Prólogo: A ideia deste blog e da
abertura que quis promover a novos autores (que espero vir a trazer aqui) foi
precisamente criar um espaço na internet onde as pessoas parassem e tirassem um
tempo para questionarem as grandes temáticas do nosso tempo. Goste-se ou não,
não podemos fugir de estruturas de poder e controlo. É assim nas escolas e
universidades, empresas, institutos públicos, ministérios e órgãos de poder
executivo, entidades de aplicação da justiça, e até no mundo da cultura e
desporto. Tal como Leonardo Padura oportunamente escreveu, pensar que a
História nos esqueceu é um erro. Por isso é importante que a saibamos observar
e tirar um tempo para pensar. Apesar de eu e o Marco temos bases diferentes e
vimos de áreas de estudos diferentes, é interessante ver como desde a História
e o Direito até à Economia e Gestão que as grandes questões do nosso tempo se
colocam: que tipo de sociedade é que queremos? É nessa linha que, com muito
gosto, volto a publicar um artigo do Marco, que acredito que será do agrado do
leitor! (Luís Araújo)
A gestão por objetivos foi desenvolvida por Peter F. Drucker. Mas no fundo,
como é que funciona o modelo de gestão por objetivos? Este tipo de modelo é
utilizado por todos os sistemas hierárquicos e autocráticos, invariavelmente
formados por pessoas. Temos alguém no topo, normalmente o presidente e o quadro
de administradores, e à medida que vais descendo na hierarquia vais encontrando
camadas de pessoas que reportam à pessoa acima. As pessoas que estão no topo,
estão a uma grande distância das pessoas que se encontram na linha de baixo, e
o seu propósito, não é aumentar o lucro, a rentabilidade dos capitais próprios,
o volume de negócios, ou até mesmo o valor para o acionista. Isso, aliás, é o
preço que elas têm de pagar para atingirem o seu verdadeiro objetivo que é
manter ou aumentar a sua posição na hierarquia, aumentando o seu conforto e o
seu nível de vida. Na gestão por objetivos a ideia é que as pessoas que se
encontram no topo estabeleçam os objetivos para o grupo de pessoas que se
encontram na camada abaixo, e assim sucessivamente até chegarem às pessoas da
linha da frente. Se olharem para isto, faz algum sentido: tu dás às chefias
intermédias metas e objetivos, e dás-lhes a liberdade para elas fazerem isso, e
elas vão fazer tudo para defender a sua posição no sistema, porque o importante
não é o propósito da instituição como um todo, o importante é a posição que
cada um ocupa na hierarquia e cada um tenta defender esta posição ao máximo
para ir subindo na cadeia de comando.
Existem algumas vantagens deste modelo: tu podes delegar recursos ao longo
de vários caminhos, existe muito tempo livre para reuniões entre os níveis
hierárquicos intermédios e superiores, onde podes colocar as pessoas a falar
sobre coisas. Isso é positivo e é uma vantagem, mas este modelo também tem desvantagens:
uma das coisas que têm de entender é o controlo, é muito importante que tenhas
controlo sobre este tipo de modelo, e que adotes uma postura de comando e
controlo, a pessoa que se encontra mais acima na hierarquia dita as ordens ou
instruções, e os que estão mais abaixo têm de as cumprir, o que significa que
as camadas mais baixas não têm liberdade para decidir nada, porque a liberdade
vai-se perdendo ao longo da linha de comando, assim como o cumprimento dos
prazos que vão diminuído à medida que vais descendo na hierarquia, os níveis
mais baixos têm de se conformar, acatar ordens, e trabalhar com prazos
completamente esmagados. O que se pede a estas pessoas é conformidade, não é
comprometimento e criatividade. O modelo de avaliação de desempenho é um modelo
determinista utilizado em sistemas autocráticos, que promove uma competição
compulsiva entre as pessoas, em todos os níveis, o objetivo é ser melhor que o
outro a qualquer custo, para se destacar e atingir a excelência individual,
através de técnicas de manipulação. O que as pessoas não entendem é que isso é anti
sistémico, e falar em espírito de equipa neste contexto é puro disparate. Num
grupo de 4 remadores em que cada um tem um remo. Se todos os remadores remarem
a uma velocidade de 10 %, a embarcação anda devagar, mas a direito. O que acontece
se eu tiver um remador a remar a uma velocidade 50% acima dos restantes? A
embarcação começa a andar em círculos, perde a direção e não chega ao destino,
é o mesmo que ter uma banda filarmónica onde cada músico toca num ritmo
diferente, o resultado não é música, é ruído, e é precisamente isso que
acontece na maioria das funções e estruturas de uma organização: quando as
pessoas têm objetivos individuais, porque tudo está interligado, é o desgoverno
total, a maioria dos números não nos dizem rigorosamente nada acerca da direção
da organização, principalmente se forem apresentados isoladamente e fora de
contexto, é o que acontece na maioria das empresas porque continuarmos a pensar
de forma analítica, e as pessoas não se apercebem disso. Agora, isso vai criar
outro tipo de problemas graves, porque são as pessoas dos níveis mais baixos,
que detêm 100% do conhecimento dos clientes e dos procedimentos, e quanto mais
sobes na hierarquia, menos tu falas com os clientes.
