domingo, 22 de janeiro de 2023

O poder do erro (Marco Garcia)

 

Prólogo: “Não há duas sem três”, como se costuma dizer. Após o enorme sucesso que o artigo da matemática e do digital fizeram nesta página, o Marco, com a qualidade que nos habituou, escreveu um terceiro artigo que mais não é que o corolário dos artigos anteriores. Recordo, na minha experiência pessoal na Faculdade de Direito, de ter tido um professor no primeiro ano que nos dizia muitas vezes nas aulas que nos preparavam para na vida prática não falhar, porque o mundo não admitia erros. Foi interessante ler a perspetiva de gestor do Marco sobre esta temática, que creio ser transversal a todas as áreas do saber e da realidade.

O Marco com este artigo termina a sua trilogia, mas espero que isto não seja o fim da sua aposta na escrita, que desejo que continue e será sempre bem-vinda no meu blog. Sem mais demoras, um novo artigo. (Luís Araújo)



Se acreditares que existe outro método de pensar para além do método analítico, e se acreditares que existem outras relações para além da relação causa-efeito, então também acreditas que podem existir outras formas de tratar o erro. O método sintético, oposto ao método analítico, amplamente desenvolvido por René Descartes no século XVII, na sua brilhante obra Discours de la methode de 1637, foi alvo de estudo pelo professor Russel. Ele descreve que a análise é composta por três partes: primeiro, separas o que queres entender  em partes; segundo, tentas entender o comportamento das partes isoladamente; e terceiro, agregas o entendimento das partes no entendimento do todo. Este é o método utilizado por todas as crianças de 4 anos de idade, quando tentam entender o mundo que as rodeia, fazem-no com os brinquedos, tentam desmontá-los, depois tentam entender o comportamento das partes, ou seja, tentam entender como elas se relacionam, e por último tentam montar esse entendimento no entendimento do todo, e esperam deixar o brinquedo da mesma forma que o encontraram, por razões óbvias. Todas as crianças são curiosas por natureza, tem vontade de aprender, e alegria em aprender, e fazem-no através do método analítico, e passados quase 400 anos, continua a ser o método de pensar mais utilizado no mundo ocidental. Por isso, se quiseres entender um sistema o primeiro passo da análise diz-nos que temos de separar o sistema que queres entender em partes.

Qual é o oposto disto? Se eu quiser entender um sistema, em vez de olhar para ele como um todo que tem de ser separado em partes, vou olhar para ele como sendo uma parte para colocar no todo. Portanto, o primeiro passo do pensamento sintético é identificar um todo em que o sistema que eu tento explicar é uma parte; e o segundo passo é tentar entender o comportamento das partes isoladamente (em oposição à procura da explicação do todo que contem a parte); o terceiro passo é agregar o entendimento das partes como entendimento do todo. Este terceiro passo da síntese é o corolário da desagregação do entendimento do todo no entendimento da parte.

 Ambos os métodos são necessários para o entendimento da realidade: a análise diz-te como se faz, a síntese, diz-te porquê que se faz, da forma como se faz. Uma dá-te conhecimento, e a outra dá-te entendimento, e são ambas necessárias. Por isso, para obtermos entendimento, temos de utilizar um pensamento sintético. Agora, isto não nega o valor da análise, a ciência não progride dessa forma, mas sim acrescentando camadas em cima das mais antigas, ela diz que temos de combinar a análise e a síntese, para conhecermos e entendermos o nosso ambiente porque a análise gera conhecimento não gera entendimento, e perceber isso, faz toda a diferença. A combinação destes dois métodos de pensar veio a resultar naquilo a que chamamos de systems thinking, a análise é suplementada pela síntese para produzir o pensamento sistémico, mas isto levanta outra questão: se existe outro método de pensar para além do método analítico, será que existe uma outra relação que explique tudo, para além da relação causa-efeito? Sim, existe! E a essa essa outra relação, deu-se o nome de relação “produto do produtor”. Na relação causa-efeito, tu tens de fazer duas coisas, tens de demonstrar que a causa é necessária para o efeito. O que é que isso quer dizer? Se eu bater com o pé no chão, eu emiti um barulho que vocês ouviram, o batimento do meu pé no chão causou o barulho. Para mostrar que o batimento do pé provocou o barulho, a primeira coisa que eu tenho de fazer é demonstrar, que se eu não tivesse batido com o pé no chão vocês não tinham ouvido o barulho, isso é demonstrar a necessidade. Agora, a segunda coisa que eu tenho de fazer, é mostrar que a causa é suficiente, isso significa que eu tenho de mostrar que o batimento do pé no chão, é suficiente para provocar o barulho que vocês ouviram, se eu não batesse com o pé no chão vocês não ouviam aquele barulho. Ao fazer estas duas coisas eu mostrei que o batimento do meu pé no chão, a causa, provocou o barulho que ouviram (o efeito). A relação causa-efeito é uma relação que é necessária e suficiente, e sempre que queres explicar um fenómeno, tudo o que tens de fazer é encontrar a sua causa.

