segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Colorful, (2010) – crítica

 

 



 

Já tenho feito aqui e ali no blog críticas a filmes, o que não é de todo o meu forte. Revi este filme muito recentemente, e ao início partilhei num grupo de Whatsup uma crítica escrita em inglês sobre o Colorful, em substituição de um hipotético artigo meu. Mas após refletir e rever de novo este magnifico filme, as ideias vieram, e como aspirante a escritor que sou, em momentos como este é sempre boa política pegar no lápis ou no computador e escrever o que nos ocorre.

Começo por dizer que a animação japonesa é atirada para um certo “gueto”, muitas vezes injustamente. Houve uma fase da minha vida que consumia imenso, pois tem gêneros e conteúdo para todas as idades, desde as famosas histórias de heróis e sobrenatural até aos chamados “slice of life”, que é a categoria onde Colorful se integra.

 

O filme é focado no adolescente Kobayashi Makoto, que tentou suicidar-se com uma overdose de comprimidos. O primeiro impacto do filme é marcante, quando observamos a cama do hospital ao ver o jovem Makoto acamado, os pais desolados a pensar que perderam o filho, e o irmão mais velho, virado para a parede a dar lhe um soco. Makoto, a quem é dada uma segunda chance na vida, sobrevive e aos poucos vamos aprendendo com o adolescente o contexto da sua vida – ao inicio, retrata uma família feliz, uma casa confortável, uma mãe atenciosa, um pai de bom coração e o irmão academicamente evoluído, mas pouco a pouco vamos acompanhando o que se passou: o pai ausente, focado em demasia o trabalho, a mãe que Makoto viu a trair o pai com o instrutor de flamengo e o irmão mais velho a quem Makoto parece-lhe indiferente, não fazendo esforço de criar relação com ele.

O filme torna-se neste momento pesado: descobrimos que Makoto não tem amigos, é vítima de bullying na escola, tem dificuldades nas aulas e o seu único e grande talento é para o desenho. Neste ponto é interessante constatar a visão de adolescente e a sua relação com a saúde mental: Makoto, como é característico dos adolescentes (e de muitos adultos) tem uma visão estrita e altamente moralista do mundo, e as premissas que se apresentam na sua vida são desoladoras, e aos poucos começamos a sentir o desconforto que Makoto sente consigo mesmo; ao mesmo tempo, sentimos o desconforto que Makoto causa à sua família, cujos esforços de criar uma nova relação com ele parecem ser sempre boicotados pelo adolescente intransigente, chegando até a sentir pena da família, particularmente da mãe.

À medida que o filme vai avançando, a seu ritmo vamos tendo novas cenas da vida escolar e familiar de Makoto que lhe vão possibilitar um enorme crescimento pessoal. Duas cenas são particularmente marcantes: a cena do jantar, onde o irmão se revela uma pessoa extremamente preocupada com Makoto e disposta a fazer sacrifícios pessoais em prol da felicidade do jovem adolescente; e a cena no clube de arte, que mostra uma redenção de Makoto, tanto perante a jovem que tem um fraquinho como pela colega de turma esquisita que o admira ao longe. Este é um ponto que quero dedicar atenção em particular. Como Makoto bem descreve, as pessoas não são de uma só cor, somos compostos por várias tonalidades e não há nada de errado com isso. Isso é uma bonita lição, mas como tudo na vida, ao admitir isso temos de chegar ao passo seguinte e admitir que as pessoas e a realidade não se reconduzem a uma ou poucas premissas. A família de Makoto, os colegas de escola, o amigo que, entretanto, o jovem conseguiu fazer, tudo isto vão ser decisivos para o desfecho final do filme. Mas mais que isso, nós não sabemos o impacto que temos nas outras pessoas, não necessariamente nas pessoas da família e de amigos próximos, mas de pessoas que conhecemos por alto ou só de vista, ou até só das redes sociais. Makoto aprende que toda a sua vida foi alvo de admiração, pela forma como lidou com o bullying mantendo a postura, pela família que se preocupa com ele e quer o seu bem apesar dos seus erros, pela jovem sobre a qual tem um fraquinho. Nós muitas vezes pelo que dizemos, fazemos, transpomos ou somos, transmitimos uma mensagem à sociedade, que por vezes é mais profunda e impactante do que pensamos. Mas ao mesmo tempo, e começo por falar por mim, temos dificuldades tremendas na comunicação. Esse aliás é um dos motivos pelos quais criei este blog. Comunicar é um ato complicado e complexo. É mais fácil dito que feito, e Makoto sente isso, até finalmente conseguir na cena do jantar que falei acima falar claro à família e deixar a mensagem que lhe vai servir de força para avançar com a sua vida. Será que nós conseguimos transmitir sempre a mensagem que pretendemos? Aos nossos pais, avós, irmãos, familiares, amigos, colegas de trabalho, chefias? Provavelmente não, exatamente porque cada pessoa tem uma tonalidade diferente e temos dificuldades em compreender uns aos outros. Por esse motivo tinha de falar do filme no blog.



