiam que tinham de aguentar todo o tipo de hostilidades de colegas e chefias intermédias. Os americanos têm uma expressão engraçada para este tipo de pessoas, que bajulam os chefes e fazem tudo o que eles mandam, eles chamam-lhes “cães de colo” e existem também os chamados “cães de fila” estes, são aqueles que andam á procura dos erros dos colegas, para lhes apontar o dedo, e os entregarem às chefias intermédias, para que as chefias intermédias possam ter culpados para entregarem aos CEO’s de forma a justificarem os pobres resultados da sua gestão, e são estes que normalmente sobem na carreira, fazendo, aquilo que é errado. Antigamente as pessoas que entregavam os companheiros às autoridades, eram chamadas de traidores, e eram condenados por conduta imprópria para com o seu semelhante, mas neste sistema, essas mesmas pessoas são promovidas a cargos de chefia, e passaram a ser muito valorizados no mundo empresarial e a terem muito poder dentro das organizações, e depois as pessoas admiram-se pela fraca produtividade das empresas. Outra implicação importante que este tipo de ideologia teve, é que os trabalhadores passaram a ser vistos como funções, e não como seres humanos com propósito próprio, e a partir daí, a saúde dos trabalhadores, das famílias e da sociedade em geral começou a ir pelo cano.

 Agora, isto teve outra implicação, dado que o único propósito de um CEO e do seu conselho de administração é maximizar o lucro para os acionistas ou associados, o seu ordenado passou a estar ligado a esse lucro ou ao preço das ações, e passou a ter uma parte variável que está associada ao cumprimento de objetivos financeiros quantitativos e qualitativos, denominados objetivos de desempenho individuais, e foi daqui que apareceram os objetivos de desempenho individuais. O cumprimento destes objetivos permite a maximização do lucro para os acionistas ou associados da instituição. Mas, como é que isso se consegue? E a resposta é muito simples: aumentar proveitos e reduzir custos, qualquer aluno do ensino básico consegue dizer isto. Quais são os maiores custos que essas companhias têm? Exatamente, custos com o pessoal, agora, se tu fores administrador ou Presidente de uma grande empresa, em que o teu propósito é maximizar o lucro do acionista, de preferência no próximo trimestre, qual vai ser a tua melhor estratégia? Exato, cortar nos custos com o pessoal. Como:

- Reduzes os custos de todos os empregados em 40% (exceto dos executivos de topo);

- Eliminas as pré-reformas para todos os trabalhadores (exceto para os executivos de topo);

Como:

- Começas por despedir 25% da tua força de trabalho, substituindo-a por outsourcing ou nova tecnologia, IA, machine learning, automação. Cortas nos benefícios sociais, congelas as promoções, deixas de pagar horas extra. Aumentas a competição e o medo para que as pessoas trabalhem mais horas não pagas. Crias mais funções e tarefas para cada pessoa, e por cada pessoa que sai, entra uma nova a ganhar 1/3 da que saiu.

- Utilizas políticas de esmagamento de preços para com os teus fornecedores.

Isto foi apenas um exemplo, porque existem muitas técnicas de cortar custos com o pessoal, e esta questão dos objetivos individuais de desempenho, começou a ser utilizada também nos próprios trabalhadores, para aumentar a competição entre eles e aumentar ainda mais o medo. O facto dos CEO’s, terem objetivos de desempenho, e estes estarem ligados à maximização do lucro para o acionista ou associado, teve ainda uma outra implicação bem mais grave para a sociedade, é que em tempos difíceis, de forma a cumprirem o seu objetivo os CEO’s e Administradores vão sangrar os trabalhadores até ao tutano, e vão utilizar práticas menos próprias para atingirem os objetivos, como foi o caso da Volkswagen que mentiu e fez batota com as emissões de CO2. E têm sido este tipo de estratégias que os CEO’s das grandes empresas têm utilizado nos últimos 30 anos, tudo motivado pelo seu propósito de maximizar o valor do acionista. Agora, a pergunta que devem fazer é, como foi possível enganar as pessoas durante tanto tempo sem que elas se tenham revoltado?  Um dos fatores que contribuiu para isso foi o aumento de instrução, e o outro foi o endividamento das famílias. Porque, quando controlas aquilo que se ensina em todo o mundo, e quando hipotecas a vida das pessoas, passas a controlar a sociedade, os governos passam a ser um meio para exerceres esse controlo. Num mundo capitalista, quem controla o mundo é o capital, e as Universidades estão ao serviço do capital, não estão ao serviço das pessoas como muitos pensam. O negócio das Universidades não é o ensino, é o controlo, quanto mais pessoas instruídas tiveres neste sistema, maior é o controlo que tens sobre elas, e qualquer pessoa que tenha tirado um curso em finanças, direito ou economia au até mesmo um MBA, pode dizer-vos isso, eles até ensinam a manipular os números para as empresas pagarem menos impostos ao estado, eles explicam muito bem como é que deves sangrar uma empresa, e tudo isto é legal, porque são eles que controlam as leis, fazendo pressão sobre o poder político e judicial, sobre os reguladores, e as consequências destes atos já começaram a aparecer, agora, vocês conseguem perceber quais as implicações em termos sociais que esta ideia teve na sociedade e no mundo ocidental, porque, dado que as Universidades são Instituições Universais, aquilo que os seus professores ensinam, espalhasse pelo mundo, e a pergunta que se deve fazer aos jovens hoje em dia, não é se querem ir para a Universidade, ou qual a Universidade que pretendem frequentar. O que devem perguntar aos jovens, é o que querem aprender, e o que querem ser, que tipo de pessoas se querem tornar, e se aquilo que querem aprender, é correto, e se é ensinado nas Universidades, e em muitos casos não é. As Universidades fazem o que as grandes empresas precisam que elas façam, se o propósito das empresas é maximizar o lucro para o acionista, é isso que as Universidades vão ensinar, vão ensinar como é que se faz, vão dar-te conhecimento, mas não te vão explicar porquê que se faz como se faz, ou se existe uma outra forma de se fazer, ou seja, não te dão entendimento, porque no fundo, isto é tudo um grande negocio, os alunos que saem das Universidades são a matéria prima das grandes empresas, e as grandes empresas não querem ser questionadas acerca das decisões que tomam. As Universidades são instituições que estão ao serviço do mercado, e quem controlar o mercado, controla as Universidades, e por aí fora, se a isto juntares o aumento do endividamento das famílias, deixando-as completamente nas mãos das instituições financeiras, compreendes porque é que as pessoas não se revoltam, tudo está interligado. O problema é que os jovens não querem viver neste tipo de sociedade, porque, se as Universidades estiverem a ensinar aquilo que é errado, e muitas delas estão, então, estaríamos  todos bem melhor com CEO’s e Administradores e Diretores sem formação, e é por isso que eu digo que, como cidadãos fomos enganados, e só agora é que começámos a aperceber-nos disso, porque não queremos  que os nossos filhos passem por aquilo que nós não deveríamos ter passado, e nem eles querem passar por aquilo que nós passámos, agora, imigrar não é a solução, porque o mundo hoje em dia é global, e os problemas são globais. Outra implicação que esta ideologia teve na sociedade foi a questão do aumento do controlo, da regulação e da supervisão no mundo ocidental, porque, tiveram de criar um sistema que conseguisse lidar com os problemas gerados por esta ideologia, só que esse sistema tem criado mais problemas do que aqueles que tenta resolver, porque as pessoas estão falidas em todos os sentidos. Quando ouvimos falar que o País está falido, temos de entender que o país são as pessoas, o País não é uma figura abstrata, o País não é o Governo, o País somos nós. As empresas estão a gerar menos dinheiro, porque o seu propósito não levou em consideração a natureza sistémica de uma corporação, porque todos fazemos parte do mesmo sistema, e todas as partes desse sistema estão interligadas, portanto, se o principal foco dos CEOs é aumentar o lucro para o acionista, será que esse lucro tem crescido assim tanto, como era esperado?  Será que o retorno para o acionista ou associado justificou todas as atrocidades que foram feitas, pelos seus CEOs? Será que os acionistas e associados estão satisfeitos? Será que esses ganhos foram superiores aos da década de 50-80 onde utilizavam um propósito mais pró-social? E a resposta é um redondo não. O número de companhias na bolsa dos Estados Unidos caiu de 9000 no início dos anos 90 para 2 385, no início de 2023. A esperança de vida destas companhias decresceu ainda mais severamente. A média das empresas que constavam da Fortune 500, estava lá por 60 anos, à mais de umas décadas atrás. Hoje essa média é inferior a 15 anos. As companhias listadas na Fortune 500 diminuíram 88% desde a década de 80.