Portanto, eu encontro a causa e agora tenho uma explicação completa do fenómeno, porque a causa é suficiente para o efeito, e durante séculos, esta relação foi utilizada para explicar tudo, e ainda continua a ser. Nesta visão do mundo não existe propósito próprio nem livre-arbítrio. Mas o mais incrível é que continuamos a utilizá-la nos dias de hoje, nós fazemo-lo de forma automática, sem nos apercebermos.

No século XVI, por volta de 1589, Galileu conseguiu provar que uma teoria amplamente aceite por todos, desde o tempo de Aristóteles, estava incorreta. O que é que Galileu quis dizer quando, através do seu método experimental, elaborou a lei dos corpos em queda livre? O que é que a palavra “livre” nos diz? Diz-nos que um corpo está a cair num vácuo. O que é um vácuo? É precisamente um sítio onde não existe ambiente, e só passados mais de 380 anos, em 1971 é que isso foi testado pelo astronauta David Scoot quando ele pisou a Lua, e deixou cair uma pena e um martelo ao mesmo tempo, e ambos atingiram a superfície lunar em simultâneo. Mas o mais chocante não foi esta descoberta, o impressionante, é que durante mais de 1900 anos, ninguém teve a curiosidade de testar a teoria de Aristóteles, precisamente porque ele era visto como uma figura de autoridade, e nunca ninguém tinha ousado desafiar a sua autoridade, por razões óbvias. Numa época em que a única instituição universal que existia era a Igreja Católica, ela tinha poder absoluto sobre tudo, e promovia a conformidade e o controlo da sociedade através do medo. A curiosidade era considerada pecado, e as consequências para quem desafiava a autoridade eram bem reais. As leis universais de Sir. Isaac Newton, descritas na sua grandiosa obra-prima da física lançada em 1687 Philosophiae Naturalis Principia Mathematica eram universais, não por existirem em todos os ambientes, mas precisamente por não existirem em ambiente nenhum, defendendo uma visão completamente mecânica da realidade, onde podes prever tudo, sem a influência do ambiente. Durante séculos foi amplamente aceite pela generalidade das pessoas, a ideia de que o Universo era uma máquina criada por Deus, descrita por leis matemáticas, onde a matéria era movida por essas leis, e onde o Universo  era visto como um relógio hermeticamente fechado. A expressão hermeticamente fechado quer dizer o quê? Quer dizer que não existe ambiente, ou seja, nós não tínhamos uma visão de um Universo cheio, mas sim de um Universo vazio, onde o ambiente não era necessário para explicar nada, e embora alguns Historiadores discordem desta visão Newtoniana do Universo, onde este era visto como um enorme relógio, o que é certo é que ela permeou a nossa sociedade de tal forma, que hoje em dia, é difícil separarmo-nos dela, até porque a linguagem utilizada nessa obra aponta nesse sentido,  e continua a ser a visão dominante nos dias de hoje, completamente mecânica, previsível e determinista, onde podes controlar tudo, desde que tenhas, disciplina, organização, rigor matemático e cuidado na argumentação.

