“O espírito do
homem não se pode contentar em viver com o seu tempo, como faz com o corpo.”
Já há algum tempo
que tenho visto, lido e ouvido a expressão que fulano tal ou equipa tal está/estão
“a Leste do Paraíso”, mas confesso que nunca soube a origem da expressão. O Paraíso
é algo que tentamos no nosso modo construir: lembro de tempos de medievais da Respublica
Christiana que a Igreja tentou construir; mas também me lembro do século
XIX e XX das experiências totalitárias que prometiam uma sociedade nova e um
mundo novo. Novo, até muito recentemente, tínhamos como melhor. E de certa
forma, ainda o temos.
O título deste
magnifico livro surge da referência bíblica dos irmãos Abel e Caim, cuja
história do primeiro homicídio ficou marcada na humanidade, tendo Caim, sido
expulso do Éden (o Paraíso) para um país a leste. Estar a Leste do Paraíso
significa por isso estar fora do Paraíso. Esta história bíblica é alvo de
diversas interpretações que, sendo crentes ou não, nenhuma pessoa escapa. Será
que devemos alcançar o Paraíso? Será que o Paraíso está fora das nossas
possibilidades e estamos condenados? Ou será (como sugere o autor) que podemos
alcançar o Paraíso?
O que entendemos
por Paraíso? Aquele jardim maravilhoso? O luxo incalculável? Um local e uma
vida perfeita, sem preocupações? Estas são as pertinentes questões que
Steinbeck nos convida a refletir.
O livro marca
duas gerações diferentes de duas famílias: os Hamilton, que têm como figura
principal Sam, o irlandês que emigrou para a Califórnia em busca de uma vida
melhor; e os Task, centrado na figura de Adam e os seus filhos, marcados pelos
traumas de guerra, conflitos familiares, sofrimento e terror, que procuram
também na Califórnia (primeiro rural e mais tarde urbana) construir o seu Éden.
O período
temporal da história é vasto, compreende desde períodos da Guerra Civil
Americana até ao final da Primeira Guerra Mundial. Acompanha um período de
aceleração do mundo, de modernização, de progresso, mas também de destruição.
Recordo em particular o narrador quando observa a transição do século XIX para
o XX, sentindo o que nós sentimos da passagem do século XX para o XXI: uma
História acelerada, com esqueletos, traumas, medos e incertezas sobre o futuro.
Pelo meio, imensas temáticas foram abordadas: o que dizer da condição social
dos primeiros asiáticos que foram para os EUA em condições absolutamente
desumanas? O que dizer dos soldados que combateram a Guerra Civil e os Índios,
temas esses que ainda hoje geram controvérsia no mundo, mas mais em particular
entre os americanos. Mas é na natureza humana que a génese da questão surge:
será que merecemos o Éden? Será que o homem é genuinamente bom ou tem uma
natural tentação mais forte para a maldade? Ao longo do livro, ao acompanharmos
as ações e falas dos personagens (tanto nos idosos como em adultos e crianças)
e vamos tendo visões muito diferentes sobre esta questão, ao sentirmos uma
sociedade que luta entre os valores conservadores, o trabalho honesto e a
procura do seu pequeno espaço, enquanto lida com o desejo íntimo, o desespero,
o crime, a prostituição, e a crueldade. É no meio de todo este contexto
político, social, religioso, científico e bélico que surgiram os Estados Unidos
da América como os conhecemos hoje, cuja principal diferença se calhar da
Europa é a de não terem tidos os séculos de história para cimentar todas estas
questões, como refere Steinbeck.
“Não sei o que
nos reservam os anos que estão para vir. Preparam-se monstruosas transformações,
forças extraordinárias que desenham um futuro cujo rosto desconhecemos. Algumas
delas parecem-nos perigosas, porque tendem a eliminar o que consideramos bom.”
O que mais
retirei da história foi a possibilidade de poder alcançar o Paraíso: diferente
do “dever” imposto pelos mais conservadores, e o “abandono” defendido pelos
menos crentes. Independentemente da situação em que estamos, a humanidade nunca
desistiu de tentar aperfeiçoar-se, por muito mal que as coisas estejam. Certo,
aqui e agora quem escreve (eu) e quem lê não consegue responder definitivamente
se o humano é bom ou mau, até porque a maioria de nós já vivenciou ambas as
faces, tanto o coração derretido como o horror. Eu não estou em posição de
responder a estas questões, se o Paraíso se alcança ou se constrói. Mas tal
como Steinbeck, acredito que cada um de nós é movido por uma força que se tenta
auto aperfeiçoar do nosso modo, e talvez (quem sabe) seja possível caminhar
mais para Oeste, em direção ao Éden. Era essa a mensagem que queria terminar esta
crítica, recomendado vivamente este magnifico livro.
“No meio de
tanta incerteza há uma coisa de que tenho a certeza: sob as mais espessas
camadas da sua fragilidade, os homens desejam ser bons e querem ser amados. Se
enveredam pelo vício é porque julgam ter tomado por um atalho que os levaria ao
amor.”
Antes de
terminar o artigo, um pouco na linha do que escrevi no artigo dos Miseráveis e agora
que está a terminar 2023, fazer uma retrospetiva sobre o que foi este ano. O A
Leste do Paraíso foi o meu décimo quinto livro lido este ano, e talvez por
ironia ou destino, sinto que o li na altura e no momento certo. Este foi um ano
duro para mim, quem me é mais próximo sabe disso, mas no meio de tanta coisa má
que aconteceu, coisas boas vieram: o lançamento do meu primeiro livro, as
férias que quis fazer desde pequeno, e o crescimento deste blog. Este ano teve
mais artigos e de pessoas diferentes, por isso deixo aqui o meu particular
agradecimento à Ana e ao Marco por terem aceite o meu convite de escrever aqui,
trazendo gente nova ao blog, conteúdo novo e escrevendo textos que
verdadeiramente deram que pensar no final do dia. Escrever e ler é maravilhoso,
e espero continuar nesta página com mais artigos, mais pessoas, mais temas e
mais conteúdo, criando (se permitirem) o meu pequeno Éden digital. Obrigado.
Impressionante. Este blog nunca falha, é em todas as leituras uma viagem ao além. Muitos parabéns meu querido RP
ResponderEliminarÉ sempre um gosto ter-te aqui Zoro ;) Muito obrigado pelo comentário :D
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