Deixando de parte os aspetos formais da realização, para os quais outros blogs estão melhor habilitados que eu para discutir, o filme tem uma mensagem forte, sendo um filme focado na visão de adolescente que é uma fase da vida difícil, na qual os problemas de adulto começam aos poucos a surgir (para uns mais depressa que para outros), embora seja um filme que mais facilmente um adulto entende a mensagem. No início deste artigo disse que revi o filme há pouco tempo. É verdade. A primeira vez que o vi foi há uns anos, e tal como disse no artigo da Cartuxa de Parma, na altura não senti a mensagem de Colorful como senti agora. Na altura que vi, achei até um filme desconfortável e em larga medida desagradável. Hoje penso o oposto. Por tocar em temas tão essenciais para a nossa sociedade, desde a saúde mental, a comunicação com os outros, a aceitação do próximo, o crescimento pessoal, são tudo coisas que atingem todas as idades. Por isso não posso deixar de recomendar o filme.

 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Corporate Governance, a mão invisível ! (Marco Garcia)

 



Prólogo: Recentemente, no contexto do Mundial de futebol no Qatar um canal no Youtube lançou uma pequena série de documentários sobre aquela que foi uma das mais polémicas competições desportivas de sempre. Para a compreender, era necessário entender a nova ordem económica internacional que se começou a formar a partir dos anos 70 e sobretudo 80, criando um mundo económico com novas regras. Só muito recentemente a OMC e outras entidades transnacionais tem introduzido temáticas na gestão como a sustentabilidade, o bem estar social e o ambiente: sinais esses ousados para uns e demasiado tímidos para outros, em todo o caso são sinais que se impõe um repensar da realidade económica. Neste contexto, em boa hora o Marco regressa ao blog num artigo que apesar da sua maioria ser desanimador e triste, termina simbolicamente com uma mensagem de esperança. Esperança, aliás, foi o que sempre moveu a humanidade. Sem mais demoras, o artigo (Luís Araújo)

 

 

A supremacia do acionista, foi uma ideia introduzida na literatura económica nos anos 70 pelo prémio Nobel da Economia Milton Friedman. Friedman escreveu um artigo a dizer que a responsabilidade social de uma companhia é maximizar o lucro e que o objetivo de uma companhia era o benefício para o acionista, não os benefícios sociais, e ele inclusive foi mais longe, afirmando que se as companhias gastassem dinheiro em coisas sociais isso seria uma má utilização dos recursos das companhias. A partir daí, algumas pessoas, levaram isto muito a sério. Nas Universidades Norte Americanas nos anos 70, costumava-se fazer uma pergunta aos seus alunos, que era tipo um dilema: Quem é que vinha primeiro? Os empregados, os clientes ou os acionistas? A resposta esperada era “os acionistas”, e isto também era ensinado nas escolas de Direito, muitos professores de Direito das empresas pregavam que os acionistas deviam ser a única preocupação dos CEOs. Friedman alegava que os acionistas eram donos das corporações, e desde os anos 80 que esta ideia criou raízes na mente das pessoas, quase todas as pessoas do meio académico em todo o mundo, acreditavam nisto, e esta tem sido a visão dominante do mundo corporativo ocidental até aos dias de hoje, e quando me refiro a empresas, refiro-me a grandes empresas, seguradoras, bancos, empresas de comunicação, transformação, automação, empresas públicas, entre outras. Todas as grandes empresas de todos os setores de atividade nos últimos 20-30 anos andaram a enganar-nos. Eu não quero dizer que elas nos tenham enganado por pagarem aos CEO’s, 20, 60 vezes ou 351 vezes mais do que o trabalhador normal, não é isso que está aqui em causa, o que está aqui em causa é o próprio sistema, é a cultura que foi instituída. As pessoas que criaram esse sistema têm estado alinhadas com uma determinada ideia, uma ideologia, que tem funcionado como uma espécie de mantra, é quase como uma religião. A ideia de que os acionistas são donos das empresas e que o único propósito de uma companhia é maximizar o lucro para o acionista ou associado. Contudo, se entendermos o que é uma ação de uma empresa, percebemos que essa ideia está errada. O que é uma ação? Uma ação é um contrato entre o acionista e a corporação que dá aos acionistas direitos muito limitados, assim como os obrigacionistas tem um contrato com a corporação que lhes dá direitos muito limitados e assim como os empregados tem um contrato com a corporação que lhes dá direitos muito limitados, portanto, do ponto de vista legal, o que o Milton Friedman alegava - “que os acionistas são donos das empresas”, está errado logo no início. Por incrível que pareça, esta ideia encontrou apoiantes em todos os setores da sociedade e tem sido pregada em todos os púlpitos do mundo ocidental nas últimas três décadas, esta ideia foi amplamente aceite e tem sido promovida por Professores Universitários, Jornalistas, Juristas, Constitucionalistas, Economistas, Gestores, Órgãos Governamentais e Judiciais. Esta noção tornou-se muito apelativa para os Economistas, porque deu-lhes uma forma simples de explicar o propósito de uma corporação, e também uma métrica para medir o desempenho de uma empresa. Se pensarem que os acionistas são os donos, ou como alguns economistas mais sofisticados lhe chamam de reclamantes residuais, então têm um objetivo corporativo muito fácil de medir. A ideia é que, enquanto tu maximizares o valor da ação da empresa, tu maximizas as contribuições sociais que a firma faz. Porque, todos, de acordo com a teoria económica, obtêm aquilo que está nos seus contratos, os obrigacionistas recebem os juros, os empregados recebem os seus salários, e os acionistas como donos devem ter todos os centavos de proveitos que sobrarem depois da firma pagar os custos fixos dos outros participantes, e se tu fores um economista dizes, isto é brilhante, tudo aquilo que temos de fazer em termos das melhores recomendações para gerirmos empresas é perceber o que é que podes fazer para aumentar o valor da ação, e temos um pequenos negócio para os consultores económicos e financeiros. Então os Economistas e os Consultores adoram esta ideia, até os Jornalistas de Negócios e Professores adoram esta ideia, porque tornam as empresas como entidades muito fáceis de entender. E podes explicá-la num parágrafo se fores um Jornalista, ou aos teus alunos se fores um Professor numa escola de negócios.