Outra das coisas que acontece neste sistema de gestão por objetivos é que a
implementação é um sinal de sucesso. Se eu conseguir encontrar um projeto e o
conseguir implementar, eu vou agradar às pessoas que estão acima, e dessa forma
eu posso mostrar-lhes que eu fui capaz de implementar algo, e posso subir para
o nível seguinte. Se tu quiseres estar feliz no sítio onde estás, tens sempre
de agradar às pessoas que estão acima de ti, e vais utilizar todo o tipo de
truques para o conseguires, tu não vais colaborar com as pessoas que se
encontram à tua frente, ao teu lado, ou atrás de ti, isso seria uma perda de
tempo em atingires os teus objetivos individuais, tu só vais olhar para eles se
os puderes utilizar como trampolim, para conseguires agradar à pessoa que está
acima, para que possas subir mais um nível, porque sabes que a tua subida
depende disso. Consequentemente tu sobes sempre um nível para pedires permissão
para prosseguir, portanto, as pessoas dos níveis mais baixos, têm sempre de
pedir permissão ao nível acima. As pessoas nos níveis de baixo não têm
liberdade nem autonomia para decidirem nada, têm de se limitar a cumprir ordens
e instruções, e dessa forma passam a ser vistas como funções e não como pessoas
com propósito próprio: passam a ter apenas uma função que cumpre o propósito da
organização. Não é correto tratar as pessoas dessa forma, porque todas as
pessoas têm propósitos próprios, mas quando esses propósitos passam a ser,
subir na hierarquia a qualquer custo, através da subserviência, do cinismo, da
hipocrisia, e da manipulação de resultados, isso vai criar ambientes de
trabalho perigosos, completamente disfuncionais e tóxicos. Outro dos problemas
é que neste modelo existe muita procura por permissão, e isso abranda o
sistema. Conformidade é aquilo que tu obténs das pessoas que estão nos níveis
mais baixos, tu não obténs comprometimento, tu obténs conformidade (isto é, nós
fazemos o que nos disserem). As pessoas que estão nos níveis mais baixos da
hierarquia vêm coisas que se vão repetindo ao longo do tempo, nós tentámos uma
coisa durante uns quantos anos, e depois verificámos que não resultou e no
entanto eu fiz tudo corretamente, e tentam outra coisa, e voltam a tentar
novamente a coisa que já tinham tentado anteriormente, principalmente se
existir muita mobilidade na gestão, e andam sempre para a frente e para trás
com as mesmas soluções, e muitas das pessoas que estão nos níveis mais baixos,
e que se encontram na linha da frente começam a aperceber-se disso: “Bolas, nós
fizemos isto há 10 anos atrás e não resultou, porquê que eles o estão a fazer
novamente?”, e isso retira a
possibilidade de termos orgulho no trabalho que desempenhamos, tira-nos o
sentimento de competência e de contribuir para a melhoria do sistema.
Outra coisa muito comum neste modelo são as reorganizações. O rácio de
sucesso para a reorganização é de 1 para 4, estamos a falar de uma taxa de
sucesso de apenas 1 em 4. O que acontece
na gestão por objetivos é que tendes a ter uma estrutura de silos na vertical,
por vezes são tão espessos que não são chamados de silos, mas sim de chaminés,
tu permaneces no teu silo e só tens contacto com as pessoas que estão acima e
em baixo no teu silo, isso não acontece de forma transversal até porque cada
silo está a competir de forma compulsiva com os demais, o que encontras é
rivalidade, não encontras colaboração, mas sim rivalidade, porque a competição
é feita de uma forma compulsiva, é isso que encontramos dentro dos silos e fora
deles, a questão é que todos desenvolvem os seus próprios silos, e a tendência
é para que exista muito pensamento de curto prazo, muita rivalidade interna,
muito medo, muito cinismo e muita hipocrisia, e isso é mau para a saúde das
pessoas, para o ambiente de trabalho, para o negócio a longo prazo, e para o
valor do acionista ou sócio, no longo prazo. “Vamos ver se conseguimos fazer os
resultados hoje, ou de preferência ontem”, “nós é que estamos certos”, “não
existe trabalho com mais responsabilidade que o nosso”, “nós fartamo-nos de
trabalhar, os outros não sabem o que é trabalhar”, “andamos nós a trabalhar que
nem uns loucos para os outros terem uma vida descansada, é só boa vida, chegam
tarde e saem cedo, eles não querem saber de nada, fazem o que querem, são uns
incompetentes, não sabem fazer nada como deve ser”. É este o tipo de discurso
que ouvimos em quase todas as funções e em quase todas as estruturas de uma
organização, que seguem este sistema, e quanto mais eficiente tu fores a
cumprir instruções, mais este ambiente se vai agravando, e mais horas tens de
trabalhar para continuares a cumprir as instruções, e isto não é sustentável.
