Queda de água no rio Ituri, afluente do rio Congo que dá nome à região. |
Mina de ouro na região. |
No Ituri, tal
como o vizinho Kivu, a paz alcançada em Sun City em 2003 ficou-se pelo casino
sul africano. Durante a segunda guerra do Congo, a região foi ocupada por
tropas do Uganda, país que apenas se separa da região pelo lago Albert, e foi
local de terríveis atrocidades. Após 2003, com a “saída” das tropas
estrangeiras, imediatamente o conflito regional mudou de uma justificação
política para étnica: tal como falei aquando a analise ao conflito do Kasai,
importa aqui também referir que as instituições políticas que nós conhecemos,
têm uma implantação social muito escassa, na verdade (e na óptica dos locais)
conflitos que já duram há muitos séculos atrás ainda assumem enorme
importância social. Este é sem dúvida, em legado negativo da Conferência de Berlim
no séc XIX, que cria instabilidade na região. Neste caso, as etnias rivais dos
Lendus (“os vassalos”) e os Hemas (“os nobres”), numa troca de pilhagens e
massacres nas cidades e aldeias da região, re-assumiram sob força armada um
conflito histórico pelo controlo da terra arável. Mas como o resto do país,
mais importante a terra, é o que se encontra no seu subsolo. O Uganda, com a
sua retirada do país, não teve intenções de prescindir da sua “fatia” dos
lucros da segunda guerra do Congo, e aqui o conflito complica-se: diferentes facções
do exército ugandês (manifestando no vizinho Congo as suas divisões internas),
financiavam tanto Lendus como Hemas, e criando neles também “sub milícias”, ao
ponto de também o vizinho Ruanda e o próprio exército congolês começarem a
intervir no conflito, financiado e armando a quem melhor servia (e serve!) os seus interesses.
Em 2006, aquando
a aprovação da atual constituição e a vitória do ex presidente Joseph Kabila
nas primeiras eleições presidenciais do atual regime, um breve acordo de paz
foi conseguido na região. Os três principais grupos armados da região aceitaram entregar as armas em troca de uma amnistia e da sua incorporação no
exército congolês. Antes disso Thomas Lubanga (que chegou a matar tropas da ONU
na região) e Germain Katanga, foram capturados e mais tarde condenados pelo tribunal
penal internacional por crimes conta a humanidade, nomeadamente pelo uso de
crianças soldados, massacres em massa e canibalismo.
Refugiados no campo de Bunia, Ituri. |
A paz não foi
para todos: uma facção Lendu recusou participar no acordo de paz, e continuou a
atividade militar na região, tendo a escalada de atividade aumentado em 2012
com a derrota de alguns quartéis do exercito congolês e pela ocupação de
algumas regiões. Em 2014, por intermediação da ONU, alguns dos combatentes
entregaram as armas e aceitaram o acordo do governo de amnistia e integração no
exército, mas até à data os combates entre várias milícias e tropas do governo
continuam, e acentuaram-se com a retirada das tropas da ONU em dezembro de 2017
de Bogoro (a sua principal base da região). Num mês de inicio da crise eleitoral
e com o aumento da instabilidade do país, criou-se um ambiente favorável à
guerra, sendo que milhares de pessoas abandonaram a região para o vizinho
Uganda.
Gráfico alusivo das flutuações do preço do ouro na última década, retirado do site goldprice.org |
As causas do
conflito são confusas, mas o financiamento é evidente: o ouro. Se observarmos o
gráfico acima, podemos intuir duas conclusões: a primeira, mas abrangente, é a
de que o preço das matérias primas é bastante flutuável, e em países, em que a
sua exportação assume o principal peso da economia, esta será sempre muito
frágil, andando “à corrente” das flutuações do mercados internacionais; a
segunda intuição é a mais óbvia, o conflito no Ituri assume maior intensidade
conforme maior seja o preço do ouro, e podemos ver que no presente o preço do
ouro está no patamar mais elevado desde 2012/13. Por esse motivo, a guerra no
Ituri assume maiores proporções nesses anos, pois são os anos em que as receitas são mais generosas. Por isso, pessoalmente, mantenho o meu cepticismo em
relação à argumentação étnica para justificar o conflito: claro que dá o seu
pretexto, mas racionalmente ninguém luta se não tiver um bom motivo para lutar.
E lucrar é sem dúvida o grande motivo para a guerra e os conflitos na República
Democrática do Congo. Por isso não é de esperar melhorias na situação da
região...
Tropas rebeldes no Ituri, em meados de 2018. |
Antes de terminar
o artigo, vou escrever um pouco do que se passa politicamente
na capital Kinshasa: entre várias dificuldades, o presidente Tshisekedi
conseguiu formar governo, mas para muitos analistas, este não passa de um
“fantoche” de Kabila: o partido do ex presidente ocupa 70% da Assembleia
Nacional, sendo os principais sectores da governação como o ministério da
Mineração, da Justiça e da Defesa, estão nas mãos de políticos próximos a
Kabila. Este mesmo já deixou antever que não tem intenções de deixar a vida
política, querendo retornar nas eleições de 2023! As reformas de Tshisekedi têm
sido tímidas, fruto da fragilidade da situação em que se encontra, já vendo também enfraquecida a sua posição no seu partido. Por enquanto, Felix Tshisekedi vai tentando destacar-se na política
externa. Hoje está em Belgrado, numa visita de estado à Sérvia, esta semana
reuniu-se com o presidente russo Vladimir Putin, e tem negociado com o FMI e o
Banco Mundial, sem grande sucesso, um pacote de ajuda externa ao país no valor
de 5 mil milhões de dólares. Resta então aguardar pelo desenrolar dos
acontecimentos no país.