Isso não é verdade! Esta visão reducionista da realidade só tem servido para alimentar o ego, de todos aqueles que se encontram numa posição de poder, criando divisão e atrito. É uma visão simplificada da natureza da realidade que ficou tão enraizado na nossa cultura que nem nos apercebermos que ela passou a fazer parte de nós, e todos aceitamos isso sem questionar, absorvemo-la por osmose no processo de aculturação. Todos aprendemos estas leis, e elas continuam a ser muito úteis para construir todas as maravilhas do mundo moderno, mas não são suficientes para entendermos a natureza da realidade, para isso, tu precisas sempre de entender o “ambiente”. O que é um laboratório? Um laboratório é um sítio onde podes efetuar experiências excluindo o ambiente, todas as leis fundamentais da física clássica dizem-te como é que as coisas se vão comportar sem a influência do ambiente, e um laboratório é precisamente um sítio construído para te capacitar a estudar o efeito de uma variável noutra, sem a intervenção do ambiente, e isto tem um impacto gigante na forma como nós percecionamos a natureza da realidade, e na forma como conduzimos as nossas vidas, e estruturamos o nosso pensamento. Acontece, porém, que em 1898, cerca de 200 anos depois de Newton ter formulado as suas leis,  um jovem chamado Edgar Arthur J. Singer escreveu o artigo mais radical do último século acerca da ciência. O que ele revelou é que durante a era da revolução industrial, a ciência tinha feito batota. Como? Ele disse: considerem um carvalho e uma bolota. É um carvalho o resultado de uma bolota? Obviamente que não. Porquê? Na relação causa-efeito, lembram-se das duas condições de uma causa, primeiro a bolota é claramente necessária, não consegues obter um carvalho sem uma bolota, mas neste caso, não é suficiente, e é aqui que reside a grande diferença, ou seja, passamos a ter uma relação que é necessária, mas não é suficiente, em oposição a uma relação que era necessária e suficiente. Como é que sabemos isso? Bem, se eu agarrar numa bolota e lançá-la no oceano, eu não obtenho um carvalho, se a colocar num glaciar ou no deserto, eu não obtenho um carvalho, ou seja, a bolota não é suficiente para obter um carvalho. Para que isso aconteça, eu tenho de ter o solo necessário, os nutrientes necessários, a quantidade certa de humidade, uma certa luminosidade, e todos os outros fatores necessários à obtenção de um carvalho. Ao conjunto desses fatores é que chamamos “ambiente”.

Portanto, a relação aqui é necessária, mas não é suficiente, agora, isto não foi uma descoberta deste jovem, isso já era conhecido há muito tempo pela ciência, mas como é que a ciência lidou com isto?  Ela chamou a esta relação de causalidade probabilística, ou, causalidade não determinista. Agora, aquilo que Singer disse foi ludibriar. Porquê? Porque não pode existir tal coisa como causalidade probabilística. Se uma causa é por definição necessária e suficiente, então qual é a probabilidade de o efeito da causa ocorrer? Só pode ser um, e mais nenhum. Não faz sentido a probabilidade de uma causa. O determinismo é uma consequência da causalidade, do significado de causalidade, é uma contradição ter uma causalidade não determinista. Ele disse, isto é uma relação totalmente diferente, não é causa-efeito, e deu-lhe um nome, e chamou-lhe “produto do produtor”. E pela primeira vez o ambiente começou a ser utilizado para explicar tudo o que se passa no Universo, nada pode ser explicado sem o ambiente, nada pode ser entendido de forma independente do seu ambiente, tudo é ambientalmente relativo. E onde o livre arbítrio e o propósito próprio passam a fazer sentido, este tipo de pensamento relativista forçou a que pensássemos de forma diferente acerca da natureza da realidade, e despertou a nossa atenção para a forma como tratamos o erro. Nesta visão do mundo as coisas não são preto no branco como no determinismo, onde tudo é previsível e controlável através de fórmulas algorítmicas, onde a razão explica tudo, e só existe uma forma certa de fazer as coisas. Isso significa que todas as outras estão erradas: tal cria divisão e atrito, não cria  união e harmonia, porque, na visão determinista, ninguém quer estar errado, e todos têm medo de estar errados, e pior, criámos uma sociedade motivada pelo medo de estar errado, precisamente porque o erro foi estigmatizado e recebeu uma conotação negativa, porque a pior coisa que pode acontecer na visão determinista, é o erro, porque é através do erro que o determinismo define o poder, neste caso, pela ausência de erro, e é precisamente através da forma de tratarmos o erro que  podemos libertar-nos desta visão reducionista e determinista  da realidade, e passarmos a definir o poder, não pela ausência de erro, mas pela sua inclusão. As pessoas que mais erram são as que mais aprendem, porque o erro faz parte do processo de aprendizagem. Mas ao invés de termos uma sociedade motivada pelo medo, passamos a ter uma sociedade motivada pela alegria na aprendizagem, pela curiosidade e criatividade, que todos temos no início da vida, e que nos vai sendo retirada pelas forças deterministas à medida que vamos avançando na idade.