A bolsa de valores de Lisboa, entre 2000 e 2018 perdeu 91 empresas, na última década por cada entrada no mercado registavam-se 3 saídas, na última década a Bolsa viu sair 18 empresas e só entraram 6. Segundo a McKinsey “isto devesse à carência de saúde organizacional das empresas, à falta de capacidade de empenho dos funcionários, às mudanças proporcionadas pela tecnologia na comunicação com colaboradores e fornecedores, e no alinhamento dos gestores.”. As companhias estão a cortar no valor reinvestido. Costumavam reinvestir 40% ou mais dos seus proveitos, agora esse valor representa menos de 10%, mas o mais estranho é que maximizar o valor dos acionistas, não tem maximizado o valor dos acionistas, o retorno para os acionistas é relativamente menor do que era entre os anos 50 e 80, quando os CEOs tinham um propósito alinhado com todas as partes interessadas, e achavam que esse propósito era algo muito complexo, isto não tem sido apenas nos Estados Unidos mas em todo o mundo. O que é que está errado?

“O problema da filosofia de maximização de lucro do acionista, é que, é apenas uma ideologia, não é apoiado em factos, não é apoiado pela legislação comercial, e não é suportado pela economia empresarial, quando tu entendes o que as empresas realmente são. Já olhamos para algumas das evidências e já vimos como o abraçar do pensamento da maximização do lucro para o acionista, levou ao declínio do número de empresas, da esperança de vida das empresas, da reduzida inovação, da redução do investimento, e até da redução do retorno dos acionistas”, Agora, os CEO’s e Administradores estão muito confortáveis com esta situação porque, nunca em toda história da humanidade, os CEO’s  e Administradores foram tão bem remunerados, como têm sido nos últimos 30 anos. Até início dos anos 80 o conselho de administração tinha um ordenado que era superior ao da maioria dos trabalhadores mas não tinham prémios de desempenho, em alguns casos existiam vendedores que conseguiam ganhar mais do que o Administrador, o seu salário andava a par com o crescimento do salário dos outros trabalhadores e a par com o crescimento da empresa. O que assistimos a partir da década de 80 foi um aumento da remuneração dos CEO’s e Administradores em relação aos restantes trabalhadores, que era superior ao crescimento da empresa, ou seja, o salário dos trabalhadores estagnou e em alguns casos diminuiu, e a remuneração dos administradores continuou a crescer a um ritmo superior ao da própria empresa, principalmente nos últimos anos, portanto, os CEO’s estão muito confortáveis com a governança corporativa atual, e com a primazia do acionista, por outro lado, os trabalhadores, os clientes, os fornecedores, a comunidade, os acionistas, os associados , a sociedade em geral e o País têm sofrido com este propósito da  primazia do acionista ou associado, e isto tem afetado os ganhos de longo prazo das acionistas e associados das empresas, e tem afetado o crescimento da economia, da sociedade e do País, e se não forem criadas leis que ponham fim a esta escalada injustificada da remuneração dos acionistas, e que acabem definitivamente com as avaliações de desempenho individuais, que são práticas anti sistémicas, todas as partes interessadas vão continuar a sofrer, a sociedade vai continuar a sofrer, e o País vai continuar a sofrer, ficando a mercê de ativistas radicais.

Entre os anos 50 e 80, trabalhar numa grande empresa era sinónimo de sucesso profissional, era o sonho de muitos jovens quando saíam da Universidade, ou quando terminavam a escolaridade obrigatória. E este sonho tem vindo a desvanecer-se,  e muitos imigram para outros países na esperança de encontrarem uma empresa que sirva os seus propósitos, não só financeiros mas também sociais, acontece que se deparam com a mesma realidade, com a mesma mentalidade e muitos deles começam a perder a esperança, e deixam de acreditar que os negócios são uma força para fazer o bem no mundo, e que contribuem para a progresso social, contribuem para fazer aquilo que é correto, e não apenas para fazer as coisas corretamente. É preferível errar a fazer o que é correto do que fazer corretamente o que é errado, e nós como sociedade, nos últimos 30 anos, insistimos em fazer corretamente o que é errado. Se errares a fazer o que é correto e identificares o erro, podes corrigi-lo, e melhorar, agora, se fizeres corretamente o que é errado vais ficar cada vez mais errado.  Esta distinção é crítica para percebermos a diferença entre uma sociedade assente em valores e  uma sociedade assente em resultados, isto explica a diferença entre eficácia e eficiência, e como os CEO’s e Administradores não estavam a querer entender esta diferença, e continuavam muito confortáveis a fazerem o seu business as usual, ganhando rios de dinheiro, à custa de todas as partes interessadas, incluindo as três principais, empregados, clientes e comunidade, que são os principais investidores de longo prazo, em 2018 Larry Fink, Chairman e CEO da BlackRock, a maior empresa  de gestão de ativos do mundo, que gere mais de 9 triliões de dólares em ativos, decidiu enviar uma carta a todos os CEOs das empresas em que a BlackRock tinha ações, e introduziu a ideia de propósito. Qual  foi a lógica do Larry ? Ele tinha uma visão que o sentido de propósito teria longo prazo e se não pensassem no longo prazo, ficariam vulneráveis a ativistas, e por último, se não conseguissem fazer melhor não iriam ser suportados pelos acionistas chave, incluindo os cidadãos.” O senso de propósito é crítico para atingir o potencial máximo. Então Larry escreveu uma outra carta em 2019, e esta carta foi muito importante. Ele agarrou nesta ideia geral de propósito e empurrou-a para a frente, e tornou-a um pouco mais específica, e um pouco mais concreta. O propósito não é um slogan numa campanha de Marketing de uma empresa, é a razão fundamental para a sua existência. Porquê que nós existimos? O que é que nós fazemos para além de criarmos valor para os acionistas? Os lucros não são inconsistentes com o propósito, e isto é muito importante, os lucros e o propósito estão intrinsecamente ligados. Foi esta a carta do Larry”. No fundo, Larry fala sobre o capitalismo das partes interessadas, e ele disse o seguinte -

“ Se tens uma voz forte nas tuas três maiores partes interessadas, os teus clientes, os teus empregados, e a tua comunidade, as tuas últimas partes interessadas, os teus acionistas, recebem proveitos fortes, longos e duradouros, e isso prova que se olharem para as companhias que têm voz, companhias que tem um forte capitalismo das partes interessadas, como parte dos seus princípios, essas companhias tem um melhor desempenho, do que aquelas que estão silenciosas……os nossos empregados querem que nós tenhamos uma voz, os nossos empregados pedem-nos para nós termos uma voz……. Como eu disse no início, nós, como uma companhia de gestão de ativos, nós desempenhamos um papel muito importante no mundo, somos próximos daqueles que são os donos do capital, e das companhias das quais nós gerimos, e nós temos uma enorme responsabilidade real em gerir 9 triliões de dólares de dinheiro de outras pessoas, essa responsabilidades é enorme, quando gerimos dois terços dos nossos ativos que são ativos de reforma, nós temos de ser uma voz do longo prazo, nós não somos uma voz dos Tik Tok’s dos dias de hoje,  ou se os mercados sobem ou descem,…..isso é 90% da narrativa dos nossos canais de média hoje em dia, qualquer jornal só fala dos altos e baixos dos mercado... e isso atualmente é prejudicial na minha visão, para o aforrador que quer estar seguro, e ser um investidor de longo prazo. O que nós tentamos fazer, é sermos o melhor que podermos como uma parte interessada, para nos focarmos mais nas necessidades dos nossos clientes, nas necessidades dos nossos empregados, que se traduzem nas necessidades da comunidade.