Outra coisa interessante é que todas as pessoas dizem exatamente o mesmo
umas das outras, é a cultura da culpabilização, estão sempre a apontar o dedo e
a tentar encontrar o culpado, e muitas vezes esse culpado é a pessoa ou pessoas
que estão a tentar fazer aquilo que é correto, é por isso que as empresas não
conseguem reter talentos. O maior problema da gestão por objetivos é quando tu
te encontras num nível intermédio e entregam-te um projeto, e tu sabes que
precisas agradar às pessoas que estão acima, e tu não o consegues fazer, o que
é que tu fazes? Fazes exatamente o que todos fazem, e que passou a ser
considerado normal, tu forjas os números, manipulas resultados para parecer
que tiveste sucesso, para que possas subir na hierarquia ou manter a tua
posição, o importante é defenderes as tuas regalias ou aumentá-las, e vais
fazer tudo para o conseguires a qualquer custo, o importante é agradares às pessoas que estão acima de ti, é claro que este sistema só funciona num circuito
fechado e controlado por um grupo restrito de pessoas, mas no dia em que alguma
coisa correr mal, vão ter problemas. Forjar os números é muito comum, ou então
alteras as coisas de forma a parecerem melhor do que na realidade são. Existe
também muito medo nas camadas mais baixas e intermédias, o que acontece se eu
não aparecer com aqueles números? Eles movem-me para um nível mais baixo. Se eu
sair um pouco fora da caixa as pessoas não vão gostar, eu vou levar uma
avaliação baixa, não vou receber prémio de desempenho, despedem-me, ou melhor,
fazem com que seja eu a despedir-me. Se olharem para este modelo quem é que
sofre mais? Os clientes e os funcionários dos níveis mais baixos. Os clientes
ficam de fora, é preferível agradar às pessoas que estão em cima do que aos
clientes, ou às pessoas que se encontram nos níveis mais baixos, mas são as
pessoas dos níveis mais baixos que têm o conhecimento dos clientes, dos
procedimentos e dos processos, e os clientes são a razão de existir, de
qualquer organização, sejam eles internos ou externos.
Foram feitos alguns estudos na American Hospital Association e
descobriram que o conhecimento das camadas de baixo é de 100%. Os Supervisores
só sabem 74% de tudo aquilo que se passa, os gestores intermédios 9% e os
gestores de topo 4%. Portanto, existe uma grande desconexão entre os que estão
em baixo e os que estão no topo no que respeita ás rotinas diárias, e tem-se
tentado resolver este problema com mais controlo por via regulatória e tecnológica, com mais legislação, novos programas,
novas aplicações, mas isso só tem ajudado a agravar ainda mais o problema,
porque quanto maior for o controlo, menor é a liberdade das camadas de baixo e
intermédias que detém o conhecimento do sistema e dos clientes, maior é o medo e
pior é a comunicação. As pessoas quando são chamadas a falar nunca vão dizer a
verdade porque têm medo, elas vão continuar a fazer o que sempre fizerem,
tentam agradar a quem está acima, e quanto mais chefias intermédias existirem
maior será essa desconexão. A pirâmide do conhecimento está invertida! O que
acontece muitas vezes é que os gestores de topo têm de descer e falar com as
tropas, mas isso não adianta de muito porque o medo não permite que as pessoas
das camadas mais baixas falem abertamente, e uma das coisas que se passa entre
estes dois, é que esta pessoa apenas tem 4% do conhecimento e está
completamente perdida sobre o que realmente se passa, porque as chefias
intermédias tentam a todo custo manter as suas posições, manipulando os dados e
os factos, porque sabem que aqueles 4% nunca falam com os 100% das camadas de
baixo, e quando falam, as pessoas têm medo de dizer a verdade, têm medo de
represálias por parte das camadas mais acima que detêm o poder e o controlo.