Agora, isto teve implicações graves  na sociedade, porque não são apenas os CEO’s e os Administradores que estavam alinhados com esta ideia: todas as chefias intermédias, todos os quadros de direção estavam alinhados com esta ideia, e os seus trabalhadores, se queriam subir na carreira tinham de fazer o que as chefias intermédias mandavam, daí a célebre frase, “quem pode manda e quem deve obedece”, e as pessoas começaram a ser tratadas como partes de um todo em que o todo tinha um propósito próprio, que era maximizar o valor do acionista, mas as sua partes não tinham propósito próprio, o propósito delas era servirem o propósito da corporação, e enquanto os trabalhadores eram pouco instruídos, isto resultou, agora, a partir do momento em que os trabalhadores começaram a ser mais instruídos, tudo mudou, porque, agora tu tinhas uma classe trabalhadora instruída, que investiu dinheiro, tempo e energia, para poderem levar uma vida digna e com sentido, e aquilo que encontraram quando entraram no mercado de trabalho foi, frases do tipo, “ tu não estás aqui para pensar, tu estás aqui para trabalhar e fazer o que eu te mando, porque eu é que sou o chefe, se não gostas, podes ir-te embora” ou melhor ainda “ não queres fazer o que eu te mando, não concordas comigo, então, amanhã escusas de vir trabalhar, porque nós não te queremos aqui, existem muitos lá fora a querer este trabalho” e quando queriam explicar algo, diziam frases do tipo “ olha, vou explicar-te como se fosses uma criança de 5 anos” , começaram a micro gerenciar os trabalhadores ao segundo, e o medo instalou-se, as pessoas começaram a ir para o trabalho motivadas pelo medo, medo de perder o emprego, medo de falar com o colega do lado, medo de serem elas próprias, porque, a partir do momento que decidiam ficar, sabiam que tinham de aguentar todo o tipo de hostilidades de colegas e chefias intermédias. Os americanos têm uma expressão engraçada para este tipo de pessoas, que bajulam os chefes e fazem tudo o que eles mandam, eles chamam-lhes “cães de colo” e existem também os chamados “cães de fila” estes, são aqueles que andam á procura dos erros dos colegas, para lhes apontar o dedo, e os entregarem às chefias intermédias, para que as chefias intermédias possam ter culpados para entregarem aos CEO’s de forma a justificarem os pobres resultados da sua gestão, e são estes que normalmente sobem na carreira, fazendo, aquilo que é errado. Antigamente as pessoas que entregavam os companheiros às autoridades, eram chamadas de traidores, e eram condenados por conduta imprópria para com o seu semelhante, mas neste sistema, essas mesmas pessoas são promovidas a cargos de chefia, e passaram a ser muito valorizados no mundo empresarial e a terem muito poder dentro das organizações, e depois as pessoas admiram-se pela fraca produtividade das empresas. Outra implicação importante que este tipo de ideologia teve, é que os trabalhadores passaram a ser vistos como funções, e não como seres humanos com propósito próprio, e a partir daí, a saúde dos trabalhadores, das famílias e da sociedade em geral começou a ir pelo cano.