A minha palavra do momento é esperança, eu acho que as pessoas têm de ter esperança e a esperança no mundo tem diminuído com o covid e com estas questões da guerra e da inflação e a quantidade de crianças a nascer no mundo tem diminuído. E portanto, eu quero mudar a narrativa, e quero dar esperança às pessoas. As pessoas têm de se sentir mais confortáveis, os padrões de vida têm de crescer, assim como os salários, e não estou a falar só da Europa ou da Europa de Leste, estou a falar do mundo, e existe menor esperança no mundo hoje em dia. Eu acredito que vamos ter menos liquidez no mercado nos próximos anos. A BlackRock está baseada na esperança, no longo prazo. Tu investes para a reforma porque esperas que o amanhã seja melhor do que é hoje. A invasão da Rússia à Ucrânia colocou um fim à globalização que nós temos vivido nas últimas três décadas. O acesso ao mercado de capitais é um privilégio e não um direito. E após a invasão da Rússia, nós vimos como o setor privado rapidamente terminou com negócios duradouros e relações de investimento.

Agora, tenham uma coisa em consideração, se querem efetivamente mudar o propósito das corporações, vão ter de mexer na legislação, elaborar leis novas, bem como novos regulamentos. Ou seja, vão ter de redesenhar todo o sistema.

Este discurso lança uma nova esperança nas mentes das novas gerações, mas compete-lhes a elas lutarem por um emprego digno e com sentido, com propósito, compete-lhe as elas fazerem aquilo que é correto.

Em 2019, 181 dos CEOs das maiores empresas como Jaimie Dimon CEO do JP Morgan Chase, o maior banco americano, Safra Catz CEO da Oracle, Alex Gorsky CEO da Johnson & Johnson, e tantos outros presidentes das maiores empresas mundiais, já se afastaram da ideia da primazia dos acionistas, e assinaram uma declaração que inclui o comprometimento para com todas as partes interessadas como sendo o  propósito de uma corporação, esses CEOs comprometeram-se a liderar as suas companhias para o benefício de todas as partes interessadas - clientes, empregados, fornecedores, comunidades e acionistas. Mas será que isso é suficiente, será que conseguem evitar o que está para vir? Esta é a grande questão, porque, chegou a altura de colherem o que andaram a semear nos últimos 30 anos.  

As pessoas não são a função que desempenham, as pessoas são seres humanos sociais, com propósito próprio, e os CEO’s das empresas têm de reconhecer e atender esse propósito, porque a atração de talentos não é apenas um slogan de propaganda para as camadas hierárquicas intermédias, para os cargos de Direção, todas as pessoas têm talento, ele só tem de ser reconhecido, valorizado e elogiado, e os CEO’s e Administradores têm de se esforçar por fazer aquilo que é correto e que proclamam, e devem começar por atender os propósitos de todas as partes interessadas, começando pelos seus trabalhadores. O lucro de uma empresa é o seu oxigénio, ele é necessário para a sua sobrevivência, mas não pode ser o seu propósito de vida, precisamos de oxigénio para viver, mas o nosso propósito de vida é algo bem mais complexo, é algo pelo qual nós lutamos todos os dias, sabendo que perseguimos um propósito digno de uma vida honrada e com sentido. Temos de começar a criar CEO’s e Administradores fortes, para os tempos difíceis que se avizinham, porque o negócio dos negócios são as pessoas, ontem, hoje e para sempre. Obrigado


quarta-feira, 13 de setembro de 2023

O Conde de Monte Cristo (1844), Alexandre Dumas – Crítica

 


“Há virtudes que se tornam crimes pelo exagero.”.

 

Começo este artigo em que volto ao blog com uma breve reflexão sobre a leitura: o prazer que acredito que seja comparável ao terminar de uma maratona, a adrenalina de virar as páginas, olhando para o que já se leu ao mesmo tempo a história nos agarra e estamos ansiosos por saber a seguir o que vai acontecer ao personagem que aprendemos a gostar. Ao mesmo tempo ao ler partilhamos as ideias do autor e confrontamos com as nossas. Umas vezes rimos, outras paramos para meditar, outras vezes abanamos a cabeça. Este é o grande prazer da leitura. 

Ao mesmo tempo, no início do ano coloquei o objetivo para me disciplinar de ler pelo menos um livro por mês: O Conde de Monte Cristo foi o meu 13º (em termos de sequência) livro lido em 2023, e, tal como o maratonista que chega ao fim depois de um longo caminho, também eu, se o leitor me permite, sinto orgulho de mim mesmo por este pequeno objetivo alcançado.

 

O Conde de Monte Cristo foi uma sugestão de um amigo meu depois de ter lido os Miseráveis de Victor Hugo. Sendo contos um pouco diferentes, creio que Dumas é um melhor contador de histórias que Victor Hugo, embora não tenha a sua profundidade. Como tal, Dumas e esta magnifica obra merecem um artigo neste blog.

 

Mas por onde começar? O Conde de Monte Cristo, um dos alter egos de Edmond Dantés, é uma história que mistura várias sensações: preso injustamente na sequência de uma conspiração mesquinha de pessoas próximas (o ciumento Fernand, o invejoso Danglars e o Villfort, o procurador oportunista), nas primeiras páginas agarra o leitor pela reação à tremenda injustiça que caiu sobre Dantés, que é apresentado como um homem humilde, de bom coração e trabalhador. Após a bem-sucedida fuga da prisão, Dantés vive um misto de emoções: descobre graças ao seu mentor uma fortuna incalculável, rapidamente assume a postura por um lado de filantropo mas por outro, e o que vai marcar a esmagadora maioria do livro, um forte desejo de vingança sobre os responsáveis dos seus longos anos de miséria.

“Não tenho medo de fantasmas, e nunca ouvi dizer que os mortos tenham feito assim tanto mal durante seis mil anos como os vivos são capazes de fazer num dia.”

 

A vingança é algo que quero destacar à parte: muitos de nós atualmente falamos na figura budista do Karma (pese embora não seja inteiramente aquilo que culturalmente no ocidente é percetível como tal), e de facto a sede de vingança é algo que muitas vezes nos afeta: nas séries, nos filmes, no animes, vibramos com histórias de vingança, sentimos prazer com isso, um pouco assumindo a pele de “justiceiro” que corrige as deficiências do mundo. Mas Dantés, depois de centenas de páginas marcada pela forte e absoluta ideia de vingança, em moldes surpreendentes, perante uma situação onde o dano causado a um dos responsáveis é manifestamente desproporcional ao que inicialmente tinha concebido, mostra uma nova evolução: começa com a personagem do homem simples e honesto, assume a perspetiva do homem culto, misterioso e demasiado apaixonado pela crueldade, até que termina o livro como um homem humano, mais equilibrado, que pretende fazer algo do presente e futuro, ao invés de se deixar consumir pelas emoções fortes do passado. Não por acaso que gosto de falar na História da Humanidade. Muitas vezes temos dificuldade em aceitar o que aconteceu. Mas falo também da nossa história de vida, o desafio de aceitar o nosso passado é por vezes difícil, mas fácil dito que feito, e esta é com este magnifico sabor literário que Dumas termina simbolicamente o livro.

“As feridas têm esta peculiaridade: podem estar escondidas, mas nunca cicatrizam, são sempre dolorosas, estão sempre prontas a sangrar quando tocadas, permanecendo abertas e vivas no coração.”

 

“Não  há felicidade nem infelicidade no mundo; há apenas a comparação de um estado com o outro, nada mais. Aquele que sentiu a dor mais profunda é quem melhor pode apreciar a suprema felicidade . . . toda a sabedoria humana se resume nestas palavras: Aguardar e ter esperança.”


O Conde de Monte Cristo é também uma obra marcada pelo sentido de humor do autor, desde subtis provocações entre conversas da alta sociedade até a pequenos fragmentos de enorme sabedoria popular. É também um livro em que sentimos que o autor já tinha a história pensada desde o início e que fecha muito bem todas as pontas soltas da história e que todos os personagens introduzidos tiveram o seu propósito para chegar a este final: seja com um misterioso falso príncipe italiano ou com a introdução de várias gerações diferentes de uma família, cada um deles cuidadosamente colocado no enredo.

“- Estou a ver; para os seus criados é «senhor», para os jornalistas é «senhor», enquanto os constituintes o chamam de «cidadão». Essas são distinções muito apropriadas para um governo constitucional. Compreendo perfeitamente.”

 

Por todos estes motivos, o Conde de Monte Cristo foi uma aposta certeira e uma obra que recomendo vivamente!


quarta-feira, 12 de julho de 2023

Pequenas misérias da vida conjugal, Balzac (1845) – Crítica

 



“Todos os casais têm o seu tribunal de cassação, que jamais se ocupa do fundo e apenas julga a forma.”

Depois do sucesso que o artigo da Ana fez, achei que seria uma boa oportunidade de voltar a escrever sobre algumas reflexões que o tema amor e relações têm tido neste blog. Quando tudo começou, em 2018, estava eu longe de imaginar que iria escrever sobre isto, mas o que é facto é que consciente e inconscientemente o tenho feito. Assim de cabeça, o primeiro artigo que foi nesse sentido foi este, um artigo que fiz menos publicidade que o habitual, e que não foi nada menos que uma declaração de amor a uma antiga leitora. Terminei esse artigo a recomendar uma anime que aprecio imenso, My Youth Romantic Comedy Is Wrong, as I Expected. Independentemente dos acontecimentos, não posso de forma alguma afirmar que me oponho à rescrição da História se vou fazer o mesmo no meu blog, por isso o artigo continua disponível. Após isso, tanto o Nossa Senhora de Paris como os Miseráveis, passando pelo livro do Vítor e até ao último artigo publicado pela Ana, o amor e as relações, de uma forma ou de outra, continuaram aqui no blog. E este livro, nesta hora dá me um ótimo contexto para reforçar a temática.

Normalmente o que associamos ao amor romântico no universo da cultura é os dois extremos temporais ou, se se preferir, os dois extremos sentimentais: vimos isso por exemplo (e agora até tem sido falado de novo devido ao acidente do submarino que infelizmente vitimou turistas), o filme do Titanic com os dois dias de intensa paixão; ou então, o amor é tratado como fase final de uma relação em declínio e destinada ao fracasso: por exemplo, na série do How I Meet Your Mother, tivemos uma fase do chamado “Outono do fim das relações”. Por isso o que Balzac nos traz neste livro é diferente e menos tratado, talvez porque não puxa tanto as emoções fortes: os episódios do durantes as relações.

 

“O Vício, o Cortesão, a Infelicidade e o Amor só conhecem o presente.”

 

Balzac, numa tirada cómica e realista, apresenta-nos neste pequeno ensaio a história do casal Adolphe e Caroline: o primeiro, que tentou (e conseguiu) chamar a atenção para o meio cultura parisiense, aparentando um futuro glorioso; a segunda, mulher citadina com um dote significativo, tenta manter a imagem em Paris do século XIX. O livro está essencialmente dividido em duas partes, cada uma focada em no homem e na mulher, mostrando as pequenas (pequenas, no universo da coisas e da História) situações do dia-a-dia que tornam as relações mais desafiantes e que se afastam daquilo que é aproveitado para exposição nos meios culturais: a administração do património da família (nos seus altos e baixo); as opções para a educação dos filhos e divergências entre progenitores; os relacionamento/amizades de família, bem como a imagem que transparece; a necessidade de tentar manter a chama da relação acesa, ponto esse sentido sobretudo por Caroline a partir de certo momento. E (quem nunca?) poderia deixar de parte o choque de personalidades, que alias não é exclusivo nas relações amorosas mais é grande parte da vida.

 

“As mulheres, que sabem sempre muito bem explicar as suas grandezas, deixam-nos as fraquezas para nós advinharmos”

 

“Um autêntico grande homem é sempre mais ou menos criança.”

Balzac não fez questão de construir aqui um casal perfeito nem uma história sensacionalista. A sensação que dá ao leitor, após as duas perspetivas, é a de que tanto Adolphe como Caroline são pessoas medíocres, e todas as temáticas do dia-a-dia das relações no grande esquema das coisas são algo que impacta a nossa vida, mas não é nada que fique como legado pessoal na humanidade.

 

“… num casal não existem misérias pequenas. Sim, aqui tudo se amplia pelo contacto continuo das sensações, dos desejos, das ideias.”

 

Fora isso é um livro divertido, sendo muitas vezes a narrativa interrompida com axiomas engraçados, o que demonstra o quão Balzac sentiu o amor e foi um homem romântico. Mas se é divertido, medíocre, confuso, aborrecido, conflituoso ou tonto, isso é porque as relações são mesmo assim. Admito, talvez por uma solidariedade de género que creio existir sempre (quem esquece as expressões inglesas “Sisterhood” ou “bros before hoes”?), que talvez tenha sentido um pouco mais de proximidade com Adolphe e que uma leitora provavelmente entenderá Caroline melhor que eu. Ainda assim, arrisco a escrever este sobre este livro, fazendo votos que a mensagem do mesmo não seja muito diferente daquilo que escrevi, sendo que o recomendo.

 

“Esta pequena miséria tem por fim demonstrar que, em matéria de decepções pessoais, os dois sexos estão bem quites um para com o outro”


domingo, 2 de julho de 2023

Tudo o que sei sobre o Amor (2022), Dolly Alderton - Crítica (Ana Luísa Gonçalves)

 



Prólogo: Nada melhor para o regresso ao blog depois de 1 mês de pausa com uma nova pessoa que por própria iniciativa aceitou o convite que lhe tinha feito há uns meses de escrever aqui. A Ana (que carinhosamente chamo Dra. Ana em homenagem às formalidades altamente desnecessárias do meio jurídico) num artigo maravilhosamente escrito, veio trazer a esta página um conteúdo diferente. Algo que a nossa geração (nascidos nos anos 90) facilmente identifica, e algo que é mais vocacionado para as mulheres da minha geração, as tristezas e alegrias do amor que anda a passo com as chamadas dores de crescimento. É inegável o peso que a temática do amor já teve nesta página: não por acaso é um dos temas centrais dos livros que normalmente critico. Mas a Ana, com um novo livro e uma nova abordagem, dá-nos algo com que podemos aprender e compreender melhor o mundo. É com enorme gosto que publico aqui o artigo dela, na esperança de que ela não fique por aqui. Sem mais demoras, o artigo (Luís Araújo).


