domingo, 27 de janeiro de 2019

Crítica ao filme “Yodok Stories” (2008)


Por todo o lado existem regimes cruéis, que, por algum motivo. não são globalmente conhecidos: o Turquemenistão, país da Ásia Central, onde Saparmurat Niyazov (que mudou o seu nome para “Turkmenbashi”, o pai dos turcomanos) criou um regime de inspiração totalitária, seguida pelo seu sucessor, Gurbanguly Berdimuhammedow; a Eritreia, país africano, que desde 1993 é governado pelo autoritário Isaias Afewerki que aí criou um estado policial e extremamente repressivo, a uma escala chocante; ou então o Usbequistão de Islam Karimov (que faleceu recentemente e foi sucedido por Shavkat Mirziyayev), que usa técnicas de tortura medievais para punir os seus adversários políticos. Mas por algum motivo, estes e muitos outros casos, não têm a cobertura devida.




Não é nenhum choque a constatação de que existem muitos sítios no mundo em que estejam instituídos regimes onde parece não ser possível encontrar adjetivos suficientemente expressivos para descrever o horror e a paranoia que nesses locais se vive. E muito menos é novidade que a política não é uma área, ou até uma ciência, caracterizada pelas suas singulares e virtudes éticas. E isso é igualmente verdade no mundo das relações internacionais. Mas o contacto que se tem com outros povos e culturas é enriquecedor e chocante, ainda que se veja muito do que são estruturas sociais, maneiras de organizar e pensar a vida de maneiras muito diferentes, existe sempre um denominador comum em que todos podemos chegar a acordo.

Concordamos todos que a realidade representada nesta imagem é terrível?


Há uns anos atrás li um livro que ficou famoso globalmente chamado “Os aquários de Pyongyang” e muito do que se escreve ali é surpreendente. Definitivamente deixou-me com uma visão diferente da que se pensa ser são os comuns norte-coreanos. Não são pessoas que perderam a sua humanidade, não são somente experimentos políticos de um regime que os (tenta) moldar na perfeição, arrisco-me a dizer que muitos deles adoptaram uma postura que qualquer um de nós iria adoptar, para se adaptar e conseguir viver naquele regime. Eles sentem a fome, sentem a falta de energia elétrica, sabem que a prioridade do seu governo não é a sua sobrevivência mas a sua estabilidade, ainda que tenham passado a vida inteira a ouvir e a ser educados a olhar para os três Kim’s como deuses. E quando entram num campo de concentração, sentem (como nós sentiríamos) a injustiça e o horror daquele sistema.



Porque estou a divagar tanto na crítica a um filme? Porque Yodok Stories não é um filme como globalmente o entendemos. Não se pode escrever sobre este como se escreve sobre os filmes normais. Não há um personagem principal, nem uma história condutora em si, o filme é todo um conjunto de pequenas grandes histórias e vidas. Há personagens que saem de cena porque souberam que a sua família foi presa na pendência das gravações, outras foram ameaçadas e insultadas por participarem no filme e fazerem o seu “projeto”. Esse “projeto” é a inspiração do título do filme.


Yodok (nome comum atribuído ao Kwan-li-so nº15, traduzido, colónia penal nº15), é um campo de concentração na Coreia do Norte, e como não há registos escritos oficiais nem digitais exatos sobre o campo, foi feito na Coreia do Sul, com participação refugiados norte coreanos, um musical para deixar uma mensagem forte sobre as condições de vida terríveis neste campo. Há vários participantes de destacar no filme, um antigo encenador dos famosos "MassGames", antigos prisioneiros de Yodok, um antigo guarda do campo, e até um antigo guarda costas de Kim Jong Il (o segundo líder do país, governou entre 1994 e 2011). Em comum todos têm um terrível passado e dificuldade em seguir com a vida, o que nem sempre é fácil.


Realizado pelo polaco Andrzej Fidyk, “Yodok Stories” relembra-nos as proporções aterrorizantes que o poder político pode assumir, recordando em certos aspetos os mórbidos detalhes dos campos de concentração nazis e o quanto esse modelo de execução de penas que se possa ter por esquecido ou ultrapassado, evoluiu e nos apresenta peculiaridades ainda mais assustadoras. Para quem quiser ver o filme, deixo o link aqui.