Prólogo: Recentemente, no contexto do Mundial de futebol no Qatar um canal
no Youtube lançou uma pequena série de documentários sobre aquela que foi uma
das mais polémicas competições desportivas de sempre. Para a compreender, era
necessário entender a nova ordem económica internacional que se começou a
formar a partir dos anos 70 e sobretudo 80, criando um mundo económico com
novas regras. Só muito recentemente a OMC e outras entidades transnacionais tem
introduzido temáticas na gestão como a sustentabilidade, o bem estar social e o
ambiente: sinais esses ousados para uns e demasiado tímidos para outros, em
todo o caso são sinais que se impõe um repensar da realidade económica. Neste
contexto, em boa hora o Marco regressa ao blog num artigo que apesar da sua
maioria ser desanimador e triste, termina simbolicamente com uma mensagem de
esperança. Esperança, aliás, foi o que sempre moveu a humanidade. Sem mais
demoras, o artigo (Luís Araújo)
A supremacia do acionista, foi uma ideia introduzida na literatura económica
nos anos 70 pelo prémio Nobel da Economia Milton Friedman. Friedman escreveu um
artigo a dizer que a responsabilidade social de uma companhia é maximizar o
lucro e que o objetivo de uma companhia era o benefício para o acionista, não os
benefícios sociais, e ele inclusive foi mais longe, afirmando que se as
companhias gastassem dinheiro em coisas sociais isso seria uma má utilização
dos recursos das companhias. A partir daí, algumas pessoas, levaram isto muito
a sério. Nas Universidades Norte Americanas nos anos 70, costumava-se fazer uma
pergunta aos seus alunos, que era tipo um dilema: Quem é que vinha primeiro? Os
empregados, os clientes ou os acionistas? A resposta esperada era “os
acionistas”, e isto também era ensinado nas escolas de Direito, muitos
professores de Direito das empresas pregavam que os acionistas deviam ser a
única preocupação dos CEOs. Friedman alegava que os acionistas eram donos das
corporações, e desde os anos 80 que esta ideia criou raízes na mente das
pessoas, quase todas as pessoas do meio académico em todo o mundo, acreditavam
nisto, e esta tem sido a visão dominante do mundo corporativo ocidental até aos
dias de hoje, e quando me refiro a empresas, refiro-me a grandes empresas,
seguradoras, bancos, empresas de comunicação, transformação, automação,
empresas públicas, entre outras. Todas as grandes empresas de todos os setores
de atividade nos últimos 20-30 anos andaram a enganar-nos. Eu não quero dizer
que elas nos tenham enganado por pagarem aos CEO’s, 20, 60 vezes ou 351 vezes
mais do que o trabalhador normal, não é isso que está aqui em causa, o que está
aqui em causa é o próprio sistema, é a cultura que foi instituída. As pessoas
que criaram esse sistema têm estado alinhadas com uma determinada ideia, uma
ideologia, que tem funcionado como uma espécie de mantra, é quase como uma
religião. A ideia de que os acionistas são donos das empresas e que o único
propósito de uma companhia é maximizar o lucro para o acionista ou associado.