Após uma ida a uma conhecida livraria da nossa praça, em que nenhum livro parecia chamar muito por mim, acabei por sair de lá com 3 livros. Só mais um dia normal na vida de uma “livrólica”.

Um deles foi “Tudo o que sei sobre o amor” de Dolly Alderton, escolhido por ter gostado muito do seu único livro de ficção “Estás aí?”. Quer isto dizer que o livro sobre o qual vos escrevo é de não ficção.

No início da leitura, comecei por me identificar bastante com a autora, já que ela começa por nos descrever os dias passados no MSN Messenger. Todos aqueles que se aproximam dos 30 têm recordações desta plataforma de contacto e irão rever-se na escrita de Alderton sobre as estratégias utilizadas para, por exemplo, ser notada pela pessoa com quem queríamos falar. Esta identificação com a autora foi especialmente sentida com a frase “eu estou sempre metade na vida, metade numa versão fantástica dela que vivo na minha cabeça”.

Com o desenrolar da narrativa podemos acompanhar o desenvolvimento da vida amorosa da adolescente Dolly, com todas as aventuras que essa fase da vida pode proporcionar, mas é com a entrada na idade adulta que a autora vive as histórias mais épicas, perigosas e memoráveis, regadas a álcool, pontuadas por drogas e tendo sempre o objetivo de ter a experiência mais inacreditável possível para contar às suas amigas.

Estas histórias têm quase sempre um ponto em comum: um encontro com um homem, esteja ele a 300km ou a 10 minutos de carro, e têm finais tão diversificados como um pedido de casamento no aeroporto ou um convite para um ménage a trois. 

Ao longo do livro vamos tendo a perspetiva da autora sobre tudo o que sabe sobre o amor desde a adolescência até aos 30 anos, vários capítulos intitulados “Diários dos maus encontros”, outros denominados “As crónicas das festas foleiras”, e-mails-convite que ironizam eventos sociais tais como a despedida de solteira ou o baby shower e até receitas – gostei especialmente da “Sole Meunière para sedutoras” que termina com o seguinte parágrafo: “Servir acompanhado de uma salada verde ou com feijão verde e batata assada (não basta servir com um coração grande e aberto.)”, tudo intercalado, para evitar o aborrecimento do leitor – algo impossível com a escrita de Dolly, creio eu.

Mas desengane-se quem acha que este livro é apenas sobre amores e desamores com as pessoas por cujo género a autora se sente atraída. Este livro é uma ode à amizade com as mulheres com quem partilha a vida. Ao lê-lo entendemos que o verdadeiro amor na vida de Dolly é protagonizado pelas suas amigas, fiéis companheiras que a seguram e a quem ela segura. Juntas passam pelo período conturbado que é a vida em geral, apoiando-se sem reservas.

Neste livro encontramos também a reflexão da autora sobre a passagem inexorável do tempo, a juventude que vai e não volta. A autora partilha que gostava de voltar aos 21 anos com a sabedoria que tem perto dos 30 e acrescenta que a juventude é desperdiçada nos jovens. Concordo em certa medida. De facto, vivemos os nossos vintes sem saber exatamente como vivê-los. Estamos a aprender sobre nós, sobre o que nos rodeia, não sabemos ainda bem que caminho seguir. É o período da nossa vida em que temos mais vitalidade, e gastamo-la muitas vezes em dramas que, aposto, daqui a uns anos só nos farão rir. Mas é como sentimos que os devemos viver e respeitar-nos é, no fundo, o mais importante. 

Em suma, Alderton, numa partilha sincera, generosa e pautada por um sentido de humor acutilante, dá-nos a sua visão da vida numa obra que me permitiu estabelecer comparações, paralelismos, identificar-me, sorrir e comover-me, sem conseguir parar de a ler. 


terça-feira, 16 de maio de 2023

«E se amanhã, tu, não estiveres?» (2014) de Vítor Alves Morais – Crítica


 


“Engraçado, passamos toda a nossa vida a pensar única e exclusivamente no futuro, acabamos por não viver o presente porque estamos a pensar no futuro, e quando ele chega, tudo aquilo que nós planeamos não serve de nada, porque a realidade é sempre outra.”

 

Este blog tem cumprido o seu propósito: explorar coisas novas e experimentar conteúdo novo. Este artigo é mais um nesse sentido. Uma vez que vou experimentar algo novo, vou trazer um livro diferente dos que tenho trazido até agora – diferente no sentido de que pela primeira vez vou analisar um livro de um autor que conheço pessoalmente e tenho em boa consideração.

Mas antes de irmos para a crítica em si, quero partilhar duas coisas pessoais: a primeira, que contrariamente ao que tenho feito este ano, não critiquei todos os livros que li. Antes de ler o livro do Vítor, li o primeiro escrito publicado de Dostoievski “Gente Pobre”, publicado aos 25 anos do autor. É um livro simples e de leitura rápida, mas foi motivador e inspirador para mim, uma pessoa que é grande apreciadora da literatura de Dostoievski, por ter ganho a noção da sua estrondosa evolução, iniciada com o “Gente Pobre” e terminada numa verdadeira obra prima, “Os Irmãos Karamazov”, um dos melhores livros de sempre; a segunda coisa que queria partilhar é a que raramente leio o mesmo livro duas vezes, e só abri essa exceção para três livros: o primeiro, “O Crime do Padre Amaro” de Eça de Queiroz, que acho que para iniciação a Eça é mais acessível que “Os Maias”; o segundo, “Demónios” de Dostoievski, um verdadeiro caldo de filosofia e política, um livro avançado para época, quase como que em jeito de profecia sobre o que viria a acontecer à Rússia no século XX; e o terceiro, este livro que vou crítica agora: já o tinha lido há uns anos, mas senti que nesta fase da minha vida e dados recentes acontecimentos, consigo entender melhor a mensagem que o autor quis transmitir.

 

“A vida é irónica… É irónica, mas não madrasta, como alguns dizem… A vida é boa mãe… educa-nos…”

 

As temáticas do livro podem sumariamente reconduzir-se a quatro núcleos: o primeiro relacionado com o Alzheimer, a velhice e o sofrimento que isso implica não só ao doente como às pessoas que lhe são queridas; o segundo, relacionado com a morte (que infelizmente senti muito recentemente) e a efemeridade da vida que, apesar de ser um tema desconfortável de falar, cedo ou tarde todos somos chamados a enfrentar; e o terceiro, o amor sobre as suas mais diversas manifestações, o modo como nos aquece a alma em moldes equiparáveis aos que nos leva ao desespero e (quem nunca?) ao arrependimento, pelo o que se fez e pior ainda, pelo o que não se fez; e finalmente, a escrita, esta maravilhosa e libertadora atividade que é uma manifestação de conforto e liberdade que devemos preservar e incentivar!

 

“… nesta vida há muita coisa que fica por dizer, há muita discussão que fica por resolver, muito amor por demonstrar, muita amizade que termina sem qualquer motivo que realmente valha a pena, por isso, faz sempre a pergunta “E se amanhã, tu, não estiveres? Quando estiveres à frente de alguém que ames. Vais ver que será tudo muito mais fácil…”

 

É com todas estas temáticas que o Vítor nos constrói uma belíssima história, uma história iniciada nos anos 30 do século XX numa pequena aldeia raiana transmontana onde o narrador começa por descrever sinteticamente as terríveis condições de vida e enormes desigualdades sociais que não há muitas gerações era o presente de milhões de portugueses; a obra mostra também a efemeridade da riqueza e do património, não esquecendo os tremendos choques que a vida nos coloca que afetam indiscriminadamente todas as pessoas, independentemente da base patrimonial. No centro desta enorme ginástica literária, temos Marília, transmontana, adotada pela fidalga benfeitora Pilar Moreira de Albuquerque, amiga de Afonso (o seu médico e fiel vassalo, digamos assim), bem como a filha de Marília, Pilar Veiga.

