sábado, 15 de dezembro de 2018

Crítica ao filme "Les Femmes du 6e étage" (2011)


Para ser sincero, não sou grande conhecedor do cinema de França. Tive conhecimento deste filme numa aula de francês que tive recentemente, e o que se falou foi o suficiente para me chamar a atenção: ver este filme foi, para mim, uma agradável surpresa e uma boa experiência.
Podemos tratar o filme de várias óticas, uma histórico-social, uma psicológica e uma mais estético-formal:
Começando pela perspectiva histórico-social, o filme alude à emigração espanhola para França nos anos 60, em termos que são em larga escala similares ao da emigração portuguesa nessa altura: as personagens que dão o título ao filme são as empregadas domesticas espanholas que vivem num quarto no sótão do prédio onde trabalham, não têm uma vida particularmente folgada e luxuosa, vivem em quartos muito pequenos, partilhando espaços comuns (também eles de dimensões reduzidas) como a casa de banho, cuja manutenção é em larga escala desleixada. Os salários são relativamente baixos para a realidade francesa, mas para emigrantes são muito acima do que o que estaria ao seu alcance no país de origem. Em Espanha, tal como Portugal, à época estava institucionalizada politicamente um regime ditatorial, dirigido pelo General Francisco Franco, mas, diferente de Portugal, o país ainda estava a recuperar da violenta guerra civil (1936-39) que deixou graves marcas em muitos espanhóis, como o filme o retrata. Por outro lado, as condições de vida em França, para além de todo este cenário e do todo o choque cultural que a emigração pressupõe, eram difíceis, uma certa discriminação era comum (o exemplo das empregadas domesticas não puderem usar o elevador é paradigmático nessa afirmação).
 
Os dois personagens principais, o francês Jean-Louis (Fabrice Luchini) e a espanhola Maria González (Natalia Verbeke)
Quanto à questão psicológica, este centra-se em Jean-Louis, personagem principal e proprietário do prédio, este vai-se transformar em toda a obra: a carreira de sucesso como gestor de valores mobiliários e a vida desafogada trouxeram-lhe uma liberdade que nem sempre é libertadora. Jean Pierre sentia-se fatigado, da rotina em que a sua vida caiu, sobretudo familiar, que se tornou excessivamente circular, repetitiva se se preferir (dos hábitos sociais previsíveis da sua esposa na alta sociedade parisiense, ao mimo dos seus filhos ansiosos por herdar desde tenra idade). A sua aproximação às empregadas espanholas permitiu-lhe uma “lufada de ar fresco” e consequente nova visão do mundo, que o conduziu para o caminho da felicidade. Pessoalmente falando, este trajeto começou em pequenos gestos, como arranjar a casa de banho comum das empregadas, e todo um conjunto de boas ações que o fez sentir dono do seu destino e lhe deram grande satisfação própria. Claro que o filme tem a componente de romance, mas acho que seria excessivamente emotivo e insuficiente analisar a perspetiva psicológica só por aí. Ironicamente a situações como a de Jean-Louis são chamados de problemas de primeiro mundo, parece que nem sempre uma vida mais completa materialmente corresponde a uma vida mais feliz - definitivamente a vertente psicológica dos cidadãos, é uma que deve merecer maior atenção dos países desenvolvidos.

Quando a estética formal, o filme não tem as edições nem os orçamentos que estamos habituados a Hollywood, mas considero que em termos de guião e de mensagem, não lhes deve nada. Para além da mensagem mais séria, o filme tem também um certo humor francês e elementos de cultura espanhola. Uma visão multicultural e inovadora é sempre bem vinda, pelo o que a minha avaliação é francamente positiva.

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