quarta-feira, 1 de março de 2023

Ilusões Perdidas de Balzac (1837) – Crítica

 


“o infortúnio é um mestre cujas lições, duramente apreendidas, dão frutos…”

 

Na mitologia japonesa há uma lenda que é muitas vezes transmitidas às crianças: a de uma carpa Koi (um magnifico peixe ornamental) que sobe o rio até ao topo da montanha, passando perigos, saltando cascatas, até que chega ao topo e se transforma num poderoso dragão.

Esta pequena história simboliza o crescimento e as chamadas “dores de crescimento”, e foi nessa perspetiva que quis iniciar este breve artigo para falar do terceiro livro que li este ano, recomendado pelo meu pai.

Ilusões Perdidas soa como algo depressivo, e em grande parte até o é. Acompanha as aventuras e o crescimento dos amigos e cunhados Lucien e David: o primeiro, grande protagonista da história, é dotado de um magnifico talento para a escrita (nomeadamente a poesia) e com a ajuda do seu melhor amigo, família e alta sociedade da sua terra, deixa tudo, arrisca ir para Paris e tenta triunfar naquela cidade que à época era o expoente máximo da cultura mundial, pese embora não aquilo que a pessoa inocente pensa. A intriga e o controlo da informação, bem como a rabulice no negócio são temáticas centrais nesta obra.

 

“Os grandes cometem quase tantos atos de cobardia como os miseráveis; mas cometem-nos na sombra e ostentam as virtudes; continuam a ser grandes. Os pequenos desenvolvem as virtudes na sombra, expõem as misérias à luz do dia: são desprezados.”

 

David, herdeiro de uma tipografia que lhe é passada pelo pai em moldes absolutamente usurários, vê-se confrontado com as dificuldades típicas do meio empresarial. Recordo-me muitas vezes numa aula de Introdução à Economia que o meu professor dizia muitas vezes que essa ciência não é um repositório de soluções perfeitas. E de facto, como David vem a sentir, não o é, um bom empresário não é necessariamente um grande académico e sobretudo, na época em que rapidamente a imprensa e o papel estavam a difundir-se e a tornar-se no motor que hoje é o controlo da informação, que David sofreu para se adaptar, tendo passado por terríveis dificuldades.

“Uma das desgraças a que estão sujeitas as grandes inteligências reside em terem forçosamente de compreender todas as coisas, tanto os vícios como as virtudes”.

Já Lucien perde a ingenuidade em Paris: dá conta que no meio da cultura é preciso mais do que talento para triunfar, e tentando fazer nome e ganhar importância na sociedade parisiense, toma a decisão de iniciar a carreira jornalística. Rapidamente os seus colegas o advertem e troçam da sua ingenuidade, que acaba por lhe custar caro, sobretudo numa altura que França estava ainda a recuperar do rescaldo do Congresso de Viena e num período pós Napoleão Bonaparte, em que se fazia sentir as tensões entre os liberais e os monárquicos. Lucien depressa entende que mais do que entrar no meio, é necessário saber-se movimentar nele, e como o título do livro indica, o desfecho da experiência parisiense leva-o a regressar à terra natal sem a honra e glória que sonhava.

 

“A intriga é, de resto, superior ao talento: do nada, faz alguma coisa, enquanto, na maior parte das vezes, os imensos recursos do talento só servem para provocar a desgraça do homem.”

“Na alta sociedade, somos forçados a dar mostras de delicadeza para com os nossos mais cruéis inimigos, a fingi que os mais enfadonhos nos divertem e, muitas vezes, sacrificamos aparentemente os amigos para melhor os servimos. O senhor ainda é muito jovem! Mas, se quer ser escritor, não pode ignorar as hipocrisias mais banais deste mundo.”

 

Acima disse que o livro parecia depressivo, mas no final Lucien e David, depois de uma série de problemas envolvendo dívidas, prisões e depressão, recuperam e voltam a tentar: David, que apesar do escasso talento para o negócio, é bem-sucedido na sua inovação do fabrico do papel, tornando-o mais acessível e aumentando a produção; e Lucien, desgostoso por todo o sofrimento que causou ao amigo e à família, retorna a Paris para tentar a sorte. Essa é a mensagem que queria transmitir do livro: crescer é uma experiência dolorosa, e isso é simbolizado pelas carpas no Japão que tentam subir o rio da montanha, mas apesar de tudo Lucien e David não perderam a essência que tinham e que os tornava únicos, simplesmente, a muito custo, aprenderam a adaptar-se a um mundo muitas vezes cruel. Isso faz parte do crescimento: na escola sempre pensamos que ter boas notas e ser-se bom no que se faz é tudo. David e Lucien, na idade adulta, aprendem que não é assim, e fico feliz pelo final do livro que, apesar do título, é um final feliz.

A escrita de Balzac é mais parecida a Stendhal do que a Victor Hugo, alguns dos grandes escritores franceses daquela geração. É, tal como Stendhal, um romântico embora faça já uma transição para o realismo, optando por uma escrita acessível e conhecedora dos meios onde leva o leitor. A grande dificuldade que tive com este livro foi somente a estrutura formal, com a divisão em 3 grandes capítulos. Em todo o caso, foi mais fácil do que pensava parar e continuar a história.

Por esse motivo, Ilusões Perdidas foi uma aposta certeira e estou feliz por partilhar as conclusões. Segue-se um novo livro, que talvez venha a trazer ao blog.

 

“Muitas vezes – prosseguiu o espanhol - , é no momento em que os jovens mais desesperam quanto ao futuro que começam a ser mais felizes”.


1 comentário:

  1. Artigo fascinante e revelador. A tua escrita é viciante. É sempre um prazer ler os artigos

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