sexta-feira, 21 de abril de 2023

Boas métricas criam bons ambientes (Marco Garcia)

 



Prólogo: George Orwell na sua obra-prima “1984” oportunamente escreveu que quem controla o passado, controla o futuro e quem controla o presente, controla o passado. Cada vez mais vemos isso na nossa sociedade em vários campos sendo que as métricas e os números são por excelências um dos principais instrumentos de controlo da informação. Sabemos por isso o que implica controlar a informação, mas o que significa na prática o controlo de certo tipo de informação num determinado contexto? O novo artigo do Marco procura responder a essa questão, com a sua visão de gestor, para o campo profissional e pessoal. Sem mais demoras, novo artigo do Marco. (Luís Araújo).

  Os números são importantes, e boas métricas criam bons ambientes, mas querer avaliar comportamentos ou desempenhos humanos com base em números não só é desastroso e ineficiente, como também é imoral, e é precisamente para esse facto que eu quero chamar a vossa atenção. O Dr Spitzer refere que “as pessoas odeiam ser avaliadas porque normalmente as avaliações são usadas contra elas, mas as métricas são importantes, porque aquilo que tu medes, é aquilo que tu obténs”. Todas as organizações são baseadas em métricas, mas têm de perceber que se medirem as coisas erradas, vão obter as coisas erradas. Primeiro temos de perceber o que significa envolvimento, porquê que mais de 69% das pessoas empregadas não se envolvem no seu trabalho, e cerca de 80% dos colaboradores acreditam que trabalham para uma instituição que não cuida deles. Um dos motivos, tem a ver com o sistema de medição. Eu tenho de entender como funciona esse sistema, tenho de pensar no que vou medir, e se isso é correto medir. 
O fundamental é colocar as pessoas a fazer as perguntas certas acerca das medições. Existe uma coisa que temos de entender sempre que falamos em medições, eu posso provar aquilo que eu quiser, utilizando dados, basta apenas selecionar os dados que provam aquilo que eu quero, e isso é feito por quase todas as organizações. Funciona como um truque de magia, onde o mágico desvia a tua atenção para o que ele quer que tu vejas, e é precisamente isso que se passa hoje em dia nas nossas organizações: os gestores só te mostram os números que eles querem que tu vejas, daí ser tão difícil investir nas organizações hoje em dia, tu não consegues confiar nos números, porque, por detrás desses números estão pessoas, pessoas que tu não conheces, não conheces as suas crenças, o seu propósito de vida, o seu estilo de vida, os seus valores, os seus hábitos e costumes, e que são responsáveis por apresentarem esses números, tu só sabes o que elas querem que tu saibas, que é muito pouco, não sabes o suficiente para confiares nelas, e todos nós já percebemos que esses números tentam criar uma ilusão, que é precisamente o que se passa com os números de magia, tu não consegues entender como  eles o fazem, mas acreditas no que vês. O papel do mágico é ludibriar o público criando uma ilusão, assim como o papel do gestor, é compor os números de forma que pareça tudo bem. Com esta mentalidade de curto prazo, manipulando os números e as medições, é impossível confiar nesses números, é impossível investir nas empresas e nas organizações a longo prazo, 30, 40 anos ou mais.

Agora, existem 4 pontos chave que fazem as medições, e que fazem a gestão serem bem-sucedidas. O primeiro é o foco: tu tens de te focar naquilo que é correto, e existem tantas coisas corretas nas quais te podes focar, a chave é fazer as perguntas certas. Eu tenho de perguntar o que é mais importante para a minha eficácia na organização. A segunda coisa é a integração: todas as organizações são uma combinação de muitas partes diferentes, e portanto, temos de ter a certeza que estamos a focar-nos naquilo que é correto, e saber se essas coisas estão integradas, e interligadas. Uma das coisas que deves ter em consideração é que uma organização é composta por 20 ou 30 funções diferentes, e cada uma dessas funções tem as suas próprias métricas, e na maioria das organizações, essas métricas não estão relacionadas entre si, e isso é errado, isso é anti sistémico. Não existe integração do sistema de medição, e isso causa muitos problemas. A terceira é a interatividade, ou seja, como é que transformas os dados em informação. Porque o que tu obténs são números, e de seguida tens de dar significado a esses números, e podes colocá-los num gráfico para obteres informação, mas mesmo a informação não é suficiente, tens de transformar essa informação em conhecimento, e esse conhecimento em entendimento, até conseguires relacionar todos esses conceitos de forma a obteres sabedoria no longo prazo. Temos de entender que toda a informação, se for mal utilizada, transforma-se em desinformação, e temos de ter muito cuidado com isso. O nosso problema atualmente é que estamos fixados em obter dados e informação sem contexto, ou fora de contexto. E o quarto fator é o contexto: se não quisermos saber a verdade, e se não gostamos das métricas, então vamos tentar manipular essas métricas a nosso favor. Todos nós já fomos vítimas das avaliações de desempenho (desde a escola ao mercado de trabalho), e essa informação pode ser muito útil, mas normalmente é utilizada contra as pessoas. As avaliações de desempenho normalmente têm mais a ver com a personalidade da pessoa que faz a avaliação, do que com o próprio avaliado. Existe uma grande diferença entre métrica e avaliação. A palavra avaliação significa colocar um valor em alguém ou algo, então o que normalmente se faz é julgar o valor das pessoas: isso é errado, é anti-ético! Mas por detrás desses julgamentos de valor, não existem boas métricas, por isso, se olharem para as métricas que estão na base desses julgamentos, não são corretas, não o podem ser, porque estão a medir o que é errado, e quanto mais corretamente eu medir o que é errado, mais errado vou ficando. O genocídio é uma coisa errada de se fazer, mas eu posso fazê-lo muito corretamente, por isso, é preferível errar a fazer o que é correto, do que fazer corretamente o que é errado, a primeira tem a ver com valores, e a segunda com resultados. As avaliações de desempenho estão a avaliar resultados individuais de pessoas, e isso é errado, porque ninguém trabalha de forma individual, o teu trabalho depende do trabalho de outras pessoas, depende da forma como elas colaboram e se relacionam, depende da forma como todo o sistema está desenhado e interligado, o teu desempenho está dependente do sistema, e do ambiente onde trabalhas, tu não trabalhas num vácuo. O que eu quero que compreendam é que as avaliações podem ser bem vistas, desde que tenham por base boas métricas, e que estejam a avaliar processos e procedimentos, e não pessoas, com base em resultados individuais, portanto, temos de nos focar é nessas métricas que avaliam os processos e procedimentos de forma a melhorá-los e torná-los mais eficazes. 

Agora, existem dois tipos de métricas: uma é a tradicional, que avalia as pessoas individualmente e é composta normalmente por monitorar, reportar, controlar, justificar, julgar, promover, castigar e recompensar, e é normalmente para isso que utilizamos as métricas. Essa é uma das razões pelas quais as métricas recebem uma conotação tão negativa junto das pessoas, é por isso que as pessoas são tão defensivas acerca das métricas. No entanto existe um outro tipo de métrica que o Dr Spitzer chama de métricas positivas, que avalia os procedimentos e os processos, ajudando na criação de valor, e utiliza as avaliações para aumentar a visibilidade, a curiosidade,  para melhorar a comunicação e interligação entre as várias partes, para melhorar o feedback, para promover entendimento, para nos ajudar a prever o futuro, para aprendermos, para melhorarmos os processos, para  termos alegria e orgulho naquilo que fazemos, e encontrarmos satisfação no trabalho, de forma a promovermos uma prestação de contas positiva. Este modelo avalia os bons procedimentos e aqueles que podiam ser melhores, não avalia pessoas, nem julga pessoas. Infelizmente hoje em dia quase nenhuma organização utiliza este tipo de métricas, mas sim o modelo tradicional de medição. Portanto, o foco, a integração, a interatividade, e o contexto, são essenciais. 
O contexto das medições precisa ser positivo se as pessoas o vão usar corretamente e aprender com ele, porque o propósito das métricas deveria ser aprender e melhorar, não deveria ser monitorar e controlar pessoas. Temos  de confiar nas nossas pessoas, se não confiarmos nas nossas pessoas, aquelas que contratámos, segundo os nossos critérios, não confiamos em ninguém, e quem não confia, não é digno de confiança, e as pessoas que estão a ser monitoradas e controladas sentem que não confiam nelas, e sentem que não podem confiar nas pessoas que as controlam, porque têm algo que se chama, sentimentos e emoções, e como diz o povo “quem não se sente, não é filho de boa gente”. Aqueles que aceitam todo o tipo de faltas de respeito, abusos, e agressões psicológicas, e compactuam com os agressores, estão a contribuir para o aumento do cinismo e hipocrisia no local de trabalho, e o resultado é teres um conjunto de pessoas a trabalharem juntas, completamente alienadas, centradas nelas próprias, oportunistas, que só colaboram por interesse, que não confiam umas nas outras, a digladiarem-se diariamente como se estivessem numa arena, a trabalharem num ambiente altamente tóxico, desfuncional, regulamentado, monitorado e controlado, com os gestores de topo a apoiarem, a participarem, e a apreciarem de camarote este espetáculo decadente , como se tratasse de “business as usual”. É neste tipo de ambiente que queremos colocar os nossos filhos e filhas queridas? É neste tipo de ambiente que queremos que a nossa querida Mãe e o nosso querido Pai trabalhem? É neste tipo de ambiente que queremos que a nossa querida Avó e o nosso querido Avô trabalhem? É neste tipo de ambiente que queremos que todas as nossas pessoas queridas que nós amamos trabalhem? 

