terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Secret Iraq (2010) BBC – O Iraque secreto


Desde muito novo que ouço falar do Iraque nas notícias. Definitivamente foi a primeira guerra de que ouvi falar. Na altura em março de 2003 tinha 7 anos, ia fazer 8, e quase todos os dias ouvi falar de um carro a explodir em Bagdad, ou um suicida que matou varias outras dezenas de pessoas, ouvia falar que estavam à procuram de um presidente “muito mau” chamado Saddam que matava pessoas, e na altura não fixei muito mais. Conforme os anos iam passando e ia estudando ou falando do Iraque na escola, as circunstâncias e as causas da segunda guerra do golfo (ou terceira, conforme se comece a contar a partir da guerra Irão-Iraque ou da guerra Iraque - Kuweit) ia tendo dados cada vez mais confusos... Armas de destruição maciça? Apoio aos terroristas da Al-Qaeda?

Idoso iraquiano emociona-se num funeral de uma vítima da violência sectária que afetou o país.


Feita esta introdução, a primeira vez que vi esta série foi quando estava no meu 8º ou 9º ano, na altura estava a procurar programas no canal História e encontrei esta série britânica de dois episódios, mas como estes passavam num intervalo de uma semana de diferença, só uma vez, na madrugada de domingo para segunda feira, resolvi agendar as gravações. A primeira coisa que me veio à cabeça depois de ter vistos os dois episódios foi indignação: porque é que só transmitiam um programa destes uma vez, a estas horas, sobre uma matéria tão importante? Na altura da invasão em 2003, o preço do petróleo subiu de tal maneira que há quem chame a esta altura um terceiro choque petrolífero. Isto teve (e ainda tem) repercussões diretas para a nossa vida, já que necessitamos do petróleo para combustível, para as industrias do plástico, até para a produção de borracha e têxteis!  Acrescento que em 2009 o Iraque era o 5º maior produtor de petróleo no mundo.

Uma célula insurgente sunita faz explodir um tanque de guerra americano em 2004, nos arredores de Fallujah.

Secret Iraq tem dois episódios e cobre a história do Iraque desde 2003 e 2010. Em primeiro lugar desconstrói o mito, mais ou menos criado, que os ocidentais ganharam a guerra. Muito longe disso. Se é verdade que não houve grande oposição no avanço de sul ao norte do Iraque para derrube do regime de Saddam, é certo que de 2003 a 2010, militarmente falando, o resultado da guerra foi surpreendente, em muitos momentos a coligação ocidental teve um grande esforço para evitar uma humilhante derrota. Nessa altura começou a fase da Insurgência, primeiro da minoria sunita do país, que era o grupo privilegiado no regime de Saddam (também ele um sunita), viu-se agora marginalizado e vítima de violência dos recém formados grupos xiitas (maioritários no país mas reprimidos no anterior regime) e acabaram por formar células de resistência à invasão. A insurgência sunita teve nos primeiros anos, como palco de destaque, as duas sangrentas batalhas em Fallujah, tendo os americanos perdido a primeira e, por ironia, só nesta fase a Al-Qaeda começou a operar mais no país, contrariamente à premissa sufragada pelo governo americano que este grupo fundamentalista era próximo a Saddam.

O clérigo xiita Moqtada al-Sadr, que foi um dos rostos da insurgência em Basra. O seu pai (também ele um clérigo xiita) e dois irmãos foram mortos em 1999 numa emboscada numa estrada, suspeita-se que o regime de Saddam foi diretamente responsável. Ainda hoje Moqtada é um político importante no Iraque, o seu partido até foi o mais votado nas eleições gerais (equivalente às eleições parlamentares) de maio de 2018.
Mais a sul do Iraque, em Basra, surgiu a insurgência xiita: se na zona de Bagdad, os grupos armados xiitas queriam consolidar o seu poder no novo regime (e daí a sua enorme "infiltração" nas novas forças de segurança), aqui nesta região (rica em petróleo), surgiu a milícia “Exército Mahdi” criada pelo clérigo Moqtada al-Sadr (alegadamente apoiado pelo Irão) que foi um grande fator de fragmentação crescente no país. Al-Sadr ainda hoje é um influente político no Iraque, tendo logrado expulsar as tropas inglesas do centro de Basra em 2007 (uma humilhante derrota para estes, tendo a cidade sido recuperada pelo governo mais tarde).

