Prólogo: Na
gíria futebolística costuma-se dizer que “equipa que ganha não se muda”. O artigo anterior do Marco, com o qual
simbolicamente terminei o ano de 2022 aqui no blog, teve níveis de
visualizações estrondosos, batendo manifestamente o meu recorde de views
aqui no blog. Estou muito feliz por saber que o Marco teve esse sucesso nesta
minha humilde página e que esteja a sentir o prazer que é esta atividade
maravilhosa da escrita. Por esse motivo, queria começar 2023 neste blog com um
novo artigo que gentilmente o Marco preparou. Estou certo de que o leitor vai
gostar. Como criador deste blog, sinto-me realizado em saber que criei aqui uma
pequena comunidade que leva para casa interessantes reflexões de várias
temáticas e que consegui, no caso do Marco, que ele desse o passo seguinte e
arriscasse tornar públicas as suas reflexões de final de dia. Sem mais
delongas, um novo texto do Marco. (Luís Araújo)
Existem pessoas
que nos ensinaram a sermos quem somos, através de mensagens valiosas, que
moldaram a nossa personalidade, e que ajudaram a construir a nossa mente. Eu
apenas tento que essas mensagens e essas pessoas não fiquem esquecidas, e
perdidas no tempo, porque são importantes para percebermos quem somos, de onde
viemos, onde estamos, e para onde queremos ir, no fundo, para tentarmos
perceber melhor o mundo em que vivemos, para aprendermos a viver melhor em
sociedade. Isto são questões muito simples de fazer, mas muito difíceis de
responder, e para as quais ainda não temos resposta. Isto porque, o mundo está
em constante mudança, e quando pensamos que temos a resposta certa, tudo muda.
Os maiores cientistas do século XIX, em meados do século, acreditavam que por
volta de 1900 já teríamos o total entendimento do Universo. Mas entretanto,
outras mentes brilhantes surgiram (como Einstein, Max Planck, Niels Bohr,
Heisenberg, Bell, Marconi, Edison, Tesla,
entre muitos outros), para desafiar essa crença, e o que sabemos hoje é
que o nosso conhecimento sobre todo o Universo é de apenas 6%, portanto, os
cientistas não são melhores a fazer previsões do que os matemáticos, ou os
economistas ou os juristas, e que o total entendimento do Universo, ou o
entendimento de qualquer matéria ou assunto, é algo que nos vamos aproximando,
mas que é impossível de alcançar.
Por esse motivo
as posições de autoridade e poder são uma ilusão criada por pessoas que julgam
estar numa melhor posição que todas as outras, mas isso não é verdade: se conseguirmos entender isso, conseguimos
colocar tudo em perspetiva, e conseguimos perceber que, existem pessoas que são
muito menos do que aquilo que tentam parecer ser, e outras, que são muito mais
do que aquilo que tentam parecer ser, independentemente da sua ideologia,
riqueza, título ou cargo. Isso mantém-nos humildes acerca daquilo que somos, e
essa humildade é importante para continuarmos a evoluir como espécie, e
utilizarmos mais a nossa mente consciente.
Todos temos uma
mente consciente, só temos de a querer usar, e é isso que têm feito os grandes
pensadores ao longo da História. O professor Russell expandiu o nosso
entendimento acerca da forma como tentamos entender os sistemas dos quais nós
fazemos parte, e apresenta uma teoria inspiradora sobre a forma como nós os
percecionamos: começa por definir uma máquina como um sistema que não tem
propósito próprio, que tem uma função que é servir o propósito de alguma coisa
externa, o seu “Deus”. O Universo era visto desta forma, mas também os
primeiros negócios. Quem é o “Deus” dos primeiros negócios? O dono que os
criou. Ele era presente e todo-poderoso, e não havia nenhuma lei que o
impedisse de fazer o que ele quisesse, ele era “Deus”, e o negócio existia para
servir os seus propósitos, ele não tinha propósito próprio. E qual era o seu
propósito? Obter lucro. E então Milton Friedman, laureado com o Prémio
Nobel da Economia em 1976, e que estava sempre atrás no tempo, chegou, e disse
que a única legitimidade do negócio é o negócio. Isto é uma visão completamente
mecânica e determinista de se ver um negócio, o negócio como uma máquina. O
negócio é um instrumento dos seus donos, e a única responsabilidade do negócio
é maximizar o valor da máquina para os seus acionistas, e Friedman, em
1970 num artigo que escreveu para o New York Times, sai-se com a maximização do
valor para os acionistas, porque acreditava que se se distribuísse parte dos
lucros pelos acionistas, estes fariam uma melhor utilização desse valor na
sociedade do que se os distribuísse para a caridade. Já todos percebemos que
isso não é verdade, e Oliver Hart, Prémio Nobel da Economia em 2016
acabou por reconhecer isso mesmo, e dá o exemplo de uma companhia que obtém
lucros poluindo um lago.