 Agora, isto teve outra implicação, dado que o único propósito de um CEO e do seu conselho de administração é maximizar o lucro para os acionistas ou associados, o seu ordenado passou a estar ligado a esse lucro ou ao preço das ações, e passou a ter uma parte variável que está associada ao cumprimento de objetivos financeiros quantitativos e qualitativos, denominados objetivos de desempenho individuais, e foi daqui que apareceram os objetivos de desempenho individuais. O cumprimento destes objetivos permite a maximização do lucro para os acionistas ou associados da instituição. Mas, como é que isso se consegue? E a resposta é muito simples: aumentar proveitos e reduzir custos, qualquer aluno do ensino básico consegue dizer isto. Quais são os maiores custos que essas companhias têm? Exatamente, custos com o pessoal, agora, se tu fores administrador ou Presidente de uma grande empresa, em que o teu propósito é maximizar o lucro do acionista, de preferência no próximo trimestre, qual vai ser a tua melhor estratégia? Exato, cortar nos custos com o pessoal. Como:

- Reduzes os custos de todos os empregados em 40% (exceto dos executivos de topo);

- Eliminas as pré-reformas para todos os trabalhadores (exceto para os executivos de topo);

Como:

- Começas por despedir 25% da tua força de trabalho, substituindo-a por outsourcing ou nova tecnologia, IA, machine learning, automação. Cortas nos benefícios sociais, congelas as promoções, deixas de pagar horas extra. Aumentas a competição e o medo para que as pessoas trabalhem mais horas não pagas. Crias mais funções e tarefas para cada pessoa, e por cada pessoa que sai, entra uma nova a ganhar 1/3 da que saiu.

- Utilizas políticas de esmagamento de preços para com os teus fornecedores.

Isto foi apenas um exemplo, porque existem muitas técnicas de cortar custos com o pessoal, e esta questão dos objetivos individuais de desempenho, começou a ser utilizada também nos próprios trabalhadores, para aumentar a competição entre eles e aumentar ainda mais o medo. O facto dos CEO’s, terem objetivos de desempenho, e estes estarem ligados à maximização do lucro para o acionista ou associado, teve ainda uma outra implicação bem mais grave para a sociedade, é que em tempos difíceis, de forma a cumprirem o seu objetivo os CEO’s e Administradores vão sangrar os trabalhadores até ao tutano, e vão utilizar práticas menos próprias para atingirem os objetivos, como foi o caso da Volkswagen que mentiu e fez batota com as emissões de CO2. E têm sido este tipo de estratégias que os CEO’s das grandes empresas têm utilizado nos últimos 30 anos, tudo motivado pelo seu propósito de maximizar o valor do acionista. Agora, a pergunta que devem fazer é, como foi possível enganar as pessoas durante tanto tempo sem que elas se tenham revoltado?  Um dos fatores que contribuiu para isso foi o aumento de instrução, e o outro foi o endividamento das famílias. Porque, quando controlas aquilo que se ensina em todo o mundo, e quando hipotecas a vida das pessoas, passas a controlar a sociedade, os governos passam a ser um meio para exerceres esse controlo. Num mundo capitalista, quem controla o mundo é o capital, e as Universidades estão ao serviço do capital, não estão ao serviço das pessoas como muitos pensam. O negócio das Universidades não é o ensino, é o controlo, quanto mais pessoas instruídas tiveres neste sistema, maior é o controlo que tens sobre elas, e qualquer pessoa que tenha tirado um curso em finanças, direito ou economia au até mesmo um MBA, pode dizer-vos isso, eles até ensinam a manipular os números para as empresas pagarem menos impostos ao estado, eles explicam muito bem como é que deves sangrar uma empresa, e tudo isto é legal, porque são eles que controlam as leis, fazendo pressão sobre o poder político e judicial, sobre os reguladores, e