terça-feira, 25 de abril de 2023

1984, George Orwell (1949) – Crítica

 



“Nada existe senão através da consciência humana.”


Quero começar este artigo com uma partilha pessoal do ano letivo 2012/2013: estava eu no 12º ano no curso de Línguas e Humanidades, e desse ano houve dois professores e duas disciplinas que me marcaram: a primeira, sem surpresas, História A, que naquele ano focava o estudo da história entre a Primeira Guerra Mundial e a atualidade, e foi naquelas aulas que ouvi falar de Orwell e do livro que vou analisar neste artigo (e que só 10 anos depois li...), mencionado a propósito do estudos dos totalitarismos e dos estados totalitários do século XX; a segunda, Geografia C, que ao contrário da Geografia de 10º e 11º que foca atenção (quase) exclusivamente a Portugal,  trata da Geografia Humana à escala global na atualidade. Nesse ano, a avaliação de Geografia C era com base num teste e num trabalho e dado o programa e os meus interesses, as temáticas que mais gostei foram o Terceiro Mundo, os conflitos regionais e a geopolítica – aquilo a que chamo a “ação”, o verdadeiro campo de batalha do futuro da humanidade. Fiquei por isso aborrecido quando o tema do trabalho que me calhou no 3º Período foi “A Circulação Global da Informação”, que à época não me era tão apelativo e por isso tive uma nota um pouco mais baixa em comparação com os outros trabalhos. O professor até estranhou e disse que “não estava nos meus dias”.


“A guerra é uma forma de destroçar, ou lançar para a estratosfera, ou afundar nas profundezas do mar, materiais que de outro modo poderiam ser usados para tornar as massas demasiado confortáveis e, por conseguinte, a longo prazo, demasiado inteligentes.”


Hoje penso o mundo de forma diferente, e dou muito mais relevância ao tema da circulação da informação. Claro, os conflitos regionais continuam a interessar-me: basta ver o histórico de artigos deste blog onde já falei da Guiné-Conacri e sobretudo do Congo, sendo que estes dias estou também a acompanhar com preocupação à escalada de violência em Cartum no Sudão. Mas, tentando fazer justiça ao que não fiz em 2013, convido o leitor a acompanhar-me nesta crítica ao 1984, em que quero no focar na circulação, uso e tratamento da informação, bem como a sua relevância para o futuro da humanidade.


“o assustador era que tudo aquilo pudesse ser verdade. Se o Partido fosse capaz de intrometer a mão no passado e dizer tal nunca aconteceu a respeito deste ou daquele acontecimento, não seria isso mais aterrador do que a tortura e a morte?”


1984 é um livro assustador. Cada vez mais atual, retrata o percurso do ficcional Winston Smith numa sociedade em que contrariamente às aspirações positivistas e ideológicas do séc XIX e inícios de séc XX, não se criou uma sociedade perfeita mas sim uma ditadura perfeita: retrata uma sociedade que controla o indivíduo desde uma perspetiva externa (ação) até à componente interna (espírito); uma sociedade que perpétua as desigualdades sociais, promovendo o distanciamento entre a classe governante e a maioria da população; uma sociedade que altera o passado e a sua história conforme as conveniências do presente; uma sociedade que pretende criar uma nova língua de modo a moldar (mais ainda) o modo de pensar dos cidadãos; e, em última instância, uma sociedade que se não assente na obediência cega, assenta no medo e no horror. Winston ao longo da narrativa e nas 3 partes que compõem o livro vai sentindo o peso de tudo isto, começando na primeira parte com uma sensação de desconforto, passando para uma segunda parte para uma sensação de desafio à ordem estabelecida e terminando na terceira parte numa situação de castigo e repressão no eufemisticamente denominado “Ministério do Amor”. Por toda a parte a ação é acompanhada pela misteriosa figura do Big Brother, o Grande Irmão, ao qual ninguém escapa ao olhar atento.


“Sabemos que ninguém toma o poder com a intenção de abdicar dele. O poder não é um meio, é um fim. Não se institui uma ditadura para salvaguardar uma revolução; faz-se a revolução para instituir a ditadura. O objetivo da perseguição é perseguir. O objetivo da tortura é torturar. O objetivo do poder é ter poder.”


Nos romances que mais leio e trago ao blog, utilizo o passado como modo de entender o presente ou o passado mais recente, daí o meu particular gosto pela literatura do séc. XIX. Nesta distopia de Orwell, escrita em pleno século XX sinto que a cada ano que passa o livro vai ficando mais atual. Basta fazermos esta simples reflexão: as bases de dados informáticas sabem mais sobre nós do que a nossa família. Hoje não é concebível uma sociedade sem o acesso à Internet e, apesar de não acreditar numa figura central do Big Brother a olhar sobre nós, será que a nossa sociedade não está a passos largos a concretizar as profecias de Orwell? No trabalho que falei supra de Geografia C, abordei a temática das assimetrias regionais no acesso à informação – agora vou um pouco mais além, deixando um conjunto de perguntas: como estamos a tratar a informação? Será que temos dificuldades em aceitar a nossa história? Não temos a tentação de descrever os acontecimentos de forma que mais nos convém, mesmo que o resultado seja um todo absolutamente incoerente? E o que dizem ainda da alteração da língua?


“A invenção da imprensa, contudo, facilitou a manipulação da opinião pública, tendo o cinema e a rádio aprofundado esse processo. Com o advento da televisão e do avanço técnico que permitiu receber e transmitir em simultâneo e no mesmo aparelho, a vida privada chegou ao fim.”


Muitas vezes nós olhamos para filmes, séries e conteúdo, e sem recuar muito tempo, dizemos “Se fosse hoje, isto não seria feito”. E derivado do modo de ver a sociedade, entendo porque algumas pessoas têm receio e recusam o meu convite para participar neste blog. Dar a opinião é muitas vezes uma forte demonstração de coragem, mas é acima de tudo algo que nos deve ser muito querido e que devemos estimular, que é a nossa demonstração de liberdade! Por isso publico este artigo neste simbólico dia da História de Portugal para que esta pequena comunidade de leitores leve ao fim do dia algo para refletir.


Termino este artigo com uma saudação particular ao Honroso e Distinto Caaaaarliiinhos que gentilmente me emprestou esta magnífico livro que recomendo a leitura.


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