Na visão de Friedman,
a companhia devia poluir o lago, aumentar os lucros, e entregar os dividendos
aos acionistas, e depois, se eles quisessem, eles podiam mandar limpar o lago.
É assim que a maioria das nossas instituições são geridas atualmente, mas já
percebemos que isso poderia ter um custo muito maior, se o lago não fosse
poluído logo de início. Em conclusão, a ideia que o CEO deve preocupar-se
apenas com o aumento dos lucros para os seus acionistas, está errada, aliás, se
ele quiser ser leal para com os seus acionistas, que é aquilo que o dever
fiduciário significa, ele deveria de lhes perguntar o que é que eles querem,
isso seria a coisa leal a fazer, em vez de assumir que é obter lucro, às custas
de tudo o resto (funcionários, clientes, fornecedores, ambiente, Estado e a
sociedade em geral).
Agora, voltando
á forma como tratamos os sistemas, quando Bertalanfy chegou com os seus
papéis, ele disse que um organismo é um tipo diferente de sistema. É um
sistema, mas é diferente. Porque um organismo tem propósitos próprios. Qual é o
principal propósito de qualquer organismo? A sobrevivência. E para poder
sobreviver tem de crescer. Então temos um sistema que procura a sobrevivência
ou viabilidade, e o crescimento é visto como necessário, então onde se colocam as
suas partes e os seus órgãos? Eles não têm qualquer propósito, têm uma função.
Vejam o vosso coração, pulmões, o estômago e o pâncreas, têm funções, mas não
propósitos próprios. É interessante olharmos para uma empresa depois da Primeira
Grande Guerra. Antes, a maioria das empresas era detida por um único dono, ou
uma família, e ele era “Deus”. Os sindicatos estavam a começar a aparecer
apenas para desafiar o poder do dono, mas muitas coisas estavam a acontecer,
nomeadamente a educação da força de trabalho. Em 1900 a literacia da população
nos Estados Unidos, (o país mais evoluído do mundo contemporâneo), equivalia a 3
anos de escolaridade, mas no final da Primeira Guerra Mundial, passou para 8
anos, devido à educação pública.
Mas a questão
crítica que ocorreu, e que produziu esta transformação, da maneira como olhamos
para uma empresa, foi o facto de a economia dos Estados Unidos ser tão saudável
que as oportunidades de crescimento excederam a quantidade de crescimento que
as empresas conseguiam atingir, mesmo reinvestindo todos os seus lucros. Se uma
empresa agarrasse em todos os seus proveitos e os reinvestisse no seu próprio
crescimento, não conseguia crescer tão rápido quanto possível, e então o
principal problema que o dono da empresa tinha era o de reter o controlo
exclusivo, continuava a ser “Deus” e restringia o crescimento, ou partilhava o
crescimento com outros contribuintes de capital, e deixava de restringir o
crescimento. As companhias que sobreviveram abriram o seu capital ao público,
por via das ações, todas as grandes corporações como a GE, abriram o seu
capital ao público, ou seja, qualquer pessoa podia investir na empresa. As
empresas aumentaram o capital para que pudessem crescer, e nesse processo,
“Deus” desapareceu. Existe uma maravilhosa passagem no trabalho de Peter
Drucker que reconhece isto. Ele disse: “Deus desapareceu, tornou-se um
espírito abstrato por aí, e melhoramos uma instituição para facilitar a
comunicação entre o homem e Deus, que são os acionistas, eles são o espírito
abstrato”. Como é que os gestores sabem a vontade de “Deus”? Pela revelação.
Mas o interessante é que toda a linguagem dos negócios se tornou biológica. O
CEO da empresa passou a chamar-se como? The Head, a cabeça. A cabeça é
um conceito, ou, se se preferir, uma noção biológica: nunca ouviram falar da
cabeça de uma máquina! A firma era chamada de corporação. O que é que está na
base da palavra corporação? Corpus ou corpo. Na Segunda Grande Guerra
passamos por outras transformações nos Estados Unidos que impactaram o mundo
inteiro, por uma série de razões, mas a principal foi esta: a força de trabalho
foi arrastada para o esforço de guerra numa altura em que era preciso produzir
armamento, mais do que nunca, quem é que foi chamado para as fábricas? Quais
foram os substitutos? As mulheres, e aqueles que não podiam ir para a guerra. E
foi a primeira vez que a força de trabalho não foi motivada economicamente, e porquê?
