“o infortúnio é um mestre cujas lições, duramente apreendidas, dão frutos…”
Na mitologia japonesa
há uma lenda que é muitas vezes transmitidas às crianças: a de uma carpa Koi
(um magnifico peixe ornamental) que sobe o rio até ao topo da montanha,
passando perigos, saltando cascatas, até que chega ao topo e se transforma num poderoso
dragão.
Esta pequena
história simboliza o crescimento e as chamadas “dores de crescimento”, e foi
nessa perspetiva que quis iniciar este breve artigo para falar do terceiro
livro que li este ano, recomendado pelo meu pai.
Ilusões
Perdidas soa como algo depressivo, e em grande parte até o é.
Acompanha as aventuras e o crescimento dos amigos e cunhados Lucien e David: o
primeiro, grande protagonista da história, é dotado de um magnifico talento para
a escrita (nomeadamente a poesia) e com a ajuda do seu melhor amigo, família e
alta sociedade da sua terra, deixa tudo, arrisca ir para Paris e tenta triunfar
naquela cidade que à época era o expoente máximo da cultura mundial, pese
embora não aquilo que a pessoa inocente pensa. A intriga e o controlo da
informação, bem como a rabulice no negócio são temáticas centrais nesta obra.
“Os grandes cometem quase tantos atos de cobardia como os miseráveis; mas cometem-nos na sombra e ostentam as virtudes; continuam a ser grandes. Os pequenos desenvolvem as virtudes na sombra, expõem as misérias à luz do dia: são desprezados.”
David, herdeiro de uma tipografia que lhe é passada pelo pai em moldes absolutamente usurários, vê-se confrontado com as dificuldades típicas do meio empresarial. Recordo-me muitas vezes numa aula de Introdução à Economia que o meu professor dizia muitas vezes que essa ciência não é um repositório de soluções perfeitas. E de facto, como David vem a sentir, não o é, um bom empresário não é necessariamente um grande académico e sobretudo, na época em que rapidamente a imprensa e o papel estavam a difundir-se e a tornar-se no motor que hoje é o controlo da informação, que David sofreu para se adaptar, tendo passado por terríveis dificuldades.
“Uma das desgraças a que estão sujeitas as grandes inteligências reside em terem forçosamente de compreender todas as coisas, tanto os vícios como as virtudes”.
Já Lucien perde
a ingenuidade em Paris: dá conta que no meio da cultura é preciso mais do que
talento para triunfar, e tentando fazer nome e ganhar importância na sociedade
parisiense, toma a decisão de iniciar a carreira jornalística. Rapidamente os
seus colegas o advertem e troçam da sua ingenuidade, que acaba por lhe custar
caro, sobretudo numa altura que França estava ainda a recuperar do rescaldo do Congresso
de Viena e num período pós Napoleão Bonaparte, em que se fazia sentir as tensões
entre os liberais e os monárquicos. Lucien depressa entende que mais do que
entrar no meio, é necessário saber-se movimentar nele, e como o título do livro
indica, o desfecho da experiência parisiense leva-o a regressar à terra natal
sem a honra e glória que sonhava.
“A intriga é, de resto, superior ao talento: do nada, faz alguma coisa, enquanto, na maior parte das vezes, os imensos recursos do talento só servem para provocar a desgraça do homem.”
“Na alta sociedade, somos forçados a dar mostras de delicadeza para com os nossos mais cruéis inimigos, a fingi que os mais enfadonhos nos divertem e, muitas vezes, sacrificamos aparentemente os amigos para melhor os servimos. O senhor ainda é muito jovem! Mas, se quer ser escritor, não pode ignorar as hipocrisias mais banais deste mundo.”
Acima disse que
o livro parecia depressivo, mas no final Lucien e David, depois de uma série de
problemas envolvendo dívidas, prisões e depressão, recuperam e voltam a tentar:
David, que apesar do escasso talento para o negócio, é bem-sucedido na sua inovação
do fabrico do papel, tornando-o mais acessível e aumentando a produção; e
Lucien, desgostoso por todo o sofrimento que causou ao amigo e à família,
retorna a Paris para tentar a sorte. Essa é a mensagem que queria transmitir do
livro: crescer é uma experiência dolorosa, e isso é simbolizado pelas carpas no
Japão que tentam subir o rio da montanha, mas apesar de tudo Lucien e David não
perderam a essência que tinham e que os tornava únicos, simplesmente, a muito
custo, aprenderam a adaptar-se a um mundo muitas vezes cruel. Isso faz parte do
crescimento: na escola sempre pensamos que ter boas notas e ser-se bom no que
se faz é tudo. David e Lucien, na idade adulta, aprendem que não é assim, e
fico feliz pelo final do livro que, apesar do título, é um final feliz.
A escrita de
Balzac é mais parecida a Stendhal do que a Victor Hugo, alguns dos grandes
escritores franceses daquela geração. É, tal como Stendhal, um romântico embora
faça já uma transição para o realismo, optando por uma escrita acessível e
conhecedora dos meios onde leva o leitor. A grande dificuldade que tive com
este livro foi somente a estrutura formal, com a divisão em 3 grandes
capítulos. Em todo o caso, foi mais fácil do que pensava parar e continuar a
história.
Por esse motivo,
Ilusões Perdidas foi uma aposta certeira e estou feliz por partilhar as
conclusões. Segue-se um novo livro, que talvez venha a trazer ao blog.
“Muitas vezes – prosseguiu o espanhol - , é no momento em que os jovens mais desesperam quanto ao futuro que começam a ser mais felizes”.
Artigo fascinante e revelador. A tua escrita é viciante. É sempre um prazer ler os artigos
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