É surpreendente as temáticas que o livro aborda: paralelamente ao já referido, os personagens da história progridem na história em tempos diferentes e lugar diferentes: de Trás-os-Montes, a Coimbra, de Sintra a Lisboa, dos anos 30 a 2014, ano que termina a história.

Analisando agora os aspetos formais, o narrador oscilar harmoniosamente entre vários personagens e vários momentos históricos, algo que para quem escreve não é de todo fácil, mas que o Vítor consegue fazer com qualidade. Ao longo do livro vemos também o uso típico de expressões correntes de determinados contextos e determinado “status” social, desde as típicas expressões transmontanas, até ao corrente uso de impropérios que todos nós usamos em determinados contextos e determinados momentos. Este livro, em função da sua natureza, dimensão e multiplicidade de temáticas que aborda, naturalmente que não consegue densificar todas elas com o nível que mereciam, mas na minha opinião isso acaba por abonar a seu favor por dois motivos: o primeiro, torna o livro num livro de leitura fácil e rápida; e o segundo, motivo pelo qual comecei este artigo a falar do primeiro livro de Dostoievski, mostra o tremendo potencial que o Vítor tem e pode ainda vir a alcançar no meio literário, o que me deixa muito curioso sobre futuros livros que ele venha a publicar e de ver a minha geração conseguir alcançar o seu espaço neste mundo das letras.´

Por todos estes motivos, recomendo vivamente a leitura do livro, sendo que vou ficar atento à carreira do Vítor, desejando que ele não abdique do talento que tem.

“O que há de bom no futuro é o mistério. É a incerteza. O passado já nós o sabemos, já nós o vivemos, por isso, pouco tem de interessante.”

terça-feira, 25 de abril de 2023

1984, George Orwell (1949) – Crítica

 



“Nada existe senão através da consciência humana.”


Quero começar este artigo com uma partilha pessoal do ano letivo 2012/2013: estava eu no 12º ano no curso de Línguas e Humanidades, e desse ano houve dois professores e duas disciplinas que me marcaram: a primeira, sem surpresas, História A, que naquele ano focava o estudo da história entre a Primeira Guerra Mundial e a atualidade, e foi naquelas aulas que ouvi falar de Orwell e do livro que vou analisar neste artigo (e que só 10 anos depois li...), mencionado a propósito do estudos dos totalitarismos e dos estados totalitários do século XX; a segunda, Geografia C, que ao contrário da Geografia de 10º e 11º que foca atenção (quase) exclusivamente a Portugal,  trata da Geografia Humana à escala global na atualidade. Nesse ano, a avaliação de Geografia C era com base num teste e num trabalho e dado o programa e os meus interesses, as temáticas que mais gostei foram o Terceiro Mundo, os conflitos regionais e a geopolítica – aquilo a que chamo a “ação”, o verdadeiro campo de batalha do futuro da humanidade. Fiquei por isso aborrecido quando o tema do trabalho que me calhou no 3º Período foi “A Circulação Global da Informação”, que à época não me era tão apelativo e por isso tive uma nota um pouco mais baixa em comparação com os outros trabalhos. O professor até estranhou e disse que “não estava nos meus dias”.


“A guerra é uma forma de destroçar, ou lançar para a estratosfera, ou afundar nas profundezas do mar, materiais que de outro modo poderiam ser usados para tornar as massas demasiado confortáveis e, por conseguinte, a longo prazo, demasiado inteligentes.”


Hoje penso o mundo de forma diferente, e dou muito mais relevância ao tema da circulação da informação. Claro, os conflitos regionais continuam a interessar-me: basta ver o histórico de artigos deste blog onde já falei da Guiné-Conacri e sobretudo do Congo, sendo que estes dias estou também a acompanhar com preocupação à escalada de violência em Cartum no Sudão. Mas, tentando fazer justiça ao que não fiz em 2013, convido o leitor a acompanhar-me nesta crítica ao 1984, em que quero no focar na circulação, uso e tratamento da informação, bem como a sua relevância para o futuro da humanidade.


“o assustador era que tudo aquilo pudesse ser verdade. Se o Partido fosse capaz de intrometer a mão no passado e dizer tal nunca aconteceu a respeito deste ou daquele acontecimento, não seria isso mais aterrador do que a tortura e a morte?”


1984 é um livro assustador. Cada vez mais atual, retrata o percurso do ficcional Winston Smith numa sociedade em que contrariamente às aspirações positivistas e ideológicas do séc XIX e inícios de séc XX, não se criou uma sociedade perfeita mas sim uma ditadura perfeita: retrata uma sociedade que controla o indivíduo desde uma perspetiva externa (ação) até à componente interna (espírito); uma sociedade que perpétua as desigualdades sociais, promovendo o distanciamento entre a classe governante e a maioria da população; uma sociedade que altera o passado e a sua história conforme as conveniências do presente; uma sociedade que pretende criar uma nova língua de modo a moldar (mais ainda) o modo de pensar dos cidadãos; e, em última instância, uma sociedade que se não assente na obediência cega, assenta no medo e no horror. Winston ao longo da narrativa e nas 3 partes que compõem o livro vai sentindo o peso de tudo isto, começando na primeira parte com uma sensação de desconforto, passando para uma segunda parte para uma sensação de desafio à ordem estabelecida e terminando na terceira parte numa situação de castigo e repressão no eufemisticamente denominado “Ministério do Amor”. Por toda a parte a ação é acompanhada pela misteriosa figura do Big Brother, o Grande Irmão, ao qual ninguém escapa ao olhar atento.


“Sabemos que ninguém toma o poder com a intenção de abdicar dele. O poder não é um meio, é um fim. Não se institui uma ditadura para salvaguardar uma revolução; faz-se a revolução para instituir a ditadura. O objetivo da perseguição é perseguir. O objetivo da tortura é torturar. O objetivo do poder é ter poder.”


Nos romances que mais leio e trago ao blog, utilizo o passado como modo de entender o presente ou o passado mais recente, daí o meu particular gosto pela literatura do séc. XIX. Nesta distopia de Orwell, escrita em pleno século XX sinto que a cada ano que passa o livro vai ficando mais atual. Basta fazermos esta simples reflexão: as bases de dados informáticas sabem mais sobre nós do que a nossa família. Hoje não é concebível uma sociedade sem o acesso à Internet e, apesar de não acreditar numa figura central do Big Brother a olhar sobre nós, será que a nossa sociedade não está a passos largos a concretizar as profecias de Orwell? No trabalho que falei supra de Geografia C, abordei a temática das assimetrias regionais no acesso à informação – agora vou um pouco mais além, deixando um conjunto de perguntas: como estamos a tratar a informação? Será que temos dificuldades em aceitar a nossa história? Não temos a tentação de descrever os acontecimentos de forma que mais nos convém, mesmo que o resultado seja um todo absolutamente incoerente? E o que dizem ainda da alteração da língua?


“A invenção da imprensa, contudo, facilitou a manipulação da opinião pública, tendo o cinema e a rádio aprofundado esse processo. Com o advento da televisão e do avanço técnico que permitiu receber e transmitir em simultâneo e no mesmo aparelho, a vida privada chegou ao fim.”


