domingo, 13 de novembro de 2022

O artigo que nunca pensei escrever – 50 sombras (2011)

 


Desde muito novo sou um enorme adepto de futebol. Umas vezes mais atento aos jogos, outras fases só a acompanhar os resultados (#carrega Benfica, desculpem-me os leitores de outras preferências), e como qualquer jovem que cresceu e viu os momentos épicos da sua geração, há um futebolista italiano que cresci a admirar como jogador e como pessoa. O guarda-redes, tido por muito como um dos melhores de sempre e um caso excecional de uma longa carreira (atualmente a jogar no Parma), o italiano Gianluigi Buffon. Numa entrevista dada há uns anos, ainda como jogador da Juventus, mostrando o seu lado mais pessoal e íntimo da carreira, disse algo que me deixou deveras surpreendido tendo em conta que falamos de um jogador de futebol; “Todas as pessoas têm nelas um lado criativo que muitas vezes ignoram”.






“Interviews seem such artificial situations, everyone on their best behavior trying so desperately to hide behind a professional façade. Did my face fit? I shall have to wait and see.”


Assim mesmo se passa no mundo da arte: um dos meus chefes do atual emprego, complementado esta ideia de Buffon, comentou que falar que “não se gosta de ler” ou que “não se gosta de músicas, séries, filmes, pintura, escultura ou qualquer tipo de manifestação de cultura artística”, tem na génese duas razões: ou porque não foi incutido o hábito (e quem me conhece pessoalmente e vai conhecendo aqui no blog sabe que desafio as pessoas que me conhecem a arriscar neste mundo fascinante dos livros); ou então porque a pessoa não arriscou a explorar todo este mundo de possibilidades e por vezes a reação hostil a estes hábitos deriva de um certo medo de arriscar e descobrir qual o género e estilo que nos faz sentido e nos complementa. O mundo muitas vezes é complexo, e como em todos os aspetos da vida, tudo está em arriscar na descoberta daquilo que nos faz sentido.

Recentemente desafiaram-me a ler um livro que nunca esperei que o fosse fazer. Agora que o terminei (o primeiro volume), achei que seria interessante e desafiante partilhar algumas ideias sobre este livro, que é um género literário que não leio com regularidade, mas que em todo o caso e como qualquer livro, podemos retirar algumas ideias.


“the man is a walking mass of contradictions.”


As 50 sombras de Grey fez um enorme sucesso: é um livro de escrita acessível, muito fácil de se ler, com momentos pontuais de humor (sobretudo na linguagem e nas trocas de emails entre os dois personagens), e representa (mais) um marco do desenrolar da revolução sexual, iniciada sensivelmente a meio do século XX em que as pessoas aprofundam e exploram novos níveis de intimidade que até então ou eram desconhecidos ou eram tabu.

O que mais me fez refletir nesta obra foi o complexo estado da relação do Sr. Grey com Ana: na aparência um milionário intelectual, empreendedor, atraente, e com uma visão global do mundo, de mão dada com uma linda jovem recém-licenciada e com sonhos parece ser tudo aquilo que as pessoas querem numa relação. Mas como tudo na vida, as aparências iludem e as coisas nunca são simples. Por detrás daquele rico garanhão extrovertido e com uma carreira de sucesso, esconde-se uma pessoa profundamente traumatizada, assustada e com as suas cicatrizes (as 50 sombras); e por detrás daquela linda mulher culta e elegante, esconde-se uma pessoa profundamente confusa, insegura e que só recentemente saiu da sua zona de conforto, explorando sentimentos que só muito recentemente (e tardiamente tendo em conta os tempos atuais) sentiu.


“Follow your heart, darling, and please, please – try not to over-think things. Relax and enjoy yourself. You are so young, sweetheart. You have so much of life experience yet, just let it happen. You deserve the best of everything.”


O livro faz refletir sobre temas mais de natureza social do que histórico-político, como o fazem os livros que costumo ler. A nossa sociedade cada vez mais é difícil de conseguir encontrar uma relação, seja que natureza for, mas sobretudo as amorosas) onde é difícil ser-se genuíno, onde expor medos e debilidades é conotado como fraqueza e insegurança. A autora consegue, do seu jeito mostrar isso mesmo: que a imagem e aparência de uma pessoa não corresponde forçosamente à sua essência, a imagem de perfeição na nossa sociedade não tem forçosamente de corresponder ao triunfo final de felicidade e que as relações humanas devem ser feitas, como disse um dia Buffon em não ter medo de nos expormos naquilo que realmente somos, e que nós pessoas não somos ilhas. Parte de uma relação saudável deve ser feita numa exposição e partilha recíproca de vida, entre momentos de glória e declino, sendo que por vezes, os protagonistas da história (sobretudo o Sr. Grey) devem procurar e acreditar que é possível construir-se uma relação onde se é genuíno e livre.


“And because of his fifty shades – I am holding myself back. The BDSM is a distraction from the real issue. The sex is amazing, he’s wealthy, he’s beautiful, but this is all meaningless without his love, and the real heart-fail is that I don’t Know if he’s capable of love. He doesn’t even love himself. I recall his self-loathing, her love being the only form he found – acceptable. Punished – whipped, beaten, whatever their relation entailed – he feels undeserving of love. Why does he feel like that? How can he fell like that? His words haunt me: ‘It’s very hard to grow up in a perfect family when you’re not perfect.’”


Não posso afirmar que este seja o meu género literário de eleição. Nunca escondi para os meus leitores o meu gosto pela política e história, tendo procurado nos momentos de final de dia aproveitado as reflexões onde parto destes dois elementos para meditar sobre o estado geral da sociedade. Mas comecei o texto, no mundo da arte, onde incluo as plataformas digitais, existe conteúdo para todos: Tal como Ana e o Sr. Grey e tal como em mundo aspetos da nossa vida, tudo está na verdade em arriscar.


Aproveitando que estou a falar de coisas menos habituais no meu blog, quero aproveitar para deixar o link de uma crítica a um anime que gostei bastante, que achei inspiradora e que reflete algumas das ideias que retirei deste primeiro volume das 50 sombras. 


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