Será que existe uma outra forma de tratar o erro? Sim,  existe! Mas nós não a reconhecemos. O primeiro tipo de erro é quando tu fazes uma coisa que não devias ter feito. Por exemplo, quando a Eastman Kodak comprou a Sterling Drug em 1988, eles cometeram um erro muito sério, depois tiveram de a vender mais tarde em 1994, com um prejuízo de 2 biliões de dólares, eles fizeram uma coisa que não deviam ter feito, isso chama-se um erro de comissão; já o segundo tipo de erro é quanto tu devias ter feito uma coisa que não fizeste, isso chama-se um erro de omissão, e é precisamente este erro que a nossa sociedade não reconhece, porque continuamos a pensar de forma determinista. Por exemplo, a Eastman Kodak podia ter comprado a Xerox por 11 milhões de dólares numa determinada altura e não o fez. A Xerox podia ser a maior produtora de computadores pessoais do mundo, e deixou passar essa oportunidade para que Wozniak e Jobs criassem a Apple, eles não o fizeram, isso foi um erro de omissão. Dos dois tipos de erro (de comissão e de omissão) qual deles acham que é mais importante? O mais importante é o erro de omissão, e por mais incrível que pareça, nós não o reconhecemos. A nossa sociedade não o reconhece. Se olharem para todos os casos de falências ou próximos de falência, como o caso da IBM em 1980, que poderia ter aberto falência se não fosse, Lou Gerstner, o que é que eles fizeram que foi errado? Não foi o que eles fizeram, foi o que eles não fizeram. O que é que eles não fizeram? Eles não prestaram atenção aos computadores pessoais, eles continuaram a apostar nos mainfraims, quando todos os outros estavam a apostar na miniaturização. A Kodak foi á falência porquê? Porque não prestou atenção á fotografia digital. Sabiam que a Kodak podia ter comprado a Fuji numa determinada altura e não o fez. Portanto, erros de omissão são mais importantes do que erros de comissão, certo.

Agora, olhem para o nosso sistema contabilístico. O nosso sistema contabilístico apenas regista um destes dois tipos de erros. Qual deles? Aqueles em que tu fizeste alguma coisa que não devias ter feito, erros de comissão. Quando a Kodak comprou a Sterling Drug, ficou registado nas contas da empresa, quando não comprou a Xerox, onde é que isso apareceu? Em lado nenhum. Exatamente, em lado nenhum. Agora, tu estás numa empresa, instituição, fundação, organização, corporação, associação, que diz que, se cometeres um erro é uma coisa muito, muito má, e o único erro em que tu podes ser apanhado, é aquele em que tu fizeste uma coisa que não deverias ter feito (erro de comissão), qual é a tua melhor estratégia para protegeres a tua posição, e pareceres que és muito bom? Não fazer nada. É por isso que não temos transformação ou mudanças estruturais nas empresas, estruturas políticas, no sistema jurídico, no sistema de saúde, no sistema de educação, no sistema económico, ou em qualquer outro sistema, nem nunca vamos ter, enquanto não mudarmos a nossa forma determinista de pensar, e de tratar o erro. Esta forma de pensar leva a que todos aqueles que se encontram numa posição de poder, seja qual for o sistema, tentem preservar o status quo, e que continuem a fazer o seu business as usual, e uma das formas de o conseguirem é aumentando a conformidade e o controlo, punindo severamente o erro de comissão e ignorando o erro de omissão. Como disse o professor Russel, “uma das formas de gestão mais utilizadas no mundo ocidental chama-se dividir para reinar”, e tem sido a forma mais utilizada pelos gestores e figuras de autoridade para manter o seu bussines as usual, e a forma mais consensual de o conseguir é através das  avaliações de desempenho ou avaliações por objetivos com base em KPI’s, que na teoria soa fantástico por premiar o mérito, mas na prática não funciona, é impossível dentro do nosso atual padrão de pensamento determinista, porque para teres pessoas muito boas, o que é que isso faz das outras em comparação? Exato, pessoas muito más, e isso cria atrito e divisão. Isso é mau para as pessoas e para o negócio, é mau para a economia, é mau para a sociedade, e é mau para todos os sistemas.