as consequências destes atos já começaram a aparecer, agora, vocês conseguem perceber quais as implicações em termos sociais que esta ideia teve na sociedade e no mundo ocidental, porque, dado que as Universidades são Instituições Universais, aquilo que os seus professores ensinam, espalhasse pelo mundo, e a pergunta que se deve fazer aos jovens hoje em dia, não é se querem ir para a Universidade, ou qual a Universidade que pretendem frequentar. O que devem perguntar aos jovens, é o que querem aprender, e o que querem ser, que tipo de pessoas se querem tornar, e se aquilo que querem aprender, é correto, e se é ensinado nas Universidades, e em muitos casos não é. As Universidades fazem o que as grandes empresas precisam que elas façam, se o propósito das empresas é maximizar o lucro para o acionista, é isso que as Universidades vão ensinar, vão ensinar como é que se faz, vão dar-te conhecimento, mas não te vão explicar porquê que se faz como se faz, ou se existe uma outra forma de se fazer, ou seja, não te dão entendimento, porque no fundo, isto é tudo um grande negocio, os alunos que saem das Universidades são a matéria prima das grandes empresas, e as grandes empresas não querem ser questionadas acerca das decisões que tomam. As Universidades são instituições que estão ao serviço do mercado, e quem controlar o mercado, controla as Universidades, e por aí fora, se a isto juntares o aumento do endividamento das famílias, deixando-as completamente nas mãos das instituições financeiras, compreendes porque é que as pessoas não se revoltam, tudo está interligado. O problema é que os jovens não querem viver neste tipo de sociedade, porque, se as Universidades estiverem a ensinar aquilo que é errado, e muitas delas estão, então, estaríamos  todos bem melhor com CEO’s e Administradores e Diretores sem formação, e é por isso que eu digo que, como cidadãos fomos enganados, e só agora é que começámos a aperceber-nos disso, porque não queremos  que os nossos filhos passem por aquilo que nós não deveríamos ter passado, e nem eles querem passar por aquilo que nós passámos, agora, imigrar não é a solução, porque o mundo hoje em dia é global, e os problemas são globais. Outra implicação que esta ideologia teve na sociedade foi a questão do aumento do controlo, da regulação e da supervisão no mundo ocidental, porque, tiveram de criar um sistema que conseguisse lidar com os problemas gerados por esta ideologia, só que esse sistema tem criado mais problemas do que aqueles que tenta resolver, porque as pessoas estão falidas em todos os sentidos. Quando ouvimos falar que o País está falido, temos de entender que o país são as pessoas, o País não é uma figura abstrata, o País não é o Governo, o País somos nós. As empresas estão a gerar menos dinheiro, porque o seu propósito não levou em consideração a natureza sistémica de uma corporação, porque todos fazemos parte do mesmo sistema, e todas as partes desse sistema estão interligadas, portanto, se o principal foco dos CEOs é aumentar o lucro para o acionista, será que esse lucro tem crescido assim tanto, como era esperado?  Será que o retorno para o acionista ou associado justificou todas as atrocidades que foram feitas, pelos seus CEOs? Será que os acionistas e associados estão satisfeitos? Será que esses ganhos foram superiores aos da década de 50-80 onde utilizavam um propósito mais pró-social? E a resposta é um redondo não. O número de companhias na bolsa dos Estados Unidos caiu de 9000 no início dos anos 90 para 2 385, no início de 2023. A esperança de vida destas companhias decresceu ainda mais severamente. A média das empresas que constavam da Fortune 500, estava lá por 60 anos, à mais de umas décadas atrás. Hoje essa média é inferior a 15 anos. As companhias listadas na Fortune 500 diminuíram 88% desde a década de 80.