Contudo, se entendermos o que é uma ação de uma empresa, percebemos que essa
ideia está errada. O que é uma ação? Uma ação é um contrato entre o acionista e
a corporação que dá aos acionistas direitos muito limitados, assim como os
obrigacionistas tem um contrato com a corporação que lhes dá direitos muito
limitados e assim como os empregados tem um contrato com a corporação que lhes
dá direitos muito limitados, portanto, do ponto de vista legal, o que o Milton
Friedman alegava - “que os acionistas são donos das empresas”, está errado logo
no início. Por incrível que pareça, esta ideia encontrou apoiantes em todos os
setores da sociedade e tem sido pregada em todos os púlpitos do mundo ocidental
nas últimas três décadas, esta ideia foi amplamente aceite e tem sido promovida
por Professores Universitários, Jornalistas, Juristas, Constitucionalistas,
Economistas, Gestores, Órgãos Governamentais e Judiciais. Esta noção tornou-se
muito apelativa para os Economistas, porque deu-lhes uma forma simples de
explicar o propósito de uma corporação, e também uma métrica para medir o
desempenho de uma empresa. Se pensarem que os acionistas são os donos, ou como
alguns economistas mais sofisticados lhe chamam de reclamantes residuais, então
têm um objetivo corporativo muito fácil de medir. A ideia é que, enquanto tu
maximizares o valor da ação da empresa, tu maximizas as contribuições sociais
que a firma faz. Porque, todos, de acordo com a teoria económica, obtêm aquilo
que está nos seus contratos, os obrigacionistas recebem os juros, os empregados
recebem os seus salários, e os acionistas como donos devem ter todos os
centavos de proveitos que sobrarem depois da firma pagar os custos fixos dos
outros participantes, e se tu fores um economista dizes, isto é brilhante, tudo
aquilo que temos de fazer em termos das melhores recomendações para gerirmos
empresas é perceber o que é que podes fazer para aumentar o valor da ação, e
temos um pequenos negócio para os consultores económicos e financeiros. Então
os Economistas e os Consultores adoram esta ideia, até os Jornalistas de
Negócios e Professores adoram esta ideia, porque tornam as empresas como
entidades muito fáceis de entender. E podes explicá-la num parágrafo se fores
um Jornalista, ou aos teus alunos se fores um Professor numa escola de negócios.
Agora, isto teve implicações graves
na sociedade, porque não são apenas os CEO’s e os Administradores que
estavam alinhados com esta ideia: todas as chefias intermédias, todos os
quadros de direção estavam alinhados com esta ideia, e os seus trabalhadores,
se queriam subir na carreira tinham de fazer o que as chefias intermédias
mandavam, daí a célebre frase, “quem pode manda e quem deve obedece”, e as
pessoas começaram a ser tratadas como partes de um todo em que o todo tinha um
propósito próprio, que era maximizar o valor do acionista, mas as sua partes
não tinham propósito próprio, o propósito delas era servirem o propósito da
corporação, e enquanto os trabalhadores eram pouco instruídos, isto resultou,
agora, a partir do momento em que os trabalhadores começaram a ser mais
instruídos, tudo mudou, porque, agora tu tinhas uma classe trabalhadora
instruída, que investiu dinheiro, tempo e energia, para poderem levar uma vida
digna e com sentido, e aquilo que encontraram quando entraram no mercado de
trabalho foi, frases do tipo, “ tu não estás aqui para pensar, tu estás aqui
para trabalhar e fazer o que eu te mando, porque eu é que sou o chefe, se não
gostas, podes ir-te embora” ou melhor ainda “ não queres fazer o que eu te
mando, não concordas comigo, então, amanhã escusas de vir trabalhar, porque nós
não te queremos aqui, existem muitos lá fora a querer este trabalho” e quando
queriam explicar algo, diziam frases do tipo “ olha, vou explicar-te como se
fosses uma criança de 5 anos” , começaram a micro gerenciar os trabalhadores ao
segundo, e o medo instalou-se, as pessoas começaram a ir para o trabalho
motivadas pelo medo, medo de perder o emprego, medo de falar com o colega do
lado, medo de serem elas próprias, porque, a partir do momento que decidiam
ficar, sabiam que tinham de aguentar todo o tipo de hostilidades de colegas e
chefias intermédias. Os americanos têm uma expressão engraçada para este tipo
de pessoas, que bajulam os chefes e fazem tudo o que eles mandam, eles
chamam-lhes “cães de colo” e existem também os chamados “cães de fila” estes,
são aqueles que andam á procura dos erros dos colegas, para lhes apontar o
dedo, e os entregarem às chefias intermédias, para que as chefias intermédias
possam ter culpados para entregarem aos CEO’s de forma a justificarem os pobres
resultados da sua gestão, e são estes que normalmente sobem na carreira,
fazendo, aquilo que é errado. Antigamente as pessoas que entregavam os
companheiros às autoridades, eram chamadas de traidores, e eram condenados por
conduta imprópria para com o seu semelhante, mas neste sistema, essas mesmas
pessoas são promovidas a cargos de chefia, e passaram a ser muito valorizados
no mundo empresarial e a terem muito poder dentro das organizações, e depois as
pessoas admiram-se pela fraca produtividade das empresas. Outra implicação
importante que este tipo de ideologia teve, é que os trabalhadores passaram a
ser vistos como funções, e não como seres humanos com propósito próprio, e a
partir daí, a saúde dos trabalhadores, das famílias e da sociedade em geral
começou a ir pelo cano.