Este sistema é sustentável? Não, não é, e a prova disso é a quantidade de falências que assistimos todos os anos e o esvaziamento do valor das chamadas grandes empresas por todo o mundo. No nosso País  nos últimos 10 anos saíram 18 empresas da Bolsa de Lisboa e entraram apenas 6. Existiu alguém na Alemanha que chamou à avaliação de desempenho, avaliação pelo medo, pois é precisamente isso que este e outros modelos deterministas fazem, eles promovem o medo, a divisão, a arrogância, a mentira, a manipulação, a persuasão, o cinismo, a hipocrisia, ao invés de promover a humildade, a coragem, a criatividade, a honestidade, a verdade, a compaixão, a colaboração, a entreajuda, o espírito de equipa, a harmonia, a equidade, o comprometimento, e a mudança. Anunciar estes últimos valores, num sistema determinista é fazer exatamente o mesmo que os cães de Pavlov quando salivam no sino errado, é um perfeito disparate. Neste sistema não existe comprometimento de longo prazo, nem criatividade por parte das pessoas, porque o que se pretende é que as pessoas se comportem, da forma que é esperado que elas se comportem, o que se pretende é controlo e conformidade, com o apoio de modelos matemáticos, fórmulas algorítmicas e regras rígidas, toda a tecnologia que tem sido desenvolvida nos últimos anos tem sido no sentido de acelerar o ritmo de controlo e conformidade. Os códigos de conduta e ética não estão lá para dizer o que é que as pessoas podem fazer, eles estão lá para dizer o que elas não podem fazer, e quais os castigos aplicados para os casos de incumprimento. É mais uma forma de aumentar o controlo através do medo.

A palavra ética aqui empregue, não é a ética relativista, é a ética determinista do dono da empresa. Juan Enriquez, autor de vários livros, explica de uma forma brilhante o que é a ética, e o que ela representava. Para os escravos, no tempo da escravatura, ele faz referência ao livro sagrado, e diz “aqui estão algumas passagens de um dos livros sagrados “Escravos obedeçam aos vossos mestres com medo e tremor”, Ephesians 6:5, e esta ainda é a melhor “ digam aos escravos para serem submissos para com os seus mestres e para darem satisfação em qualquer assunto” Titus 2:09. “. Todos concordavam com isto na altura, isto era eticamente correto, ninguém questionava esta ética. Aliás, isto estava escrito nos livros sagrados, como é que podíamos questionar algo que era sagrado? Impossível. E isto é um passado recente na história da humanidade, portanto, não foi assim há tantos anos, é este sentido de ética que é apresentada nesses códigos.

E quanto mais tu aumentas o controlo, mais tu diminuis o quê? A liberdade, exatamente, a liberdade e a autonomia, deixas de ter liberdade para seres quem és, criativo, curioso, com vontade e alegria em aprender, e passas a comportar-te como o quê? Como um escravo, ou um Robô, e em muitos casos a única diferença é a forma de pagamento, o escravo era pago em géneros e tu és pago em espécie, porque continuamos a pensar de forma determinista. Warren Buffett, o maior investidor de todos os tempos, num dos seus discursos anuais disse que os erros mais importantes que ele cometeu ao  longo da sua carreira e que lhe custaram mais, foram erros de omissão, algo que ele devia ter feito e não fez, e ele teve coragem para assumir isso publicamente, o que é muito raro acontecer: o normal são os gestores, esconderem e omitirem esses erros, é por isso que os sistemas e as organizações não mudam, e não mudam precisamente porque temos gestores, não temos líderes. O que os Gestores pedem aos colaboradores de uma empresa não é coragem, é conformidade, “nós fazemos aquilo que nos disserem para  nós fazermos” e enquanto formos geridos por pessoas que só estão preocupadas em cumprir os seus objetivos pessoais, motivados de forma extrínseca, e que se conformam com o atual estado das organizações, do país, e do mundo, vamos continuar a assistir à aceleração das desigualdades sociais e ao empobrecimento da sociedade. Aliás, se olharem para todas as alterações que são feitas nas organizações, são no sentido de passarem a ter mais conformidade, mais controlo, e não menos. Porque o objetivo é manter as coisas como estão e isso só é possível dentro de uma visão determinista e autocrática da sociedade, onde as pessoas são vistas como peças substituíveis de uma máquina, em que o dono as pode substituir quando quiser, é o que acontece quando uma grande instituição apresenta lucros e rescinde contratos unilateralmente com os seus funcionários. Nestes casos o ambiente não serve para explicar nada e a única relação utilizada para justificar tudo é a relação causa-efeito. O problema é que se acreditarmos que tudo é relativo, e que existe propósito próprio e livre arbítrio, e que uma instituição não é um sistema mecânico mas sim um sistema social onde as suas partes têm propósitos próprios, e onde a relação causa-efeito é necessária mas não é suficiente, e onde o ambiente é fundamental para entendermos  a realidade, concordamos que numa sociedade em acelerado ritmo de mudança, tu nunca consegues manter o status quo, isso não é possível, porque o ambiente está constantemente a mudar, e quando a tecnologia está pronta a ser utilizada, o ambiente para o qual aquela tecnologia foi planeada já mudou. Manter o mesmo sistema, melhorando a componente tecnológica, é aumentar a eficiência daquilo que já está obsoleto, e o resultado, é ficar mais rapidamente obsoleto, porque depois insistimos em usar essa tecnologia por razões económicas e financeiras, e portanto, falar em “business as usual”, neste contexto, é um absurdo. Existem gestores que levam isto ao extremo e dizem aos seus colaboradores que estão proibidos de errar, é o mesmo que lhes dizerem que estão proibidos de aprender, porque é através do erro que tu mais aprendes.

