Zona costeira em Conacri, a capital da República da Guiné. |
No passado dia 5 de setembro, a comunidade africana foi surpreendida com um
golpe de Estado em Conacri, efetuado pelas tropas especiais guineenses, que
depôs o já idoso presidente Alpha Condé. A constituição foi dissolvida, as
fronteiras foram encerradas e uma junta militar liderada pelo Coronel Mamady
Doumbouya tomou transitoriamente o poder, ficando de elaborar uma nova Lei
Fundamental.
Imagens do golpe de Estado de 5 de setembro de 2021. De óculos escuros está o Coronel Mamady Doumbouya, líder dos golpistas e atual Presidente. |
Num ano particularmente rico em golpes de Estado nesta região africana
(depois do Mali e do Chade), o caso da Guiné, sem desprimor para os restantes
casos africanos (que mereciam um artigo individual, talvez adiante) merece particular atenção, em função da sua relevante riqueza natural, em função das
suas redes de ligação à comunidade de países francófonos, EUA, China e Rússia,
e em função da movimentação de um obscuro agente internacional: os carteis de
Droga.
Nesta reflexão breve (e inevitavelmente lacunar), vamos olhar para o que
foi a presidência de Alpha Condé, para o impacto da Guiné-Conacri no comércio internacional e para o fenómeno dos narcoestados.
Falando da presidência de Alpha Condé, surpreendentemente foi estável no
plano internacional. O advento da sua presidência foi marcado pela
instabilidade política que afetou o país após o falecimento do anterior Presidente
Lansana Conté e do golpe de Estado de 2009 liderado pelo Capitão Moïse Dadis
Camara, que levou ao decretamento de sanções económicas e militares aplicadas
ao país. Contudo após as eleições presidenciais de 2010 em que Alpha Condé, (opositor
de longa data dos dois anteriores “homens fortes” da Guiné) venceu, as diversas
sanções foram levantadas. Mas se é verdade que a presidência de Alpha Condé foi
estável no plano internacional (surpreendentemente gozando do apoio de França,
EUA, China e Rússia, tendo todos eles manifestado oposição ao golpe de Estado
deste ano), não o foi no plano interno. O Presidente nunca conseguiu um
consenso nacional, dividido pelos diversos grupos étnicos (de registar os
confrontos no sudoeste do país entre os Guerza maioritariamente cristãos e os
Konianke de maioria muçulmana), grupos opositores e graves problemas sociais
(note-se que a Guiné-Conacri segundo dados do FMI figura em 160º lugar entre
184 países no PIB per capita). Os abusos de direitos humanos, a morte e prisão
de opositores, associado à vaga epidémica do Ébola em 2014, em que a Guiné foi
o epicentro, comprometeram a governação de Condé. A tudo isto a enorme
corrupção do governo (um flagelo infelizmente global que em particular nos
países africanos assume dimensões surpreendentes), levaram a uma enorme
insatisfação social, mesmo com o crescimento económico do país em função da
exploração da sua riqueza mineral. A gota de água foi o referendo de alteração
constitucional que visava permitir ao Presidente em exercício a candidatura a
um terceiro mandato, bem como os efeitos económicos causados pela atual
pandemia covid-19, que em função da baixa taxa de vacinação em África, está a ter
efeitos sérios no continente.
A primeira imagem de Alpha Condé detido pelos militares após o golpe de Estado. |
Feito este ponto, o país goza de uma impressionante riqueza mineral, concentradas
essencialmente no sudoeste do país: entre os diversos minérios registam-se
generosas reservas de ouro, diamantes, ferro e sobretudo bauxite, minério do
qual se fabrica o alumínio e de importância facilmente percetível no comercio
mundial (aliás, 60% das reservas globais de Bauxite estão na Guiné-Conacri, que
tem a China, a Rússia e França como principais pareceiros económicos).
Infelizmente, à exploração mineira à larga escala estão também associados
elevados custos ambientais e de saúde.
Mina de bauxite a sul do país. |
Finalmente, no ato final desta tragédia na Africa Ocidental, temos a
presença dos carteis de droga sul americanos. Análises relativamente recentes
apontavam para o risco de a Guiné-Conacri seguir o exemplo da sua vizinha (e
bem conhecida por nós) Guiné-Bissau de se tornar um narcoestado. A presença dos
grandes carteis de droga e do crime organizado não é inédita no plano
internacional. Mas no caso da Guiné-Conacri havia o risco (que parece ter-se confirmado)
de controlo de um país muito relevante em termos de matérias-primas, mas tal
como os restantes narcoestado extremamente instável no plano interno. Como
riscos apontados estavam o crescente volume de cocaína que chegou à Europa via
Guiné nos anos recentes, a ligação entre altos setores do Estado a narcotraficantes
e a iminência de um golpe de Estado que se confirmou este ano. As vantagens do
controlo de um país como a Guiné são evidentes: para além de aspetos de Direito
Diplomático (nomeadamente nas imunidades), temos o acesso às infraestruturas do
país, viradas para a exportação de matérias-primas, em que a circulação da
cocaína pode juntar-se às mesmas, tornando o mercado dos países francófonos
mais acessível para estes carteis. E naturalmente, o controlo de reservas
significativas de matérias-primas permite aos grandes carteis de Droga outro
tipo de abordagem no plano internacional.
Por enquanto o Coronel Doumbouya lidera interinamente o país, e anunciou
pouco depois da tomada do poder a re-abertura das fronteiras, sabendo que o país,
tal como muitos outros em Africa, é extremamente dependente do escoamento das
suas matérias-primas. Recentemente foi anunciada a libertação do ex presidente Alpha Condé, que sendo fiel às últimas noticias, encontra-se em prisão
domiciliária, tal como outras figuras próximas do seu governo. Resta esperar
para ver o futuro da Guiné- Conacri, que por ora afigura-se assustador…