quarta-feira, 12 de julho de 2023

Pequenas misérias da vida conjugal, Balzac (1845) – Crítica

 



“Todos os casais têm o seu tribunal de cassação, que jamais se ocupa do fundo e apenas julga a forma.”

Depois do sucesso que o artigo da Ana fez, achei que seria uma boa oportunidade de voltar a escrever sobre algumas reflexões que o tema amor e relações têm tido neste blog. Quando tudo começou, em 2018, estava eu longe de imaginar que iria escrever sobre isto, mas o que é facto é que consciente e inconscientemente o tenho feito. Assim de cabeça, o primeiro artigo que foi nesse sentido foi este, um artigo que fiz menos publicidade que o habitual, e que não foi nada menos que uma declaração de amor a uma antiga leitora. Terminei esse artigo a recomendar uma anime que aprecio imenso, My Youth Romantic Comedy Is Wrong, as I Expected. Independentemente dos acontecimentos, não posso de forma alguma afirmar que me oponho à rescrição da História se vou fazer o mesmo no meu blog, por isso o artigo continua disponível. Após isso, tanto o Nossa Senhora de Paris como os Miseráveis, passando pelo livro do Vítor e até ao último artigo publicado pela Ana, o amor e as relações, de uma forma ou de outra, continuaram aqui no blog. E este livro, nesta hora dá me um ótimo contexto para reforçar a temática.

Normalmente o que associamos ao amor romântico no universo da cultura é os dois extremos temporais ou, se se preferir, os dois extremos sentimentais: vimos isso por exemplo (e agora até tem sido falado de novo devido ao acidente do submarino que infelizmente vitimou turistas), o filme do Titanic com os dois dias de intensa paixão; ou então, o amor é tratado como fase final de uma relação em declínio e destinada ao fracasso: por exemplo, na série do How I Meet Your Mother, tivemos uma fase do chamado “Outono do fim das relações”. Por isso o que Balzac nos traz neste livro é diferente e menos tratado, talvez porque não puxa tanto as emoções fortes: os episódios do durantes as relações.

 

“O Vício, o Cortesão, a Infelicidade e o Amor só conhecem o presente.”

 

Balzac, numa tirada cómica e realista, apresenta-nos neste pequeno ensaio a história do casal Adolphe e Caroline: o primeiro, que tentou (e conseguiu) chamar a atenção para o meio cultura parisiense, aparentando um futuro glorioso; a segunda, mulher citadina com um dote significativo, tenta manter a imagem em Paris do século XIX. O livro está essencialmente dividido em duas partes, cada uma focada em no homem e na mulher, mostrando as pequenas (pequenas, no universo da coisas e da História) situações do dia-a-dia que tornam as relações mais desafiantes e que se afastam daquilo que é aproveitado para exposição nos meios culturais: a administração do património da família (nos seus altos e baixo); as opções para a educação dos filhos e divergências entre progenitores; os relacionamento/amizades de família, bem como a imagem que transparece; a necessidade de tentar manter a chama da relação acesa, ponto esse sentido sobretudo por Caroline a partir de certo momento. E (quem nunca?) poderia deixar de parte o choque de personalidades, que alias não é exclusivo nas relações amorosas mais é grande parte da vida.

 

“As mulheres, que sabem sempre muito bem explicar as suas grandezas, deixam-nos as fraquezas para nós advinharmos”

 

“Um autêntico grande homem é sempre mais ou menos criança.”

Balzac não fez questão de construir aqui um casal perfeito nem uma história sensacionalista. A sensação que dá ao leitor, após as duas perspetivas, é a de que tanto Adolphe como Caroline são pessoas medíocres, e todas as temáticas do dia-a-dia das relações no grande esquema das coisas são algo que impacta a nossa vida, mas não é nada que fique como legado pessoal na humanidade.

 

“… num casal não existem misérias pequenas. Sim, aqui tudo se amplia pelo contacto continuo das sensações, dos desejos, das ideias.”

 

Fora isso é um livro divertido, sendo muitas vezes a narrativa interrompida com axiomas engraçados, o que demonstra o quão Balzac sentiu o amor e foi um homem romântico. Mas se é divertido, medíocre, confuso, aborrecido, conflituoso ou tonto, isso é porque as relações são mesmo assim. Admito, talvez por uma solidariedade de género que creio existir sempre (quem esquece as expressões inglesas “Sisterhood” ou “bros before hoes”?), que talvez tenha sentido um pouco mais de proximidade com Adolphe e que uma leitora provavelmente entenderá Caroline melhor que eu. Ainda assim, arrisco a escrever este sobre este livro, fazendo votos que a mensagem do mesmo não seja muito diferente daquilo que escrevi, sendo que o recomendo.