A bolsa de valores de Lisboa, entre 2000 e 2018 perdeu 91 empresas, na última década por cada entrada no mercado registavam-se 3 saídas, na última década a Bolsa viu sair 18 empresas e só entraram 6. Segundo a McKinsey “isto devesse à carência de saúde organizacional das empresas, à falta de capacidade de empenho dos funcionários, às mudanças proporcionadas pela tecnologia na comunicação com colaboradores e fornecedores, e no alinhamento dos gestores.”. As companhias estão a cortar no valor reinvestido. Costumavam reinvestir 40% ou mais dos seus proveitos, agora esse valor representa menos de 10%, mas o mais estranho é que maximizar o valor dos acionistas, não tem maximizado o valor dos acionistas, o retorno para os acionistas é relativamente menor do que era entre os anos 50 e 80, quando os CEOs tinham um propósito alinhado com todas as partes interessadas, e achavam que esse propósito era algo muito complexo, isto não tem sido apenas nos Estados Unidos mas em todo o mundo. O que é que está errado?

“O problema da filosofia de maximização de lucro do acionista, é que, é apenas uma ideologia, não é apoiado em factos, não é apoiado pela legislação comercial, e não é suportado pela economia empresarial, quando tu entendes o que as empresas realmente são. Já olhamos para algumas das evidências e já vimos como o abraçar do pensamento da maximização do lucro para o acionista, levou ao declínio do número de empresas, da esperança de vida das empresas, da reduzida inovação, da redução do investimento, e até da redução do retorno dos acionistas”, Agora, os CEO’s e Administradores estão muito confortáveis com esta situação porque, nunca em toda história da humanidade, os CEO’s  e Administradores foram tão bem remunerados, como têm sido nos últimos 30 anos. Até início dos anos 80 o conselho de administração tinha um ordenado que era superior ao da maioria dos trabalhadores mas não tinham prémios de desempenho, em alguns casos existiam vendedores que conseguiam ganhar mais do que o Administrador, o seu salário andava a par com o crescimento do salário dos outros trabalhadores e a par com o crescimento da empresa. O que assistimos a partir da década de 80 foi um aumento da remuneração dos CEO’s e Administradores em relação aos restantes trabalhadores, que era superior ao crescimento da empresa, ou seja, o salário dos trabalhadores estagnou e em alguns casos diminuiu, e a remuneração dos administradores continuou a crescer a um ritmo superior ao da própria empresa, principalmente nos últimos anos, portanto, os CEO’s estão muito confortáveis com a governança corporativa atual, e com a primazia do acionista, por outro lado, os trabalhadores, os clientes, os fornecedores, a comunidade, os acionistas, os associados , a sociedade em geral e o País têm sofrido com este propósito da  primazia do acionista ou associado, e isto tem afetado os ganhos de longo prazo das acionistas e associados das empresas, e tem afetado o crescimento da economia, da sociedade e do País, e se não forem criadas leis que ponham fim a esta escalada injustificada da remuneração dos acionistas, e que acabem definitivamente com as avaliações de desempenho individuais, que são práticas anti sistémicas, todas as partes interessadas vão continuar a sofrer, a sociedade vai continuar a sofrer, e o País vai continuar a sofrer, ficando a mercê de ativistas radicais.

Entre os anos 50 e 80, trabalhar numa grande empresa era sinónimo de sucesso profissional, era o sonho de muitos jovens quando saíam da Universidade, ou quando terminavam a escolaridade obrigatória. E este sonho tem vindo a desvanecer-se,  e muitos imigram para outros países na esperança de encontrarem uma empresa que sirva os seus propósitos, não só financeiros mas também sociais, acontece que se deparam com a mesma realidade, com a mesma mentalidade e muitos deles começam a perder a esperança, e deixam de acreditar que os negócios são uma força para fazer o bem no mundo, e que contribuem para a progresso social, contribuem para fazer aquilo que é correto, e não apenas para fazer as coisas corretamente. É preferível errar a fazer o que é correto do que fazer corretamente o que é errado, e nós como sociedade, nos últimos 30 anos, insistimos em fazer corretamente o que é errado. Se errares a fazer o que é correto e identificares o erro, podes corrigi-lo, e melhorar, agora, se fizeres corretamente o que é errado vais ficar cada vez mais errado.  Esta distinção é crítica para percebermos a diferença entre uma sociedade assente em valores e  uma sociedade assente em resultados, isto explica a diferença entre eficácia e eficiência, e como os CEO’s e Administradores não estavam a querer entender esta diferença, e continuavam muito confortáveis a fazerem o seu business as usual, ganhando rios de dinheiro, à custa de todas as partes interessadas, incluindo as três principais, empregados, clientes e comunidade, que são os principais investidores de longo prazo, em 2018 Larry Fink, Chairman e CEO da BlackRock, a maior empresa  de gestão de ativos do mundo, que gere mais de 9 triliões de dólares em ativos, decidiu enviar uma carta a todos os CEOs das empresas em que a BlackRock tinha ações, e introduziu a ideia de propósito. Qual  foi a lógica do Larry ? Ele tinha uma visão que o sentido de propósito teria longo prazo e se não pensassem no longo prazo, ficariam vulneráveis a ativistas, e por último, se não conseguissem fazer melhor não iriam ser suportados pelos acionistas chave, incluindo os cidadãos.” O senso de propósito é crítico para atingir o potencial máximo. Então Larry escreveu uma outra carta em 2019, e esta carta foi muito importante. Ele agarrou nesta ideia geral de propósito e empurrou-a para a frente, e tornou-a um pouco mais específica, e um pouco mais concreta. O propósito não é um slogan numa campanha de Marketing de uma empresa, é a razão fundamental para a sua existência. Porquê que nós existimos? O que é que nós fazemos para além de criarmos valor para os acionistas? Os lucros não são inconsistentes com o propósito, e isto é muito importante, os lucros e o propósito estão intrinsecamente ligados. Foi esta a carta do Larry”. No fundo, Larry fala sobre o capitalismo das partes interessadas, e ele disse o seguinte -