Agora, isto teve outra implicação,
dado que o único propósito de um CEO e do seu conselho de administração é
maximizar o lucro para os acionistas ou associados, o seu ordenado passou a
estar ligado a esse lucro ou ao preço das ações, e passou a ter uma parte
variável que está associada ao cumprimento de objetivos financeiros
quantitativos e qualitativos, denominados objetivos de desempenho individuais,
e foi daqui que apareceram os objetivos de desempenho individuais. O
cumprimento destes objetivos permite a maximização do lucro para os acionistas
ou associados da instituição. Mas, como é que isso se consegue? E a resposta é
muito simples: aumentar proveitos e reduzir custos, qualquer aluno do ensino
básico consegue dizer isto. Quais são os maiores custos que essas companhias
têm? Exatamente, custos com o pessoal, agora, se tu fores administrador ou
Presidente de uma grande empresa, em que o teu propósito é maximizar o lucro do
acionista, de preferência no próximo trimestre, qual vai ser a tua melhor
estratégia? Exato, cortar nos custos com o pessoal. Como:
- Reduzes os custos de todos os empregados em 40% (exceto dos executivos de
topo);
- Eliminas as pré-reformas para todos os trabalhadores (exceto para os
executivos de topo);
Como:
- Começas por despedir 25% da tua força de trabalho, substituindo-a por
outsourcing ou nova tecnologia, IA, machine learning, automação. Cortas nos
benefícios sociais, congelas as promoções, deixas de pagar horas extra.
Aumentas a competição e o medo para que as pessoas trabalhem mais horas não
pagas. Crias mais funções e tarefas para cada pessoa, e por cada pessoa que
sai, entra uma nova a ganhar 1/3 da que saiu.
- Utilizas políticas de esmagamento de preços para com os teus
fornecedores.
Isto foi apenas um exemplo, porque existem muitas técnicas de cortar custos
com o pessoal, e esta questão dos objetivos individuais de desempenho, começou
a ser utilizada também nos próprios trabalhadores, para aumentar a competição
entre eles e aumentar ainda mais o medo. O facto dos CEO’s, terem objetivos de
desempenho, e estes estarem ligados à maximização do lucro para o acionista ou
associado, teve ainda uma outra implicação bem mais grave para a sociedade, é
que em tempos difíceis, de forma a cumprirem o seu objetivo os CEO’s e
Administradores vão sangrar os trabalhadores até ao tutano, e vão utilizar
práticas menos próprias para atingirem os objetivos, como foi o caso da
Volkswagen que mentiu e fez batota com as emissões de CO2. E têm sido este tipo
de estratégias que os CEO’s das grandes empresas têm utilizado nos últimos 30
anos, tudo motivado pelo seu propósito de maximizar o valor do acionista.