Crianças xiitas são recrutadas em Basra para o exército de Moqtada al-Sadr, algures em 2005. Ao fundo está um poster do seu líder.

Diversas verdades inconvenientes são visíveis no documentário: a postura e o comportamento das tropas ocidentais fez surgir um sentimento de ódio profundo entre os locais (ainda que muitos odiassem Saddam, reagiram ainda pior aos invasores); a falta de planificação do regime pós Saddam, com a decisão catastrófica de afastar todos os inscritos (sem exceções) do partido Baathista e de eliminar o exército nacional (um dos grandes fatores para o início da insurgência sunita); na formação precipitada e desorganizada das forças de segurança iraquianas, que foram infiltradas por insurgentes  xiitas, e que criaram uma onda de violência sectária por todo o país; e o surgimento da Al-Qaeda do Iraque, grupo fundamentalista islâmico sunita, fundando pelo terrorista jordano Abu Musab al-Zarqawi.


O terrorista jordano Abu Musab al-Zarqawi aparece num vídeo de propaganda colocado pela Al-Qaeda na Internet, meses antes de ser morto (2006).


Vou agora esmiuçar um pouco mais sobre o "islamismo" no Iraque. A Al Qaeda (fundada por Osama Bin Laden e responsável pelos ataques do 11 de setembro), antes de 2003 não tinha presença no país, mas a criação da "filial iraquiana" por al-Zarqawi, logrou em conseguir oferecer uma organização económica e militar centralizada eficiente para as diversas células insurgentes sunitas (conseguindo unifica-las), e o seu poderio em 2007 era tal que ensaiou uma experiência de estado islâmico na província de Ambar (em torno das cidades de Ramadi e Fallujah)! No fundo criou um micro-estado naquela província similar ao que vimos recentemente do ISIS na Síria. Nesta altura o governo americano reforçou a sua presença militar no Iraque, mas o poderio dos islamitas sunitas foi tal que os EUA não tiveram outra alternativa senão aliar-se a grupos insurgentes locais que entraram em ruptura com o "califado em Ambar". Por ironia, muitas dessas células sunitas que se tinham unificado à Al-Qaeda, anteriormente tinham atacado tropas americanas...
À época esta nova aliança foi frutífera, os americanos e as milícias sunitas aliadas tiveram sucesso em expulsar a Al-Qaeda de Ambar, mas do que dela sobrou veio surgir o que hoje conhecemos por ISIS/Daesh, e aquele regime que eles instituíram durante anos nas zonas que ocupavam na Síria e Iraque nos moldes aterradores que conhecemos. Tudo isto para dizer que já havia um pronuncio do que o Daesh é, pela seu “ensaio” no Iraque por volta de 2007-2008.

Curiosamente no sul, afetado pelos insurgentes xiitas em Basra, também foi ensaiado um “Estado Islâmico Xiita”, mais próximo ao Irão, entre a fase que as tropas britânicas se retiraram da cidade, até à sua libertação por tropas fieis ao governo central. Aqui houve violentos combates e a libertação da cidade foi peculiarmente sangrenta.

Al Qaeda do Iraque proclama "Estado Islâmico" na capital da província de Ambar, Ramadi, no início de 2007. Este grupo hoje chama-se ISIS/Daesh, e já na altura cometia as atrocidades que hoje conhecemos.

De fora do documentário ficaram o problema dos curdos, a questão política do petróleo e das armas de destruição que não existiram. Este documentário dá primazia à guerra militarmente falando, descurando de certa forma a sua parte mais política. Não obstante, estes dois episódios são um poderoso indicador cinematográfico da crueldade que aquela guerra assumiu, da tremenda falta de dados que não foram amplamente disponibilizados, e o facto de que, a verdade ontológica militar é muito diferente daquilo que nos foi transmitido e hoje é escrita como história. 

Para concluir, a divisão dos episódios é feita conforme as fases históricas:
-     - o primeiro episódio chama-se “Insurgência” o título diz tudo;
   - o segundo episódio chama-se “O acordar”, cobre a partir da fase em que os americanos enviam mais tropas para o Iraque e se aliam a alguns insurgentes locais para evitar a derrota. Nos respetivos títulos deixo o link para se poder ver online os dois episódios.

2 comentários:

  1. ´Gostei .Muito interessante.Só nos mostram aquilo que querem.

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    1. Obrigado pelo comentário. É verdade, uma pessoa não se pode contentar só com o que aparece nas notícias...

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