domingo, 14 de agosto de 2022

A missão de Paz da ONU na República Democrática do Congo (MONUSCO) – haverá solução?

Protestos em julho de 2022 contra o MONUSCO em Goma.

Recentemente, na cidade de Goma, cerca de 7 pessoas foram mortas durante protestos contra a missão de paz da ONU no Congo, em que se exigia a sua saída do país. Por esse motivo, e dada uma nova escalada de tensão política e militar no país, tendo como um dos epicentros, a região do Kivu, achei que seria oportuno analisar os resultados e os problemas do MONUSCO no Congo

Em primeiro lugar, a missão tinha logo um problema de natureza militar. Geralmente, talvez por tendências jornalística, sensacionalistas e até políticas, existe uma tendência cívica de tomar um partido e escolher um lado “bom” e um lado “mau” das guerras. Isso é muito difícil quando analisamos a segunda guerra do Congo. Como tive oportunidade de escrever aqui, o conflito armado rapidamente chegou a um impasse em que Laurant Kabila não tinha capacidade de expulsar a coligação militar liderada pelo Ruanda, nem o Ruanda tinha capacidade militar de tomar Kinshasa, ao que (sobretudo a partir de 1999) os “blocos” armados dividiram-se em dezenas de milícias, cada uma controlando uma região, procurando lucrar da grande riqueza natural e mineral do país. Num contexto assim, era difícil uma tomada de posição militar, tanto pelo lado do governo de Kinshasa, cuja atuação nem sempre foi diferente da dos rebeldes, como pelo lado dos invasores estrangeiros. Portanto, numa primeira abordagem, caímos numa guerra complexa (e talvez por isso com pouco impacto nas nossas sociedades, dado não ser um conflito jornalisticamente simples de explicar) em que a comunidade internacional, pela dimensão que as coisas assumiram, teve de tomar posição. A segunda guerra do Congo juridicamente terminou em 2003 com os acordos de Sun City, pese embora que o estado de guerra de facto continua até aos dias de hoje no leste do país, sendo que esta missão, em quase 20 anos de existência, apesar de ter sido a mais numerosa e dispendiosa alguma vez feita, tem poucos resultados a apresentar. 

Em segundo lugar, pelo fator de geográfico, a missão de paz da ONU é uma missão particularmente difícil: estamos a falar de um enorme teatro de operações, com infraestruturas escassas ou inexistentes, e que cuja atuação ativa militarmente implica uma enorme frente de batalha com vários movimentos de guerrilha, dado a presença de numerosas milícias armadas na região. Tudo isso torna também difícil qualquer tipo de manobra militar. Ainda por mais, nos termos de Direito Internacional da Guerra, a missão de paz da ONU no Congo são os chamados “Peace Keepers” e por isso têm uma abordagem mais passiva e de manutenção de segurança, o que causa um enorme descontentamento pois num teatro de guerra destas características, o surgimento de resultados torna-se difícil. 

Finalmente, o próprio MONUSCO não pode eximir-se de responsabilidades pelos resultados apresentados: pelo contrário, registos de violações, contrabando de armas e de minérios têm sido também uma constante por parte de soldados integrantes desta missão de paz, o que é um argumento forte o suficiente para questionar a sua existência e utilidade. 

Umas conclusões finais são importantes para reflexão: Será que o insucesso da missão de Paz no Congo e a sua retirada pode ser vista em termos similares aos da saída dos EUA do Afeganistão? Terá a ONU capacidade para admitir que a sua maior e mais cara missão de paz teve pouco efeito no leste da República Democrática do Congo? Será que o Direito Internacional e a estruturação das missões de paz humanitárias necessitam de uma nova reponderação? 

Por enquanto o futuro do Congo continua difícil: há indícios do ressurgimento da rebelião do M23 (que em 2012 expulsou as tropas do MONUSCO do seu quartel-general em Goma), e o risco de uma nova guerra civil face a um clima de tensão entre Joseph Kabila e Félix Tshisekedi são pontos a considerar. Resta esperar para ver futuros desenvolvimentos

2 comentários: