quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

República Democrática do Congo: novo presidente, velho país

 

Vista panorâmica de uma das principais artérias de Kinshasa, a Avenida 30 de junho.

Desde que comecei este blog, o assunto sobre o qual mais publiquei e tive mais leituras foi sobre a República Democrática do Congo. Por esse motivo, e aproveitando este meu regresso ao blog, achei que talvez não fosse má ideia fazer um apanhado geral sobre a governação do Presidente Félix Tshisekedi, agora que no dia 30 de janeiro fez 3 anos desde a sua tomada de posse.

Inspirando no livro de José de Oliveira Cosme, «Tristezas e Alegrias do Senhor Zacarias», vou aproveitar o título para tentar adaptar ao Presidente Tshisekedi. Adianta-se desde já que as mudanças no país foram limitadas.


Imagens da Assembleia Nacional do Congo, que é um dos principais epicentros das dificuldades de Tshisekedi.

As Tristezas.

          A surpreendente vitória de Tshisekedi nas últimas eleições de 30 de dezembro de 2018 não correspondeu a uma viragem política congolesa. Apesar de ter concorrido como dirigente de um dos maiores partidos da oposição (a UDPS), na verdade a sua governação não é possível (em função das representações partidárias no Senado e na Assembleia Nacional) sem uma coligação com o FCC (o partido controlado pelo ex presidente Joseph Kabila). A influência de Kabila e do seu grupo é visível por todo o país ao controlar setores chave como a segurança, a defesa e a justiça, que são extremamente importantes para a vida política do país. Assim sendo, mesmo que se espere ou possa imputar uma certa boa vontade política ao novo presidente, o que é facto é que a sua margem de manobra acaba por ser limitada, confrontado com «rede de poder» de Joseph Kabila com a qual não contava. Por esse motivo, como refere o antigo primeiro-ministro Bernardin Mungul Diaka, «o condutor mudou, mas o veículo é o mesmo». As negociações para as grandes reformas estruturais no país são complicadas e em muitos pontos, destacando a reforma do sistema de Estado e governo, parecem ter chegado a um impasse. Mesmo com o tom conciliador e diplomático que Tshisekedi tenta ter, as vozes de descontentamento e desilusão com a sua presidência tendem a crescer.


Félix Tshisekedi reunido com o Presidente francês Macron.


As Alegrias.

        Os moderados triunfos de Tshisekedi como presidente têm sido feitos no plano diplomático e económico (ainda que neste campo haja efeitos agridoces). Começando com o plano diplomático, um dos esforços do presidente tem sido o de recuperar a imagem internacional do país, tendo já feito viagens diplomáticas importantes aos seus parceiros internacionais, nomeadamente os EUA, França, China, Rússia, e dentro de África aos vizinhos Angola, Ruanda, Tanzânia, Uganda, entre outros. O melhorar de relações diplomáticas que se fez no plano geral, tem (ainda que timidamente) melhorado a imagem do país, e isso está a fazer-se em dois domínios: por um lado o presidente que feito um esforço diplomático internacional para o auxílio de produção e vacinação contra a Covid-19 para os países africanos, que ainda têm taxas de vacinação muito baixas, sobretudo o próprio Congo que tem uma população de mais de 80 milhões de pessoas e uma taxa de vacinação inferior a 5%; por outro lado, na diplomacia financeira, o país tem melhorado as relações com o FMI (com o qual as relações de cooperação estiveram suspensas alguns anos), o Banco Mundial e o Banco Africano de Desenvolvimento, tentando canalizar algum investimento internacional para o país. Kinshasa tem-se também tornado numa zona de crescente dinamismo económico (sobretudo por influência de jovens empresários com formação dos estrangeiro e/ou filhos de imigrantes congoleses por todo o mundo), ainda que as condições na cidade continuem particularmente complicadas, seja em termos de infraestruturas, saneamento, rede elétrica, entre outras. Os efeitos, contudo, ainda são tímidos, e a instabilidade da situação do país pode levar a uma retração deste fenómeno de investimento, pelo que ainda é prematuro apresentar este fenómeno como um triunfo.


Imagens de Salim Muhammad num vídeo de propaganda islamita no leste do Congo. Os jihadistas são um grupo em crescente ascensão nesta zona do país.


Novos e velhos problemas.

Falando agora de um velho problema, importa fazer uma nota breve sobre a zona do Kivu (cuja situação merece um artigo, a fazer-se adiante), mas sobre a qual a situação parece estar a complicar-se. A «transição digital» que foi apressada por necessidades derivadas da doença Covid-19, pode ser um dos fatores explicativos do aumento da atividade militar no leste do Congo nestes últimos anos, em virtude de uma maior necessidade das matérias-primas lá encontradas (nomeadamente o cobalto). Mas dois outros fatores parecem ter-se juntado aqui: por um lado, o fator da droga (um problema crescente em África, como falei no artigo da Guiné Conacri) parece estar a desempenhar um papel crescente no conflito do Kivu (e cujo consumo tem aumentado por todo o país), servindo não só como efeito psicótico para os soldados, mas também como meio de financiamento das várias milícias que operam nesta zona do país, diversificando o seu «portfólio» e consequentemente fortalecendo a sua presença; por outro lado, temos tido o crescimento da presença islamita nesta região, sobretudo na milícia AFD, com a presença de ex combatentes ou simpatizantes regionais do Daesh, que após as pesadas derrotas militares na Síria e no Iraque, têm procurado por todo o continente africano (desde o Mali até Moçambique) um novo território para expandir a sua influência. Dois acontecimentos em particular merecem reflexão: o primeiro sobre o misterioso assassinato do embaixador italiano no Congo, cujas motivações e causas permanecem ainda desconhecidas; e o segundo com a recente captura do jihadista Salim Muhammad, autor de vários vídeos de propaganda e de execuções efetuadas pelo grupo islamita.

    O futuro do Congo continua hoje muito longe de parecer brilhante. Resta agora aguardar por futuros desenvolvimentos