 

“Esta pequena miséria tem por fim demonstrar que, em matéria de decepções pessoais, os dois sexos estão bem quites um para com o outro”


domingo, 2 de julho de 2023

Tudo o que sei sobre o Amor (2022), Dolly Alderton - Crítica (Ana Luísa Gonçalves)

 



Prólogo: Nada melhor para o regresso ao blog depois de 1 mês de pausa com uma nova pessoa que por própria iniciativa aceitou o convite que lhe tinha feito há uns meses de escrever aqui. A Ana (que carinhosamente chamo Dra. Ana em homenagem às formalidades altamente desnecessárias do meio jurídico) num artigo maravilhosamente escrito, veio trazer a esta página um conteúdo diferente. Algo que a nossa geração (nascidos nos anos 90) facilmente identifica, e algo que é mais vocacionado para as mulheres da minha geração, as tristezas e alegrias do amor que anda a passo com as chamadas dores de crescimento. É inegável o peso que a temática do amor já teve nesta página: não por acaso é um dos temas centrais dos livros que normalmente critico. Mas a Ana, com um novo livro e uma nova abordagem, dá-nos algo com que podemos aprender e compreender melhor o mundo. É com enorme gosto que publico aqui o artigo dela, na esperança de que ela não fique por aqui. Sem mais demoras, o artigo (Luís Araújo).


Após uma ida a uma conhecida livraria da nossa praça, em que nenhum livro parecia chamar muito por mim, acabei por sair de lá com 3 livros. Só mais um dia normal na vida de uma “livrólica”.

Um deles foi “Tudo o que sei sobre o amor” de Dolly Alderton, escolhido por ter gostado muito do seu único livro de ficção “Estás aí?”. Quer isto dizer que o livro sobre o qual vos escrevo é de não ficção.

No início da leitura, comecei por me identificar bastante com a autora, já que ela começa por nos descrever os dias passados no MSN Messenger. Todos aqueles que se aproximam dos 30 têm recordações desta plataforma de contacto e irão rever-se na escrita de Alderton sobre as estratégias utilizadas para, por exemplo, ser notada pela pessoa com quem queríamos falar. Esta identificação com a autora foi especialmente sentida com a frase “eu estou sempre metade na vida, metade numa versão fantástica dela que vivo na minha cabeça”.

Com o desenrolar da narrativa podemos acompanhar o desenvolvimento da vida amorosa da adolescente Dolly, com todas as aventuras que essa fase da vida pode proporcionar, mas é com a entrada na idade adulta que a autora vive as histórias mais épicas, perigosas e memoráveis, regadas a álcool, pontuadas por drogas e tendo sempre o objetivo de ter a experiência mais inacreditável possível para contar às suas amigas.

Estas histórias têm quase sempre um ponto em comum: um encontro com um homem, esteja ele a 300km ou a 10 minutos de carro, e têm finais tão diversificados como um pedido de casamento no aeroporto ou um convite para um ménage a trois. 

Ao longo do livro vamos tendo a perspetiva da autora sobre tudo o que sabe sobre o amor desde a adolescência até aos 30 anos, vários capítulos intitulados “Diários dos maus encontros”, outros denominados “As crónicas das festas foleiras”, e-mails-convite que ironizam eventos sociais tais como a despedida de solteira ou o baby shower e até receitas – gostei especialmente da “Sole Meunière para sedutoras” que termina com o seguinte parágrafo: “Servir acompanhado de uma salada verde ou com feijão verde e batata assada (não basta servir com um coração grande e aberto.)”, tudo intercalado, para evitar o aborrecimento do leitor – algo impossível com a escrita de Dolly, creio eu.

Mas desengane-se quem acha que este livro é apenas sobre amores e desamores com as pessoas por cujo género a autora se sente atraída. Este livro é uma ode à amizade com as mulheres com quem partilha a vida. Ao lê-lo entendemos que o verdadeiro amor na vida de Dolly é protagonizado pelas suas amigas, fiéis companheiras que a seguram e a quem ela segura. Juntas passam pelo período conturbado que é a vida em geral, apoiando-se sem reservas.

Neste livro encontramos também a reflexão da autora sobre a passagem inexorável do tempo, a juventude que vai e não volta. A autora partilha que gostava de voltar aos 21 anos com a sabedoria que tem perto dos 30 e acrescenta que a juventude é desperdiçada nos jovens. Concordo em certa medida. De facto, vivemos os nossos vintes sem saber exatamente como vivê-los. Estamos a aprender sobre nós, sobre o que nos rodeia, não sabemos ainda bem que caminho seguir. É o período da nossa vida em que temos mais vitalidade, e gastamo-la muitas vezes em dramas que, aposto, daqui a uns anos só nos farão rir. Mas é como sentimos que os devemos viver e respeitar-nos é, no fundo, o mais importante. 

Em suma, Alderton, numa partilha sincera, generosa e pautada por um sentido de humor acutilante, dá-nos a sua visão da vida numa obra que me permitiu estabelecer comparações, paralelismos, identificar-me, sorrir e comover-me, sem conseguir parar de a ler.