Muitas vezes nós olhamos para filmes, séries e conteúdo, e sem recuar muito tempo, dizemos “Se fosse hoje, isto não seria feito”. E derivado do modo de ver a sociedade, entendo porque algumas pessoas têm receio e recusam o meu convite para participar neste blog. Dar a opinião é muitas vezes uma forte demonstração de coragem, mas é acima de tudo algo que nos deve ser muito querido e que devemos estimular, que é a nossa demonstração de liberdade! Por isso publico este artigo neste simbólico dia da História de Portugal para que esta pequena comunidade de leitores leve ao fim do dia algo para refletir.


Termino este artigo com uma saudação particular ao Honroso e Distinto Caaaaarliiinhos que gentilmente me emprestou esta magnífico livro que recomendo a leitura.


sexta-feira, 21 de abril de 2023

Boas métricas criam bons ambientes (Marco Garcia)

 



Prólogo: George Orwell na sua obra-prima “1984” oportunamente escreveu que quem controla o passado, controla o futuro e quem controla o presente, controla o passado. Cada vez mais vemos isso na nossa sociedade em vários campos sendo que as métricas e os números são por excelências um dos principais instrumentos de controlo da informação. Sabemos por isso o que implica controlar a informação, mas o que significa na prática o controlo de certo tipo de informação num determinado contexto? O novo artigo do Marco procura responder a essa questão, com a sua visão de gestor, para o campo profissional e pessoal. Sem mais demoras, novo artigo do Marco. (Luís Araújo).

  Os números são importantes, e boas métricas criam bons ambientes, mas querer avaliar comportamentos ou desempenhos humanos com base em números não só é desastroso e ineficiente, como também é imoral, e é precisamente para esse facto que eu quero chamar a vossa atenção. O Dr Spitzer refere que “as pessoas odeiam ser avaliadas porque normalmente as avaliações são usadas contra elas, mas as métricas são importantes, porque aquilo que tu medes, é aquilo que tu obténs”. Todas as organizações são baseadas em métricas, mas têm de perceber que se medirem as coisas erradas, vão obter as coisas erradas. Primeiro temos de perceber o que significa envolvimento, porquê que mais de 69% das pessoas empregadas não se envolvem no seu trabalho, e cerca de 80% dos colaboradores acreditam que trabalham para uma instituição que não cuida deles. Um dos motivos, tem a ver com o sistema de medição. Eu tenho de entender como funciona esse sistema, tenho de pensar no que vou medir, e se isso é correto medir. 
O fundamental é colocar as pessoas a fazer as perguntas certas acerca das medições. Existe uma coisa que temos de entender sempre que falamos em medições, eu posso provar aquilo que eu quiser, utilizando dados, basta apenas selecionar os dados que provam aquilo que eu quero, e isso é feito por quase todas as organizações. Funciona como um truque de magia, onde o mágico desvia a tua atenção para o que ele quer que tu vejas, e é precisamente isso que se passa hoje em dia nas nossas organizações: os gestores só te mostram os números que eles querem que tu vejas, daí ser tão difícil investir nas organizações hoje em dia, tu não consegues confiar nos números, porque, por detrás desses números estão pessoas, pessoas que tu não conheces, não conheces as suas crenças, o seu propósito de vida, o seu estilo de vida, os seus valores, os seus hábitos e costumes, e que são responsáveis por apresentarem esses números, tu só sabes o que elas querem que tu saibas, que é muito pouco, não sabes o suficiente para confiares nelas, e todos nós já percebemos que esses números tentam criar uma ilusão, que é precisamente o que se passa com os números de magia, tu não consegues entender como  eles o fazem, mas acreditas no que vês. O papel do mágico é ludibriar o público criando uma ilusão, assim como o papel do gestor, é compor os números de forma que pareça tudo bem. Com esta mentalidade de curto prazo, manipulando os números e as medições, é impossível confiar nesses números, é impossível investir nas empresas e nas organizações a longo prazo, 30, 40 anos ou mais.

Agora, existem 4 pontos chave que fazem as medições, e que fazem a gestão serem bem-sucedidas. O primeiro é o foco: tu tens de te focar naquilo que é correto, e existem tantas coisas corretas nas quais te podes focar, a chave é fazer as perguntas certas. Eu tenho de perguntar o que é mais importante para a minha eficácia na organização. A segunda coisa é a integração: todas as organizações são uma combinação de muitas partes diferentes, e portanto, temos de ter a certeza que estamos a focar-nos naquilo que é correto, e saber se essas coisas estão integradas, e interligadas. Uma das coisas que deves ter em consideração é que uma organização é composta por 20 ou 30 funções diferentes, e cada uma dessas funções tem as suas próprias métricas, e na maioria das organizações, essas métricas não estão relacionadas entre si, e isso é errado, isso é anti sistémico. Não existe integração do sistema de medição, e isso causa muitos problemas. A terceira é a interatividade, ou seja, como é que transformas os dados em informação. Porque o que tu obténs são números, e de seguida tens de dar significado a esses números, e podes colocá-los num gráfico para obteres informação, mas mesmo a informação não é suficiente, tens de transformar essa informação em conhecimento, e esse conhecimento em entendimento, até conseguires relacionar todos esses conceitos de forma a obteres sabedoria no longo prazo. Temos de entender que toda a informação, se for mal utilizada, transforma-se em desinformação, e temos de ter muito cuidado com isso. O nosso problema atualmente é que estamos fixados em obter dados e informação sem contexto, ou fora de contexto. E o quarto fator é o contexto: se não quisermos saber a verdade, e se não gostamos das métricas, então vamos tentar manipular essas métricas a nosso favor. Todos nós já fomos vítimas das avaliações de desempenho (desde a escola ao mercado de trabalho), e essa informação pode ser muito útil, mas normalmente é utilizada contra as pessoas. As avaliações de desempenho normalmente têm mais a ver com a personalidade da pessoa que faz a avaliação, do que com o próprio avaliado. Existe uma grande diferença entre métrica e avaliação. A palavra avaliação significa colocar um valor em alguém ou algo, então o que normalmente se faz é julgar o valor das pessoas: isso é errado, é anti-ético! Mas por detrás desses julgamentos de valor, não existem boas métricas, por isso, se olharem para as métricas que estão na base desses julgamentos, não são corretas, não o podem ser, porque estão a medir o que é errado, e quanto mais corretamente eu medir o que é errado, mais errado vou ficando. O genocídio é uma coisa errada de se fazer, mas eu posso fazê-lo muito corretamente, por isso, é preferível errar a fazer o que é correto, do que fazer corretamente o que é errado, a primeira tem a ver com valores, e a segunda com resultados. As avaliações de desempenho estão a avaliar resultados individuais de pessoas, e isso é errado, porque ninguém trabalha de forma individual, o teu trabalho depende do trabalho de outras pessoas, depende da forma como elas colaboram e se relacionam, depende da forma como todo o sistema está desenhado e interligado, o teu desempenho está dependente do sistema, e do ambiente onde trabalhas, tu não trabalhas num vácuo. O que eu quero que compreendam é que as avaliações podem ser bem vistas, desde que tenham por base boas métricas, e que estejam a avaliar processos e procedimentos, e não pessoas, com base em resultados individuais, portanto, temos de nos focar é nessas métricas que avaliam os processos e procedimentos de forma a melhorá-los e torná-los mais eficazes. 