O problema é que as pessoas não sabem aquilo que querem, e durante todos estes anos têm sido motivadas pelo medo, pelo dinheiro e posição, a preocupação é o ter, e parecer bem, se soubessem o que queriam, uniam-se em torno de uma ideia mobilizadora, e não permitiam estes atentados à humanidade, que afetam todas as nossas pessoas queridas, as pessoas que nós amamos, as pessoas que nos amam incondicionalmente. A organização são todas as pessoas, independentemente do seu título ou cargo. A organização não é o CEO. O “ser” é mais importante que o “ter”. Temos de nos preparar para o legado que vamos deixar às gerações futuras. Foi este sentimento que mobilizou os nossos antepassados, e é com este sentimento que temos de continuar a trabalhar todos os dias para nos tornarmos pessoas melhores, fazendo o que é correto, ajudando a criar uma sociedade baseada em valores, e não em resultados.  

Acima falávamos de envolvimento dos colaboradores, e que o modelo tradicional de medição está a tentar fazer, é  criar o envolvimento dos colaboradores num contexto negativo, portanto, nós damos às pessoas alguns  benefícios, mas fazemo-lo num contexto tão negativo, que muitas daquelas coisas que falámos, já fazem parte da cultura. Quando temos um ambiente de monitorização, controlo, reporte, recompensas e castigos intrigantes, até mesmo as recompensas são manipuladas na sua natureza mais básica: Por isso o que nós precisamos é de uma cultura onde as pessoas queiram aprender e melhorar, e se nós conseguirmos criar isso, seria muito positivo, não só para as organizações, mas para a sociedade em geral. A chave está em criar ambientes positivos nas organizações, e para que isso aconteça temos de aprender algo acerca das pessoas, saber como funciona a sua mente, porque, muito do trabalho que desempenhamos hoje em dia é mental. Uma das características fundamentais da nossa mente, são as nossas emoções e os nossos sentimentos, e só recentemente começámos a equacionar essa possibilidade. Todo o século XX foi ocupado com o estudo do raciocino, porque pensávamos que era isso que nos distinguia dos restantes seres vivos, e criámos  uma inteligência artificial com base no raciocínio, que de inteligente não tem nada, é pura manipulação de símbolos com base em regras algorítmicas e lógicas, porque, mais uma vez acreditámos e assumimos erradamente que já sabíamos tudo acerca da mente e que a função da mente era, pura manipulação de símbolos, mas hoje em dia, com o desenvolvimento da  neurociência, da epigenética, da psiconeuroimunologia, da neuroendocrinologia e da física quântica, já percebemos que isso não é verdade, e que a inteligência artificial, não é inteligente, mas é artificial, e se queremos entender algo acerca da inteligência humana, temos de entender os circuitos responsáveis pelas nossas emoções e sentimentos, temos de perceber como funciona o sistema nervoso central, e como ele se interliga e relaciona com o nosso corpo físico. Tudo isto contribui para a formação da nossa mente consciente.

Um dos primeiros grandes mestres a promover a cultura de melhoria e aprendizagem, ao invés da cultura do castigo e da recompensa, foi Jesus Cristo há mais de 2000 anos atrás. A única coisa que Jesus pretendia, era que os seus discípulos aprendessem e melhorassem para se tornarem pessoas melhores. A Bíblia fala de recompensa e castigo logo no início, com Adão e Eva, mas Jesus veio revolucionar este conceito, e ao invés de criar uma cultura baseada no castigo e na recompensa, ele criou uma cultura baseada na melhoria, no desenvolvimento, e na aprendizagem. Em vez de coisas como, o empregado do mês, deveríamos ter algo como, “as ideias do mês ou as boas ações do mês, as boas atitudes do mês”, baseadas em valores, e não em números. As pessoas devem ser celebradas pelas suas boas ações, não devem ser castigadas pelos números, os números têm de ser o resultado dos valores, não podem ser construídos á custa dos valores. Outro problema, é que os nossos gestores ficam satisfeitos  com números baixos, muito baixos, e as nossas empresas, as nossas organizações não conseguem ganhar escala, nem dimensão internacional, não conseguem competir com as maiores e melhores do mundo, e não é a cortar custos, nem a trabalhar mais horas ou mais rápido que isso se consegue, isso é o que temos feito nos últimos 20 anos, e não tem resultado, isso só se consegue redesenhando todo o sistema, de forma a  trabalharmos de forma mais eficaz, fazendo aquilo que é correto, e para fazermos o que é correto, temos de perceber algo acerca das pessoas. Ao contrário do que muitos pensam, nós não somos um país pequeno, e se efetivamente queremos tirar o melhor rendimento das pessoas, temos de fazer mudanças estruturais, e temos de começar a olhar para aquilo que as pessoas têm de bom, não para o que têm de mau, temos de saber algo acerca das pessoas, algo acerca dos seus valores, das suas crenças, dos seus sentimentos e emoções, e uma das coisas que precisamos saber, é aquilo que as motiva. “O reino de Deus está dentro de ti - Lucas (17:21) citado por Lev Tolstoi.


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