Em 2019 durante o curso de francês, um amigo insistiu
muito comigo para ler/ver One Piece. Na altura não senti grande incentivo, até
porque era (e é) uma história muito longa e iria consumir bastante tempo. Ele
continuou sempre a insistir que era um investimento que valia a pena, até que
em 2020, com o primeiro confinamento e dado que dispunha de imenso tempo livre,
resolvi entrar neste mundo e aceitar este desafio. Desde então, nunca me arrependi,
e sigo agora a série semanalmente.
Eichiro Oda, o criador da série, é uma das pessoas
mais criativas do mundo da cultura e da arte, conseguindo criar um mundo próprio,
mas com imensas parecenças à realidade, misturando uns toques de magia ou, se
se preferir, de características próprias daquele universo.
A série segue as aventuras de Monkey D. Luffy e a
sua tripulação, os piratas do Chapéu de Palha, que têm o sonho em descobrir o
misterioso tesouro (o One Piece) deixado pelo “rei dos piradas” Gol D Roger.
A série existe desde 1997, e por isso foi muito
interessante ver na sala de cinema pessoas entre os 8 e os 40 anos, mostrando
que One Piece é uma série que tem a virtude (que muito poucas séries têm) de
transmitir uma mensagem para todas as idades, e que aqueles que começaram a
seguir os capítulos de manga semanalmente em 1997, ainda hoje seguem a história
com o mesmo entusiasmo.
Existem vários filmes de One Piece que, não sendo
parte da história principal, são uma ótima oportunidade de rever muitos das
centenas de personagens que já passaram num momento ou outro pela história, e
de dar mais uns toques de desenvolvimento a este fantástico universo. O filme
Red, foi o mais recente nesse sentido.
No mundo de One Piece, tal como no mundo real, existem várias fações, cada qual com as suas características. O Governo Mundial, que à partida tenciona manter a ordem e a lei no mundo, sendo que muitas vezes funciona de forma absolutamente totalitária, permitindo imensas injustiças da classe dominante (os nobres mundiais/dragões celestiais, que têm imunidade total à lei) e cometendo atos e crimes absolutamente macabros como genocídios e escravatura; já os piratas, uns procuram seguir os seus sonhos e descobrir o One Piece, um tesouro que o Governo Mundial tenta a todo o custo que continue escondido, mas que em larga medida outros atuam como verdadeiros piratas, saqueando, matando, queimando imensos dos territórios por onde pausam, deixando por detrás um rasto de morte e destruição.
Nesta realidade, surge Uta, a personagem principal
do filme. Filha de Shanks, o mentor e ídolo de Luffy, o personagem principal, é
uma cantora brilhante e popular, que tem o poder de com a sua música levar quem
a ouve para um universo paralelo onde ela dispõe de poder absoluto e quer criar
uma realidade em que este mundo de conflitos e sofrimento não existem, sendo a
sua música um fator de união. Afinal, quem não procura na música um refúgio
para a vida real ou um incentivo/ companhia para o dia a dia? Durante o
trabalho, a estudar, nas viagens de carro, a fazer as tarefas domésticas, ou simplesmente
ao fim do dia a relaxar, a música é uma companhia maravilhosa e que nos
preenche. Na aparência a ideia e o plano de Uta seria maravilhoso, mas aqui
surge o verdadeiro revés da moeda: Uta quer manter para sempre reféns no mundo
dela todos aqueles que ouvem a sua música, não permitindo que regressem ao
mundo real. Perante esta ameaça, e sendo que o concerto está a ser transmitido
pelo mundo real para milhões de pessoas, o Governo Mundial envia para o local
do concerto um enorme armada da Marinha, com ordens de eliminar Uta e todas as
pessoas que adormeceram presas ao seu mundo, mesmo que para tal se tenha de
exterminar civis inocentes.
One Piece, tem muito a questão do que é a justiça,
e eu, como jurista penso muito nas conclusões de Oda: será a justiça somente o
cumprimento da lei e ordem, por mais injusta que ela seja? Será a justiça
verdadeira não o que está escrito na lei mais aquilo que nos dita a
consciência, seja ela o que for? O que é verdadeiramente aquela soma de
virtudes para as quais chamamos justiça? Não há uma resposta una e inequívoca a
estas questões.
Como tudo na vida, o sonho deve comandar. Apesar
da música existir para nos acompanhar e ajudar no dia a dia, não podemos viver
só dela. Devemos enfrentar o mundo tal como ele é, nas suas virtudes e defeitos
e procurar com o nosso caminho pensar e refletir nestas importantes questões
que o mundo de One Piece bem nos coloca e são transponíveis para a nossa
realidade.
Em jeito de crítica mais negativa, o One Piece
Filme Red talvez não seja o melhor filme para introdução à série dado que
aparecem imensas personagens que só com a história principal temos oportunidade
de construir empatia com eles, nomeadamente a tripulação de Luffy. Mas assisti
ao filme com um sorriso na cara e gostei não só das músicas maravilhosas (deixo
uma dela aqui), como me deu uma nova oportunidade de regressar a este mundo e
levar conclusões que me tem impacto como sou, uma pessoa deste mundo real com preocupações,
mas cheia de sonhos.