Agora, existem dois tipos de métricas: uma é a tradicional, que avalia as pessoas individualmente e é composta normalmente por monitorar, reportar, controlar, justificar, julgar, promover, castigar e recompensar, e é normalmente para isso que utilizamos as métricas. Essa é uma das razões pelas quais as métricas recebem uma conotação tão negativa junto das pessoas, é por isso que as pessoas são tão defensivas acerca das métricas. No entanto existe um outro tipo de métrica que o Dr Spitzer chama de métricas positivas, que avalia os procedimentos e os processos, ajudando na criação de valor, e utiliza as avaliações para aumentar a visibilidade, a curiosidade,  para melhorar a comunicação e interligação entre as várias partes, para melhorar o feedback, para promover entendimento, para nos ajudar a prever o futuro, para aprendermos, para melhorarmos os processos, para  termos alegria e orgulho naquilo que fazemos, e encontrarmos satisfação no trabalho, de forma a promovermos uma prestação de contas positiva. Este modelo avalia os bons procedimentos e aqueles que podiam ser melhores, não avalia pessoas, nem julga pessoas. Infelizmente hoje em dia quase nenhuma organização utiliza este tipo de métricas, mas sim o modelo tradicional de medição. Portanto, o foco, a integração, a interatividade, e o contexto, são essenciais. 
O contexto das medições precisa ser positivo se as pessoas o vão usar corretamente e aprender com ele, porque o propósito das métricas deveria ser aprender e melhorar, não deveria ser monitorar e controlar pessoas. Temos  de confiar nas nossas pessoas, se não confiarmos nas nossas pessoas, aquelas que contratámos, segundo os nossos critérios, não confiamos em ninguém, e quem não confia, não é digno de confiança, e as pessoas que estão a ser monitoradas e controladas sentem que não confiam nelas, e sentem que não podem confiar nas pessoas que as controlam, porque têm algo que se chama, sentimentos e emoções, e como diz o povo “quem não se sente, não é filho de boa gente”. Aqueles que aceitam todo o tipo de faltas de respeito, abusos, e agressões psicológicas, e compactuam com os agressores, estão a contribuir para o aumento do cinismo e hipocrisia no local de trabalho, e o resultado é teres um conjunto de pessoas a trabalharem juntas, completamente alienadas, centradas nelas próprias, oportunistas, que só colaboram por interesse, que não confiam umas nas outras, a digladiarem-se diariamente como se estivessem numa arena, a trabalharem num ambiente altamente tóxico, desfuncional, regulamentado, monitorado e controlado, com os gestores de topo a apoiarem, a participarem, e a apreciarem de camarote este espetáculo decadente , como se tratasse de “business as usual”. É neste tipo de ambiente que queremos colocar os nossos filhos e filhas queridas? É neste tipo de ambiente que queremos que a nossa querida Mãe e o nosso querido Pai trabalhem? É neste tipo de ambiente que queremos que a nossa querida Avó e o nosso querido Avô trabalhem? É neste tipo de ambiente que queremos que todas as nossas pessoas queridas que nós amamos trabalhem? 

O problema é que as pessoas não sabem aquilo que querem, e durante todos estes anos têm sido motivadas pelo medo, pelo dinheiro e posição, a preocupação é o ter, e parecer bem, se soubessem o que queriam, uniam-se em torno de uma ideia mobilizadora, e não permitiam estes atentados à humanidade, que afetam todas as nossas pessoas queridas, as pessoas que nós amamos, as pessoas que nos amam incondicionalmente. A organização são todas as pessoas, independentemente do seu título ou cargo. A organização não é o CEO. O “ser” é mais importante que o “ter”. Temos de nos preparar para o legado que vamos deixar às gerações futuras. Foi este sentimento que mobilizou os nossos antepassados, e é com este sentimento que temos de continuar a trabalhar todos os dias para nos tornarmos pessoas melhores, fazendo o que é correto, ajudando a criar uma sociedade baseada em valores, e não em resultados.  

Acima falávamos de envolvimento dos colaboradores, e que o modelo tradicional de medição está a tentar fazer, é  criar o envolvimento dos colaboradores num contexto negativo, portanto, nós damos às pessoas alguns  benefícios, mas fazemo-lo num contexto tão negativo, que muitas daquelas coisas que falámos, já fazem parte da cultura. Quando temos um ambiente de monitorização, controlo, reporte, recompensas e castigos intrigantes, até mesmo as recompensas são manipuladas na sua natureza mais básica: Por isso o que nós precisamos é de uma cultura onde as pessoas queiram aprender e melhorar, e se nós conseguirmos criar isso, seria muito positivo, não só para as organizações, mas para a sociedade em geral. A chave está em criar ambientes positivos nas organizações, e para que isso aconteça temos de aprender algo acerca das pessoas, saber como funciona a sua mente, porque, muito do trabalho que desempenhamos hoje em dia é mental. Uma das características fundamentais da nossa mente, são as nossas emoções e os nossos sentimentos, e só recentemente começámos a equacionar essa possibilidade. Todo o século XX foi ocupado com o estudo do raciocino, porque pensávamos que era isso que nos distinguia dos restantes seres vivos, e criámos  uma inteligência artificial com base no raciocínio, que de inteligente não tem nada, é pura manipulação de símbolos com base em regras algorítmicas e lógicas, porque, mais uma vez acreditámos e assumimos erradamente que já sabíamos tudo acerca da mente e que a função da mente era, pura manipulação de símbolos, mas hoje em dia, com o desenvolvimento da  neurociência, da epigenética, da psiconeuroimunologia, da neuroendocrinologia e da física quântica, já percebemos que isso não é verdade, e que a inteligência artificial, não é inteligente, mas é artificial, e se queremos entender algo acerca da inteligência humana, temos de entender os circuitos responsáveis pelas nossas emoções e sentimentos, temos de perceber como funciona o sistema nervoso central, e como ele se interliga e relaciona com o nosso corpo físico. Tudo isto contribui para a formação da nossa mente consciente.

Um dos primeiros grandes mestres a promover a cultura de melhoria e aprendizagem, ao invés da cultura do castigo e da recompensa, foi Jesus Cristo há mais de 2000 anos atrás. A única coisa que Jesus pretendia, era que os seus discípulos aprendessem e melhorassem para se tornarem pessoas melhores. A Bíblia fala de recompensa e castigo logo no início, com Adão e Eva, mas Jesus veio revolucionar este conceito, e ao invés de criar uma cultura baseada no castigo e na recompensa, ele criou uma cultura baseada na melhoria, no desenvolvimento, e na aprendizagem. Em vez de coisas como, o empregado do mês, deveríamos ter algo como, “as ideias do mês ou as boas ações do mês, as boas atitudes do mês”, baseadas em valores, e não em números. As pessoas devem ser celebradas pelas suas boas ações, não devem ser castigadas pelos números, os números têm de ser o resultado dos valores, não podem ser construídos á custa dos valores. Outro problema, é que os nossos gestores ficam satisfeitos  com números baixos, muito baixos, e as nossas empresas, as nossas organizações não conseguem ganhar escala, nem dimensão internacional, não conseguem competir com as maiores e melhores do mundo, e não é a cortar custos, nem a trabalhar mais horas ou mais rápido que isso se consegue, isso é o que temos feito nos últimos 20 anos, e não tem resultado, isso só se consegue redesenhando todo o sistema, de forma a  trabalharmos de forma mais eficaz, fazendo aquilo que é correto, e para fazermos o que é correto, temos de perceber algo acerca das pessoas. Ao contrário do que muitos pensam, nós não somos um país pequeno, e se efetivamente queremos tirar o melhor rendimento das pessoas, temos de fazer mudanças estruturais, e temos de começar a olhar para aquilo que as pessoas têm de bom, não para o que têm de mau, temos de saber algo acerca das pessoas, algo acerca dos seus valores, das suas crenças, dos seus sentimentos e emoções, e uma das coisas que precisamos saber, é aquilo que as motiva. “O reino de Deus está dentro de ti - Lucas (17:21) citado por Lev Tolstoi.