Agora, a pergunta que devem fazer é, como foi possível enganar as pessoas
durante tanto tempo sem que elas se tenham revoltado? Um dos fatores que contribuiu para isso foi o
aumento de instrução, e o outro foi o endividamento das famílias. Porque,
quando controlas aquilo que se ensina em todo o mundo, e quando hipotecas a
vida das pessoas, passas a controlar a sociedade, os governos passam a ser um
meio para exerceres esse controlo. Num mundo capitalista, quem controla o mundo
é o capital, e as Universidades estão ao serviço do capital, não estão ao
serviço das pessoas como muitos pensam. O negócio das Universidades não é o
ensino, é o controlo, quanto mais pessoas instruídas tiveres neste sistema,
maior é o controlo que tens sobre elas, e qualquer pessoa que tenha tirado um
curso em finanças, direito ou economia au até mesmo um MBA, pode dizer-vos
isso, eles até ensinam a manipular os números para as empresas pagarem menos
impostos ao estado, eles explicam muito bem como é que deves sangrar uma
empresa, e tudo isto é legal, porque são eles que controlam as leis, fazendo
pressão sobre o poder político e judicial, sobre os reguladores, e as
consequências destes atos já começaram a aparecer, agora, vocês conseguem
perceber quais as implicações em termos sociais que esta ideia teve na
sociedade e no mundo ocidental, porque, dado que as Universidades são
Instituições Universais, aquilo que os seus professores ensinam, espalhasse
pelo mundo, e a pergunta que se deve fazer aos jovens hoje em dia, não é se
querem ir para a Universidade, ou qual a Universidade que pretendem frequentar.
O que devem perguntar aos jovens, é o que querem aprender, e o que querem ser,
que tipo de pessoas se querem tornar, e se aquilo que querem aprender, é
correto, e se é ensinado nas Universidades, e em muitos casos não é. As
Universidades fazem o que as grandes empresas precisam que elas façam, se o
propósito das empresas é maximizar o lucro para o acionista, é isso que as
Universidades vão ensinar, vão ensinar como é que se faz, vão dar-te
conhecimento, mas não te vão explicar porquê que se faz como se faz, ou se
existe uma outra forma de se fazer, ou seja, não te dão entendimento, porque no
fundo, isto é tudo um grande negocio, os alunos que saem das Universidades são
a matéria prima das grandes empresas, e as grandes empresas não querem ser
questionadas acerca das decisões que tomam. As Universidades são instituições
que estão ao serviço do mercado, e quem controlar o mercado, controla as
Universidades, e por aí fora, se a isto juntares o aumento do endividamento das
famílias, deixando-as completamente nas mãos das instituições financeiras,
compreendes porque é que as pessoas não se revoltam, tudo está interligado. O
problema é que os jovens não querem viver neste tipo de sociedade, porque, se
as Universidades estiverem a ensinar aquilo que é errado, e muitas delas estão,
então, estaríamos todos bem melhor com
CEO’s e Administradores e Diretores sem formação, e é por isso que eu digo que,
como cidadãos fomos enganados, e só agora é que começámos a aperceber-nos
disso, porque não queremos que os nossos
filhos passem por aquilo que nós não deveríamos ter passado, e nem eles querem
passar por aquilo que nós passámos, agora, imigrar não é a solução, porque o
mundo hoje em dia é global, e os problemas são globais. Outra implicação que
esta ideologia teve na sociedade foi a questão do aumento do controlo, da
regulação e da supervisão no mundo ocidental, porque, tiveram de criar um
sistema que conseguisse lidar com os problemas gerados por esta ideologia, só
que esse sistema tem criado mais problemas do que aqueles que tenta resolver,
porque as pessoas estão falidas em todos os sentidos. Quando ouvimos falar que
o País está falido, temos de entender que o país são as pessoas, o País não é
uma figura abstrata, o País não é o Governo, o País somos nós. As empresas
estão a gerar menos dinheiro, porque o seu propósito não levou em consideração
a natureza sistémica de uma corporação, porque todos fazemos parte do mesmo
sistema, e todas as partes desse sistema estão interligadas, portanto, se o
principal foco dos CEOs é aumentar o lucro para o acionista, será que esse
lucro tem crescido assim tanto, como era esperado? Será que o retorno para o acionista ou
associado justificou todas as atrocidades que foram feitas, pelos seus CEOs? Será
que os acionistas e associados estão satisfeitos? Será que esses ganhos foram
superiores aos da década de 50-80 onde utilizavam um propósito mais pró-social?