“ Se tens uma voz forte nas tuas três maiores partes interessadas, os teus clientes, os teus empregados, e a tua comunidade, as tuas últimas partes interessadas, os teus acionistas, recebem proveitos fortes, longos e duradouros, e isso prova que se olharem para as companhias que têm voz, companhias que tem um forte capitalismo das partes interessadas, como parte dos seus princípios, essas companhias tem um melhor desempenho, do que aquelas que estão silenciosas……os nossos empregados querem que nós tenhamos uma voz, os nossos empregados pedem-nos para nós termos uma voz……. Como eu disse no início, nós, como uma companhia de gestão de ativos, nós desempenhamos um papel muito importante no mundo, somos próximos daqueles que são os donos do capital, e das companhias das quais nós gerimos, e nós temos uma enorme responsabilidade real em gerir 9 triliões de dólares de dinheiro de outras pessoas, essa responsabilidades é enorme, quando gerimos dois terços dos nossos ativos que são ativos de reforma, nós temos de ser uma voz do longo prazo, nós não somos uma voz dos Tik Tok’s dos dias de hoje,  ou se os mercados sobem ou descem,…..isso é 90% da narrativa dos nossos canais de média hoje em dia, qualquer jornal só fala dos altos e baixos dos mercado... e isso atualmente é prejudicial na minha visão, para o aforrador que quer estar seguro, e ser um investidor de longo prazo. O que nós tentamos fazer, é sermos o melhor que podermos como uma parte interessada, para nos focarmos mais nas necessidades dos nossos clientes, nas necessidades dos nossos empregados, que se traduzem nas necessidades da comunidade.

A minha palavra do momento é esperança, eu acho que as pessoas têm de ter esperança e a esperança no mundo tem diminuído com o covid e com estas questões da guerra e da inflação e a quantidade de crianças a nascer no mundo tem diminuído. E portanto, eu quero mudar a narrativa, e quero dar esperança às pessoas. As pessoas têm de se sentir mais confortáveis, os padrões de vida têm de crescer, assim como os salários, e não estou a falar só da Europa ou da Europa de Leste, estou a falar do mundo, e existe menor esperança no mundo hoje em dia. Eu acredito que vamos ter menos liquidez no mercado nos próximos anos. A BlackRock está baseada na esperança, no longo prazo. Tu investes para a reforma porque esperas que o amanhã seja melhor do que é hoje. A invasão da Rússia à Ucrânia colocou um fim à globalização que nós temos vivido nas últimas três décadas. O acesso ao mercado de capitais é um privilégio e não um direito. E após a invasão da Rússia, nós vimos como o setor privado rapidamente terminou com negócios duradouros e relações de investimento.

Agora, tenham uma coisa em consideração, se querem efetivamente mudar o propósito das corporações, vão ter de mexer na legislação, elaborar leis novas, bem como novos regulamentos. Ou seja, vão ter de redesenhar todo o sistema.

Este discurso lança uma nova esperança nas mentes das novas gerações, mas compete-lhes a elas lutarem por um emprego digno e com sentido, com propósito, compete-lhe as elas fazerem aquilo que é correto.

Em 2019, 181 dos CEOs das maiores empresas como Jaimie Dimon CEO do JP Morgan Chase, o maior banco americano, Safra Catz CEO da Oracle, Alex Gorsky CEO da Johnson & Johnson, e tantos outros presidentes das maiores empresas mundiais, já se afastaram da ideia da primazia dos acionistas, e assinaram uma declaração que inclui o comprometimento para com todas as partes interessadas como sendo o  propósito de uma corporação, esses CEOs comprometeram-se a liderar as suas companhias para o benefício de todas as partes interessadas - clientes, empregados, fornecedores, comunidades e acionistas. Mas será que isso é suficiente, será que conseguem evitar o que está para vir? Esta é a grande questão, porque, chegou a altura de colherem o que andaram a semear nos últimos 30 anos.  

As pessoas não são a função que desempenham, as pessoas são seres humanos sociais, com propósito próprio, e os CEO’s das empresas têm de reconhecer e atender esse propósito, porque a atração de talentos não é apenas um slogan de propaganda para as camadas hierárquicas intermédias, para os cargos de Direção, todas as pessoas têm talento, ele só tem de ser reconhecido, valorizado e elogiado, e os CEO’s e Administradores têm de se esforçar por fazer aquilo que é correto e que proclamam, e devem começar por atender os propósitos de todas as partes interessadas, começando pelos seus trabalhadores. O lucro de uma empresa é o seu oxigénio, ele é necessário para a sua sobrevivência, mas não pode ser o seu propósito de vida, precisamos de oxigénio para viver, mas o nosso propósito de vida é algo bem mais complexo, é algo pelo qual nós lutamos todos os dias, sabendo que perseguimos um propósito digno de uma vida honrada e com sentido. Temos de começar a criar CEO’s e Administradores fortes, para os tempos difíceis que se avizinham, porque o negócio dos negócios são as pessoas, ontem, hoje e para sempre. Obrigado


quarta-feira, 13 de setembro de 2023

O Conde de Monte Cristo (1844), Alexandre Dumas – Crítica

 


“Há virtudes que se tornam crimes pelo exagero.”.