Neste modelo, é muito importante fazer as coisas corretamente, se não fizeres
as coisas corretamente tu desces de nível, o importante é a eficiência, não é a
eficácia, outra coisa muito importante é que todas as pessoas se mantenham
muito ocupadas, queremos que as pessoas estejam sempre a trabalhar, num ritmo
muito elevado para mostrar trabalho e números, o objetivo é a excelência
individual, não é a excelência coletiva, porque continuam a achar que se todos
forem muito bons, o coletivo também será muito bom, e isso não é verdade, tu
poder ter os melhores jogadores e não teres a melhor equipa, porque o todo é
maior que a soma das partes, tudo está interligado.
No dia em que este sistema se desmoronar, existem duas coisas que eu vos
posso garantir. Uma é que vai haver pessoas a dizer, “bolas, fizemos as coisas
corretamente e mantivemos as pessoas sempre a trabalhar num ritmo elevado, qual
foi o Problema?”. O problema é meteres
as pessoas a fazer aquilo que é correto. É claro que se estiveres no meio, é
possível que exista muita política a acontecer, e se existir política a
acontecer, ou se existir muita rivalidade e competição a acontecer na gestão
intermédia, vais ter cada vez mais dificuldades. Suponhamos que tu eras diretor
de um departamento e precisavas de perder dinheiro para que o resto do sistema
desse lucro, o que ias dizer era: “eu não quero perder dinheiro, porque se isso
acontecer eu posso descer de nível”, e é muito difícil ver o sistema todo
quando estás num silo ou numa chaminé.
Curiosamente Peter Drucker no final da sua carreira reconheceu e disse que
o seu sistema era bastante decente, à exceção de um problema. Todos os cargos
de chefia tinham de saber quais eram os objetivos certos, e 90% do tempo as
chefias estavam 100% convencidas que sabiam quais eram esses objetivos, mas na
realidade não sabiam, e isso é bem visível quando olhamos para a sociedade como
um todo, e não como um conjunto de partes isoladas. Agora, a gestão por
objetivos tem vantagens:
- Delegação de
recursos;
- Muito tempo
para reuniões;
- Existe uma
forma de definir objetivos e avaliar o progresso em direção a esses objetivos;
- Apresenta
números;
- Apresenta
resultados quantitativos e qualitativos;
Mas para que
este método funcione as pessoas precisam saber qual o verdadeiro propósito do
sistema, precisam saber a direção certa, precisam fazer o que é correto fazer,
e infelizmente isto raramente acontece, e o resultado é a quantidade de
escândalos financeiros que temos assistido nos últimos anos, grandes empresas
como a Enron (2001), worldCom (2002), Tyco (2002), Freddie Mac (2003), AIG
(2005), Lehman Brothers (2008), Olympus (2011), Carilion (2018), Wirecard
(2020), Kraft Heinz (2001) entre muitas outras, todas elas utilizavam a gestão por objetivos, todas apresentavam
números muito objetivos e claros, de forma quantitativa e qualitativa, todos os
números eram auditados e certificados pelas melhores empresas de auditoria do
mundo, mas no entanto isso não foi suficiente, porque como sociedade
continuamos a insistir em fazer muito
corretamente aquilo que é errado, e isto leva-nos a muitas das desvantagens que
são inerentes à gestão por objetivos:
- Implementação
é um fator de sucesso, e não os resultados a longo prazo;
- O sentimento
que tens para satisfazeres o nível acima do teu;
- O facto de que
precisas permissão para tomar decisões;
- A presença de
conformidade e não de comprometimento;
- O
desenvolvimento de silos;
- O
desenvolvimento de pensamento de curto prazo;
- Forjar os
números;
- O medo e a
distorção dos resultados;
- Os clientes e
os funcionários são deixados de fora da equação;
- Desconexão
entre os gestores de topo dos que se encontram na linha da frente;
Aqui estão
alguns números importantes da gestão por objetivos:
Na melhor das
hipóteses apenas 37% têm um perfeito entendimento do que a empresa tenta
alcançar e porquê.
Uma em cada
cinco pessoas está entusiasmada com os objetivos da organização.
Apenas 20%
confia na organização para a qual trabalha.
Uma muito baixa
percentagem de transparência, entusiasmo, liderança, liberdade e confiança.
Se uma equipa de
futebol representasse a média das organizações que utilizam o sistema de gestão
por objetivos, 4 em cada 11 jogadores saberia qual era o seu verdadeiro
objetivo, e não aquele que lhe tinha sido imposto pelo nível acima, 2 em 11
preocupavam-se com esse objetivo e saberiam o que era suposto fazer, e qual a
posição em que jogavam, e todos os outros (tirando 2 jogadores) iriam estar a
competir uns com os outros, em vez de competirem com os seus adversários. (Marco Garcia)
“É claro que todos queremos bons resultados, mas a gestão por objetivos não é certamente o caminho para obtermos bons resultados.” W.Edwards Deming