Reparem  numa criança quando está a aprender a dar os primeiros passos, ela para aprender a andar, tem de errar, tem de cair, só assim ela aprende, tu podes ensinar-lhe o que quiseres, porque ela só aprende quando cair a primeira vez. Mas o que nós temos promovido, não é a aprendizagem, é o grau de conformidade, e quanto menos erros cometeres, maior será a conformidade, é por isso que muitos gestores defendem “0 erros”, isso provoca um estado de estagnação e atrofia no ser humano que faz com que ele se sinta sem autonomia para tomar decisões e sem energia para a ação, e dessa forma mais facilmente manipulável e controlável. Querer que seres humanos se comportem como Robôs ou escravos, em que a única coisa que lhes é pedida é que não cometam erros, que se conformem com o ritmo acelerado da mudança, sem questionar as posições de autoridade, que cumpram instruções sem autonomia, sem sentimento de pertença, onde trabalhar, 40 a 100 horas por semana é o exemplo a seguir, e é permitido por lei, sem terem diversão e prazer no trabalho que fazem, é altamente desmotivador, desmoralizador, e destrói por completo a psique humana, causando todo o tipo de patologias e psicopatias a que estamos habituados a assistir no nosso quotidiano. Isso tem provocado a proliferação de todo o tipo de doenças do foro mental, psicológico e físico, contribuindo para uma sociedade doente, e refém do “sistema de doença” Portanto, temos uma sociedade doente, muito preocupada com o tratamento de dados, com muita informação, algum conhecimento, muito pouco entendimento, e com nenhuma sabedoria. Isto é sustentável? Não. É por isso que não temos líderes, pessoas altruístas, corajosas, humildes, honestas, verdadeiras, que agem de acordo com aquilo que pensam e que sentem, com coragem de assumir publicamente as suas responsabilidades pelos erros de omissão, e de comissão, e o resultado é um sistema determinista, onde as pessoas não têm direito a ter propósito próprio, elas têm uma função que cumpre o propósito da organização, e isto, no longo prazo leva à alienação do trabalho e a todo o tipo de problemas psicológicos, mentais e físicos, causados pela supressão de emoções e sentimentos, e isto já começou a afetar as nossas crianças, e cada vez mais cedo as crianças estão a necessitar de apoio psicológico e psiquiátrico. Isto é o resultado deste sistema, desta forma de pensar. Não é normal crianças consideradas normais, de 4, 5 anos de idade, que não pertencem a famílias desestruturadas precisarem de apoio psicológico e psiquiátrico. Todos as pessoas que se encontram em posições de autoridade têm contribuído para esta realidade. O problema da guerra, da inflação, do preço do petróleo, e todos os outros problemas, são consequências “do problema”. São consequências da nossa forma determinista de pensar, da nossa forma de tratar os erros, das nossas crenças, dos nossos hábitos, no fundo, de tudo aquilo a que chamamos de cultura. As oportunidades de aprendizagem são incríveis, e se começarmos todos a tratar os erros de outra forma isso pode fazer toda a diferença. (Marco Garcia)




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