E a resposta é um redondo não. O número de companhias na bolsa dos Estados
Unidos caiu de 9000 no início dos anos 90 para 2 385, no início de 2023. A
esperança de vida destas companhias decresceu ainda mais severamente. A média
das empresas que constavam da Fortune 500, estava lá por 60 anos, à mais de
umas décadas atrás. Hoje essa média é inferior a 15 anos. As companhias
listadas na Fortune 500 diminuíram 88% desde a década de 80.
A bolsa de valores de Lisboa, entre 2000 e 2018 perdeu 91 empresas, na
última década por cada entrada no mercado registavam-se 3 saídas, na última
década a Bolsa viu sair 18 empresas e só entraram 6. Segundo a McKinsey “isto
devesse à carência de saúde organizacional das empresas, à falta de capacidade
de empenho dos funcionários, às mudanças proporcionadas pela tecnologia na
comunicação com colaboradores e fornecedores, e no alinhamento dos gestores.”. As
companhias estão a cortar no valor reinvestido. Costumavam reinvestir 40% ou
mais dos seus proveitos, agora esse valor representa menos de 10%, mas o mais
estranho é que maximizar o valor dos acionistas, não tem maximizado o valor dos
acionistas, o retorno para os acionistas é relativamente menor do que era entre
os anos 50 e 80, quando os CEOs tinham um propósito alinhado com todas as
partes interessadas, e achavam que esse propósito era algo muito complexo, isto
não tem sido apenas nos Estados Unidos mas em todo o mundo. O que é que está
errado?
“O problema da filosofia de maximização de lucro do acionista, é que, é
apenas uma ideologia, não é apoiado em factos, não é apoiado pela legislação
comercial, e não é suportado pela economia empresarial, quando tu entendes o
que as empresas realmente são. Já olhamos para algumas das evidências e já
vimos como o abraçar do pensamento da maximização do lucro para o acionista,
levou ao declínio do número de empresas, da esperança de vida das empresas, da
reduzida inovação, da redução do investimento, e até da redução do retorno dos
acionistas”, Agora, os CEO’s e Administradores estão muito confortáveis com
esta situação porque, nunca em toda história da humanidade, os CEO’s e Administradores foram tão bem remunerados,
como têm sido nos últimos 30 anos. Até início dos anos 80 o conselho de
administração tinha um ordenado que era superior ao da maioria dos
trabalhadores mas não tinham prémios de desempenho, em alguns casos existiam
vendedores que conseguiam ganhar mais do que o Administrador, o seu salário
andava a par com o crescimento do salário dos outros trabalhadores e a par com
o crescimento da empresa. O que assistimos a partir da década de 80 foi um
aumento da remuneração dos CEO’s e Administradores em relação aos restantes
trabalhadores, que era superior ao crescimento da empresa, ou seja, o salário
dos trabalhadores estagnou e em alguns casos diminuiu, e a remuneração dos
administradores continuou a crescer a um ritmo superior ao da própria empresa,
principalmente nos últimos anos, portanto, os CEO’s estão muito confortáveis
com a governança corporativa atual, e com a primazia do acionista, por outro
lado, os trabalhadores, os clientes, os fornecedores, a comunidade, os
acionistas, os associados , a sociedade em geral e o País têm sofrido com este propósito
da primazia do acionista ou associado, e
isto tem afetado os ganhos de longo prazo das acionistas e associados das
empresas, e tem afetado o crescimento da economia, da sociedade e do País, e se
não forem criadas leis que ponham fim a esta escalada injustificada da
remuneração dos acionistas, e que acabem definitivamente com as avaliações de
desempenho individuais, que são práticas anti sistémicas, todas as partes
interessadas vão continuar a sofrer, a sociedade vai continuar a sofrer, e o
País vai continuar a sofrer, ficando a mercê de ativistas radicais.