 

Começo este artigo em que volto ao blog com uma breve reflexão sobre a leitura: o prazer que acredito que seja comparável ao terminar de uma maratona, a adrenalina de virar as páginas, olhando para o que já se leu ao mesmo tempo a história nos agarra e estamos ansiosos por saber a seguir o que vai acontecer ao personagem que aprendemos a gostar. Ao mesmo tempo ao ler partilhamos as ideias do autor e confrontamos com as nossas. Umas vezes rimos, outras paramos para meditar, outras vezes abanamos a cabeça. Este é o grande prazer da leitura. 

Ao mesmo tempo, no início do ano coloquei o objetivo para me disciplinar de ler pelo menos um livro por mês: O Conde de Monte Cristo foi o meu 13º (em termos de sequência) livro lido em 2023, e, tal como o maratonista que chega ao fim depois de um longo caminho, também eu, se o leitor me permite, sinto orgulho de mim mesmo por este pequeno objetivo alcançado.

 

O Conde de Monte Cristo foi uma sugestão de um amigo meu depois de ter lido os Miseráveis de Victor Hugo. Sendo contos um pouco diferentes, creio que Dumas é um melhor contador de histórias que Victor Hugo, embora não tenha a sua profundidade. Como tal, Dumas e esta magnifica obra merecem um artigo neste blog.

 

Mas por onde começar? O Conde de Monte Cristo, um dos alter egos de Edmond Dantés, é uma história que mistura várias sensações: preso injustamente na sequência de uma conspiração mesquinha de pessoas próximas (o ciumento Fernand, o invejoso Danglars e o Villfort, o procurador oportunista), nas primeiras páginas agarra o leitor pela reação à tremenda injustiça que caiu sobre Dantés, que é apresentado como um homem humilde, de bom coração e trabalhador. Após a bem-sucedida fuga da prisão, Dantés vive um misto de emoções: descobre graças ao seu mentor uma fortuna incalculável, rapidamente assume a postura por um lado de filantropo mas por outro, e o que vai marcar a esmagadora maioria do livro, um forte desejo de vingança sobre os responsáveis dos seus longos anos de miséria.

“Não tenho medo de fantasmas, e nunca ouvi dizer que os mortos tenham feito assim tanto mal durante seis mil anos como os vivos são capazes de fazer num dia.”

 

A vingança é algo que quero destacar à parte: muitos de nós atualmente falamos na figura budista do Karma (pese embora não seja inteiramente aquilo que culturalmente no ocidente é percetível como tal), e de facto a sede de vingança é algo que muitas vezes nos afeta: nas séries, nos filmes, no animes, vibramos com histórias de vingança, sentimos prazer com isso, um pouco assumindo a pele de “justiceiro” que corrige as deficiências do mundo. Mas Dantés, depois de centenas de páginas marcada pela forte e absoluta ideia de vingança, em moldes surpreendentes, perante uma situação onde o dano causado a um dos responsáveis é manifestamente desproporcional ao que inicialmente tinha concebido, mostra uma nova evolução: começa com a personagem do homem simples e honesto, assume a perspetiva do homem culto, misterioso e demasiado apaixonado pela crueldade, até que termina o livro como um homem humano, mais equilibrado, que pretende fazer algo do presente e futuro, ao invés de se deixar consumir pelas emoções fortes do passado. Não por acaso que gosto de falar na História da Humanidade. Muitas vezes temos dificuldade em aceitar o que aconteceu. Mas falo também da nossa história de vida, o desafio de aceitar o nosso passado é por vezes difícil, mas fácil dito que feito, e esta é com este magnifico sabor literário que Dumas termina simbolicamente o livro.

“As feridas têm esta peculiaridade: podem estar escondidas, mas nunca cicatrizam, são sempre dolorosas, estão sempre prontas a sangrar quando tocadas, permanecendo abertas e vivas no coração.”

 

“Não  há felicidade nem infelicidade no mundo; há apenas a comparação de um estado com o outro, nada mais. Aquele que sentiu a dor mais profunda é quem melhor pode apreciar a suprema felicidade . . . toda a sabedoria humana se resume nestas palavras: Aguardar e ter esperança.”


O Conde de Monte Cristo é também uma obra marcada pelo sentido de humor do autor, desde subtis provocações entre conversas da alta sociedade até a pequenos fragmentos de enorme sabedoria popular. É também um livro em que sentimos que o autor já tinha a história pensada desde o início e que fecha muito bem todas as pontas soltas da história e que todos os personagens introduzidos tiveram o seu propósito para chegar a este final: seja com um misterioso falso príncipe italiano ou com a introdução de várias gerações diferentes de uma família, cada um deles cuidadosamente colocado no enredo.

“- Estou a ver; para os seus criados é «senhor», para os jornalistas é «senhor», enquanto os constituintes o chamam de «cidadão». Essas são distinções muito apropriadas para um governo constitucional. Compreendo perfeitamente.”

 

Por todos estes motivos, o Conde de Monte Cristo foi uma aposta certeira e uma obra que recomendo vivamente!