quarta-feira, 13 de setembro de 2023

O Conde de Monte Cristo (1844), Alexandre Dumas – Crítica

 


“Há virtudes que se tornam crimes pelo exagero.”.

 

Começo este artigo em que volto ao blog com uma breve reflexão sobre a leitura: o prazer que acredito que seja comparável ao terminar de uma maratona, a adrenalina de virar as páginas, olhando para o que já se leu ao mesmo tempo a história nos agarra e estamos ansiosos por saber a seguir o que vai acontecer ao personagem que aprendemos a gostar. Ao mesmo tempo ao ler partilhamos as ideias do autor e confrontamos com as nossas. Umas vezes rimos, outras paramos para meditar, outras vezes abanamos a cabeça. Este é o grande prazer da leitura. 

Ao mesmo tempo, no início do ano coloquei o objetivo para me disciplinar de ler pelo menos um livro por mês: O Conde de Monte Cristo foi o meu 13º (em termos de sequência) livro lido em 2023, e, tal como o maratonista que chega ao fim depois de um longo caminho, também eu, se o leitor me permite, sinto orgulho de mim mesmo por este pequeno objetivo alcançado.

 

O Conde de Monte Cristo foi uma sugestão de um amigo meu depois de ter lido os Miseráveis de Victor Hugo. Sendo contos um pouco diferentes, creio que Dumas é um melhor contador de histórias que Victor Hugo, embora não tenha a sua profundidade. Como tal, Dumas e esta magnifica obra merecem um artigo neste blog.

 

Mas por onde começar? O Conde de Monte Cristo, um dos alter egos de Edmond Dantés, é uma história que mistura várias sensações: preso injustamente na sequência de uma conspiração mesquinha de pessoas próximas (o ciumento Fernand, o invejoso Danglars e o Villfort, o procurador oportunista), nas primeiras páginas agarra o leitor pela reação à tremenda injustiça que caiu sobre Dantés, que é apresentado como um homem humilde, de bom coração e trabalhador. Após a bem-sucedida fuga da prisão, Dantés vive um misto de emoções: descobre graças ao seu mentor uma fortuna incalculável, rapidamente assume a postura por um lado de filantropo mas por outro, e o que vai marcar a esmagadora maioria do livro, um forte desejo de vingança sobre os responsáveis dos seus longos anos de miséria.

“Não tenho medo de fantasmas, e nunca ouvi dizer que os mortos tenham feito assim tanto mal durante seis mil anos como os vivos são capazes de fazer num dia.”

 

A vingança é algo que quero destacar à parte: muitos de nós atualmente falamos na figura budista do Karma (pese embora não seja inteiramente aquilo que culturalmente no ocidente é percetível como tal), e de facto a sede de vingança é algo que muitas vezes nos afeta: nas séries, nos filmes, no animes, vibramos com histórias de vingança, sentimos prazer com isso, um pouco assumindo a pele de “justiceiro” que corrige as deficiências do mundo. Mas Dantés, depois de centenas de páginas marcada pela forte e absoluta ideia de vingança, em moldes surpreendentes, perante uma situação onde o dano causado a um dos responsáveis é manifestamente desproporcional ao que inicialmente tinha concebido, mostra uma nova evolução: começa com a personagem do homem simples e honesto, assume a perspetiva do homem culto, misterioso e demasiado apaixonado pela crueldade, até que termina o livro como um homem humano, mais equilibrado, que pretende fazer algo do presente e futuro, ao invés de se deixar consumir pelas emoções fortes do passado. Não por acaso que gosto de falar na História da Humanidade. Muitas vezes temos dificuldade em aceitar o que aconteceu. Mas falo também da nossa história de vida, o desafio de aceitar o nosso passado é por vezes difícil, mas fácil dito que feito, e esta é com este magnifico sabor literário que Dumas termina simbolicamente o livro.

“As feridas têm esta peculiaridade: podem estar escondidas, mas nunca cicatrizam, são sempre dolorosas, estão sempre prontas a sangrar quando tocadas, permanecendo abertas e vivas no coração.”

 

“Não  há felicidade nem infelicidade no mundo; há apenas a comparação de um estado com o outro, nada mais. Aquele que sentiu a dor mais profunda é quem melhor pode apreciar a suprema felicidade . . . toda a sabedoria humana se resume nestas palavras: Aguardar e ter esperança.”


O Conde de Monte Cristo é também uma obra marcada pelo sentido de humor do autor, desde subtis provocações entre conversas da alta sociedade até a pequenos fragmentos de enorme sabedoria popular. É também um livro em que sentimos que o autor já tinha a história pensada desde o início e que fecha muito bem todas as pontas soltas da história e que todos os personagens introduzidos tiveram o seu propósito para chegar a este final: seja com um misterioso falso príncipe italiano ou com a introdução de várias gerações diferentes de uma família, cada um deles cuidadosamente colocado no enredo.

“- Estou a ver; para os seus criados é «senhor», para os jornalistas é «senhor», enquanto os constituintes o chamam de «cidadão». Essas são distinções muito apropriadas para um governo constitucional. Compreendo perfeitamente.”

 

Por todos estes motivos, o Conde de Monte Cristo foi uma aposta certeira e uma obra que recomendo vivamente!


Sem comentários:

Enviar um comentário