Entre os anos 50 e 80, trabalhar numa grande empresa era sinónimo de
sucesso profissional, era o sonho de muitos jovens quando saíam da
Universidade, ou quando terminavam a escolaridade obrigatória. E este sonho tem
vindo a desvanecer-se, e muitos imigram
para outros países na esperança de encontrarem uma empresa que sirva os seus
propósitos, não só financeiros mas também sociais, acontece que se deparam com
a mesma realidade, com a mesma mentalidade e muitos deles começam a perder a
esperança, e deixam de acreditar que os negócios são uma força para fazer o bem
no mundo, e que contribuem para a progresso social, contribuem para fazer
aquilo que é correto, e não apenas para fazer as coisas corretamente. É
preferível errar a fazer o que é correto do que fazer corretamente o que é
errado, e nós como sociedade, nos últimos 30 anos, insistimos em fazer
corretamente o que é errado. Se errares a fazer o que é correto e identificares
o erro, podes corrigi-lo, e melhorar, agora, se fizeres corretamente o que é
errado vais ficar cada vez mais errado.
Esta distinção é crítica para percebermos a diferença entre uma
sociedade assente em valores e uma
sociedade assente em resultados, isto explica a diferença entre eficácia e
eficiência, e como os CEO’s e Administradores não estavam a querer entender
esta diferença, e continuavam muito confortáveis a fazerem o seu business as
usual, ganhando rios de dinheiro, à custa de todas as partes interessadas,
incluindo as três principais, empregados, clientes e comunidade, que são os
principais investidores de longo prazo, em 2018 Larry Fink, Chairman e CEO da
BlackRock, a maior empresa de gestão de
ativos do mundo, que gere mais de 9 triliões de dólares em ativos, decidiu
enviar uma carta a todos os CEOs das empresas em que a BlackRock tinha ações, e
introduziu a ideia de propósito. Qual
foi a lógica do Larry ? Ele tinha uma visão que o sentido de propósito
teria longo prazo e se não pensassem no longo prazo, ficariam vulneráveis a
ativistas, e por último, se não conseguissem fazer melhor não iriam ser
suportados pelos acionistas chave, incluindo os cidadãos.” O senso de propósito
é crítico para atingir o potencial máximo. Então Larry escreveu uma outra carta
em 2019, e esta carta foi muito importante. Ele agarrou nesta ideia geral de
propósito e empurrou-a para a frente, e tornou-a um pouco mais específica, e um
pouco mais concreta. O propósito não é um slogan numa campanha de Marketing de
uma empresa, é a razão fundamental para a sua existência. Porquê que nós
existimos? O que é que nós fazemos para além de criarmos valor para os
acionistas? Os lucros não são inconsistentes com o propósito, e isto é muito
importante, os lucros e o propósito estão intrinsecamente ligados. Foi esta a
carta do Larry”. No fundo, Larry fala sobre o capitalismo das partes
interessadas, e ele disse o seguinte -
“ Se tens uma voz forte nas tuas três maiores partes interessadas, os teus
clientes, os teus empregados, e a tua comunidade, as tuas últimas partes
interessadas, os teus acionistas, recebem proveitos fortes, longos e
duradouros, e isso prova que se olharem para as companhias que têm voz,
companhias que tem um forte capitalismo das partes interessadas, como parte dos
seus princípios, essas companhias tem um melhor desempenho, do que aquelas que
estão silenciosas……os nossos empregados querem que nós tenhamos uma voz, os
nossos empregados pedem-nos para nós termos uma voz……. Como eu disse no início,
nós, como uma companhia de gestão de ativos, nós desempenhamos um papel muito
importante no mundo, somos próximos daqueles que são os donos do capital, e das
companhias das quais nós gerimos, e nós temos uma enorme responsabilidade real
em gerir 9 triliões de dólares de dinheiro de outras pessoas, essa
responsabilidades é enorme, quando gerimos dois terços dos nossos ativos que
são ativos de reforma, nós temos de ser uma voz do longo prazo, nós não somos
uma voz dos Tik Tok’s dos dias de hoje,
ou se os mercados sobem ou descem,…..isso é 90% da narrativa dos nossos
canais de média hoje em dia, qualquer jornal só fala dos altos e baixos dos
mercado... e isso atualmente é prejudicial na minha visão, para o aforrador que
quer estar seguro, e ser um investidor de longo prazo. O que nós tentamos
fazer, é sermos o melhor que podermos como uma parte interessada, para nos
focarmos mais nas necessidades dos nossos clientes, nas necessidades dos nossos
empregados, que se traduzem nas necessidades da comunidade.