A força de trabalho que queria trabalhar não o tinha de fazer para sobreviver,
porque as famílias dos militares recebiam um subsídio pago pelo Estado que lhes
permitia sobreviver acima do nível da pobreza, e foi a primeira força de
trabalho em que isso aconteceu, e tiveram uma atitude diferente para com o
trabalho. “Se querem que eu trabalhe, têm de me prestar atenção, eu não sou uma
máquina que se pode usar e descartar quando quiser, quando não sirvo os
propósitos, eu estou aqui por patriotismo, por uma causa nacional, e é bom que
me prestem atenção. E pela primeira vez, a gestão teve de pensar na força de
trabalho como seres humanos.
O que aconteceu
a seguir à guerra, foram partes de sistemas que começaram a organizar-se para
protestar da forma que o sistema os afetava, o sistema do qual eles faziam
parte, eles diziam – “olha, eu tenho propósitos próprios e quero que prestes
atenção a eles, e se não o fizeres, eu vou lixar-te”. Reconhecem isto? É claro
que reconhecem. Isto foi o movimento anti racista, onde as minorias protestavam
contra a forma como a sociedade estava a servir os seus interesses; foi o
movimento de libertação das mulheres, onde as pessoas discriminadas pelo sexo
protestavam com a sociedade pela forma como ela servia os seus interesses, foi
o fosso geracional, foi o problema da alienação do trabalho, foram uma série de
problema que ficaram sobre o nome de humanização, que tinha a ver com o facto
da sociedade ter ficado ciente de que as pessoas empregadas eram seres humanos
com propósitos próprios. Simultaneamente formaram-se grupos lá fora que
protestavam sobre a forma como as organizações os afastavam: “têm de servir os
meus propósitos melhor, senão eu meto-vos em trabalhos”, reconhecem isto? É
claro que reconhecem, foi o movimento ecológico e o movimento dos consumidores.
De repente os gestores de sistemas encontravam-se confrontados com 3 níveis de
propósitos. O propósito da empresa ou do próprio organismo, o propósito das
suas partes, e o propósito dos sistemas maiores do qual eles faziam parte, e de
sistemas maiores nesse ambiente. E em nenhum destes níveis existiam objetivos
compatíveis.
A natureza da
gestão passou por uma mudança fundamental, e ainda não a apanhámos, o problema
é que apanhou a gestão, porque continuam a gerir organismos biológicos,
continuam a agir como se a instituição fosse um organismo. O que se passa é que
existem sistemas que são máquinas, existem sistemas que são organismos, e
existem sistemas, que são sistemas sociais. Não se trata as máquinas como se
fossem organismos, mas trata-se os organismos como se fossem máquinas, fazemo-lo
várias vezes, temos a tendência de tratar organismos como máquinas, e até mesmo
sistemas sociais como máquinas: tem uma certa utilidade, mas não tem tanta
utilidade como olhar para um sistema social, como um sistema social, e olhar
para um organismo como um organismo, e olhar para uma máquina como um sistema
mecânico, isso é uma das coisas que temos de aprender a fazer. Uma instituição
é um sistema social porque é constituído por pessoas, e não podemos continuar a
tratar as pessoas de uma forma orgânica como se elas fossem apenas uma função.
O problema é que a tecnologia avançou, mas a mentalidade das pessoas permaneceu
a mesma, devido à forma como desenhámos o ensino, a sua visão da natureza da
realidade permaneceu a mesma, e estamos a tentar resolver os problemas da era
digital, exatamente da mesma forma que tentámos
resolver na era na Revolução Industrial do século XIX, a única diferença
é que, na Revolução Industrial estávamos a tentar substituir o músculo por
máquinas, e na revolução digital, estamos a tentar substituir a mente humana
pela mente digital, sistemas de inteligência artificial e robôs, mas estamos a
fazê-lo exatamente da mesma forma . Estamos a criar linhas de montagem para
executar trabalho mental, significa que aprendemos muito pouco acerca dos erros
cometidos na Revolução Industrial, continuamos a utilizar a mente humana para
fazer o trabalho que a mente digital ainda não consegue fazer, ou faz de uma
forma mais dispendiosa, quando deveria ser precisamente o contrário, e estamos
a reduzir a mente humana à mente digital, porque continuamos a pensar de forma
analítica, algorítmica, ou, se se preferir, determinista. A ironia da revolução
digital, é que, no esforço de libertarmos o homem da necessidade de executar
trabalho mental, construímos cérebros digitais, que o fizessem por ele, analisamos
as tarefas até aos seus elementos, para facilitar a digitalização, mas como
nunca o conseguimos fazer totalmente, levámos o homem a comportar-se como um
Robô, nós desumanizamos novamente o trabalho. Isso é a grande ironia da
revolução digital, assim como já o tinha sido na Revolução Industrial, e isso
tem estado a provocar a alienação do trabalho em números nunca vistos,
provocando a proliferação de todos os problemas psicológicos, mentais e físicos
a que temos assistido nos últimos anos. (Marco Garcia)
Sem comentários:
Enviar um comentário