quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Minérios, Cocaína e Golpe de Estado: o caso da República da Guiné

 

Zona costeira em Conacri, a capital da República da Guiné.

No passado dia 5 de setembro, a comunidade africana foi surpreendida com um golpe de Estado em Conacri, efetuado pelas tropas especiais guineenses, que depôs o já idoso presidente Alpha Condé. A constituição foi dissolvida, as fronteiras foram encerradas e uma junta militar liderada pelo Coronel Mamady Doumbouya tomou transitoriamente o poder, ficando de elaborar uma nova Lei Fundamental.

Imagens do golpe de Estado de 5 de setembro de 2021. De óculos escuros está o Coronel Mamady Doumbouya, líder dos golpistas e atual Presidente.


Num ano particularmente rico em golpes de Estado nesta região africana (depois do Mali e do Chade), o caso da Guiné, sem desprimor para os restantes casos africanos (que mereciam um artigo individual, talvez adiante) merece particular atenção, em função da sua relevante riqueza natural, em função das suas redes de ligação à comunidade de países francófonos, EUA, China e Rússia, e em função da movimentação de um obscuro agente internacional: os carteis de Droga.

Nesta reflexão breve (e inevitavelmente lacunar), vamos olhar para o que foi a presidência de Alpha Condé, para o impacto da Guiné-Conacri no comércio internacional e para o fenómeno dos narcoestados.



Falando da presidência de Alpha Condé, surpreendentemente foi estável no plano internacional. O advento da sua presidência foi marcado pela instabilidade política que afetou o país após o falecimento do anterior Presidente Lansana Conté e do golpe de Estado de 2009 liderado pelo Capitão Moïse Dadis Camara, que levou ao decretamento de sanções económicas e militares aplicadas ao país. Contudo após as eleições presidenciais de 2010 em que Alpha Condé, (opositor de longa data dos dois anteriores “homens fortes” da Guiné) venceu, as diversas sanções foram levantadas. Mas se é verdade que a presidência de Alpha Condé foi estável no plano internacional (surpreendentemente gozando do apoio de França, EUA, China e Rússia, tendo todos eles manifestado oposição ao golpe de Estado deste ano), não o foi no plano interno. O Presidente nunca conseguiu um consenso nacional, dividido pelos diversos grupos étnicos (de registar os confrontos no sudoeste do país entre os Guerza maioritariamente cristãos e os Konianke de maioria muçulmana), grupos opositores e graves problemas sociais (note-se que a Guiné-Conacri segundo dados do FMI figura em 160º lugar entre 184 países no PIB per capita). Os abusos de direitos humanos, a morte e prisão de opositores, associado à vaga epidémica do Ébola em 2014, em que a Guiné foi o epicentro, comprometeram a governação de Condé. A tudo isto a enorme corrupção do governo (um flagelo infelizmente global que em particular nos países africanos assume dimensões surpreendentes), levaram a uma enorme insatisfação social, mesmo com o crescimento económico do país em função da exploração da sua riqueza mineral. A gota de água foi o referendo de alteração constitucional que visava permitir ao Presidente em exercício a candidatura a um terceiro mandato, bem como os efeitos económicos causados pela atual pandemia covid-19, que em função da baixa taxa de vacinação em África, está a ter efeitos sérios no continente.

A primeira imagem de Alpha Condé detido pelos militares após o golpe de Estado.


Feito este ponto, o país goza de uma impressionante riqueza mineral, concentradas essencialmente no sudoeste do país: entre os diversos minérios registam-se generosas reservas de ouro, diamantes, ferro e sobretudo bauxite, minério do qual se fabrica o alumínio e de importância facilmente percetível no comercio mundial (aliás, 60% das reservas globais de Bauxite estão na Guiné-Conacri, que tem a China, a Rússia e França como principais pareceiros económicos). Infelizmente, à exploração mineira à larga escala estão também associados elevados custos ambientais e de saúde.

Mina de bauxite a sul do país.


Finalmente, no ato final desta tragédia na Africa Ocidental, temos a presença dos carteis de droga sul americanos. Análises relativamente recentes apontavam para o risco de a Guiné-Conacri seguir o exemplo da sua vizinha (e bem conhecida por nós) Guiné-Bissau de se tornar um narcoestado. A presença dos grandes carteis de droga e do crime organizado não é inédita no plano internacional. Mas no caso da Guiné-Conacri havia o risco (que parece ter-se confirmado) de controlo de um país muito relevante em termos de matérias-primas, mas tal como os restantes narcoestado extremamente instável no plano interno. Como riscos apontados estavam o crescente volume de cocaína que chegou à Europa via Guiné nos anos recentes, a ligação entre altos setores do Estado a narcotraficantes e a iminência de um golpe de Estado que se confirmou este ano. As vantagens do controlo de um país como a Guiné são evidentes: para além de aspetos de Direito Diplomático (nomeadamente nas imunidades), temos o acesso às infraestruturas do país, viradas para a exportação de matérias-primas, em que a circulação da cocaína pode juntar-se às mesmas, tornando o mercado dos países francófonos mais acessível para estes carteis. E naturalmente, o controlo de reservas significativas de matérias-primas permite aos grandes carteis de Droga outro tipo de abordagem no plano internacional.



Por enquanto o Coronel Doumbouya lidera interinamente o país, e anunciou pouco depois da tomada do poder a re-abertura das fronteiras, sabendo que o país, tal como muitos outros em Africa, é extremamente dependente do escoamento das suas matérias-primas. Recentemente foi anunciada a libertação do ex presidente Alpha Condé, que sendo fiel às últimas noticias, encontra-se em prisão domiciliária, tal como outras figuras próximas do seu governo. Resta esperar para ver o futuro da Guiné- Conacri, que por ora afigura-se assustador…

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