A minha palavra do momento é esperança, eu acho que as pessoas têm de ter
esperança e a esperança no mundo tem diminuído com o covid e com estas questões
da guerra e da inflação e a quantidade de crianças a nascer no mundo tem
diminuído. E portanto, eu quero mudar a narrativa, e quero dar esperança às
pessoas. As pessoas têm de se sentir mais confortáveis, os padrões de vida têm
de crescer, assim como os salários, e não estou a falar só da Europa ou da
Europa de Leste, estou a falar do mundo, e existe menor esperança no mundo hoje
em dia. Eu acredito que vamos ter menos liquidez no mercado nos próximos anos.
A BlackRock está baseada na esperança, no longo prazo. Tu investes para a
reforma porque esperas que o amanhã seja melhor do que é hoje. A invasão da
Rússia à Ucrânia colocou um fim à globalização que nós temos vivido nas últimas
três décadas. O acesso ao mercado de capitais é um privilégio e não um direito.
E após a invasão da Rússia, nós vimos como o setor privado rapidamente terminou
com negócios duradouros e relações de investimento.
Agora, tenham uma coisa em consideração, se querem efetivamente mudar o
propósito das corporações, vão ter de mexer na legislação, elaborar leis novas,
bem como novos regulamentos. Ou seja, vão ter de redesenhar todo o sistema.
Este discurso lança uma nova esperança nas mentes das novas gerações, mas
compete-lhes a elas lutarem por um emprego digno e com sentido, com propósito,
compete-lhe as elas fazerem aquilo que é correto.
Em 2019, 181 dos CEOs das maiores empresas como Jaimie Dimon CEO do JP
Morgan Chase, o maior banco americano, Safra Catz CEO da Oracle, Alex Gorsky
CEO da Johnson & Johnson, e tantos outros presidentes das maiores empresas
mundiais, já se afastaram da ideia da primazia dos acionistas, e assinaram uma
declaração que inclui o comprometimento para com todas as partes interessadas
como sendo o propósito de uma
corporação, esses CEOs comprometeram-se a liderar as suas companhias para o
benefício de todas as partes interessadas - clientes, empregados, fornecedores,
comunidades e acionistas. Mas será que isso é suficiente, será que conseguem
evitar o que está para vir? Esta é a grande questão, porque, chegou a altura de
colherem o que andaram a semear nos últimos 30 anos.
As pessoas não são a função que desempenham, as pessoas são seres humanos
sociais, com propósito próprio, e os CEO’s das empresas têm de reconhecer e
atender esse propósito, porque a atração de talentos não é apenas um slogan de
propaganda para as camadas hierárquicas intermédias, para os cargos de Direção,
todas as pessoas têm talento, ele só tem de ser reconhecido, valorizado e
elogiado, e os CEO’s e Administradores têm de se esforçar por fazer aquilo que
é correto e que proclamam, e devem começar por atender os propósitos de todas
as partes interessadas, começando pelos seus trabalhadores. O lucro de uma
empresa é o seu oxigénio, ele é necessário para a sua sobrevivência, mas não
pode ser o seu propósito de vida, precisamos de oxigénio para viver, mas o
nosso propósito de vida é algo bem mais complexo, é algo pelo qual nós lutamos
todos os dias, sabendo que perseguimos um propósito digno de uma vida honrada e
com sentido. Temos de começar a criar CEO’s e Administradores fortes, para os
tempos difíceis que se avizinham, porque o negócio dos negócios são as pessoas,
ontem, hoje e para sempre. Obrigado